A Pessoa e Obra do Espírito Santo (382)

6.4.9.1.5. Na disciplina (Continuação)

Davi retrata de forma dramática diversas consequências de seus pecados. Outras podemos verificar em sua vida e na de seus familiares.

Devido ao peso da mão de Deus (4) o salmista sentia inclusive fisicamente as consequências do desagrado divino. A mão de Deus o comprimia.

 Adams  (1929-2020) comenta:

Ele cria que a depressão vinha da parte de Deus e a considerava como o misericordioso castigo de Deus, exortando-o e levando-o ao arrependimento. O sentimento de culpa o esmagava. O “meu vigor” (…) “se tornou em sequidão de estio”. Eram evidentes os efeitos que aquela ansiedade produzira no corpo. Secou-se a saliva de sua boca – reação natural num estado de ansiedade.[1]

O pecado lhe era extremamente pesado: “Pois já se elevam acima de minha cabeça as minhas iniquidades (}oWf() (‘ãwõn); como fardos pesados, excedem as minhas forças” (Sl 38.4).

a) Envelheceram (hl’B’) (balah) os meus ossos (3): toda a sua força se desvanecia. “Seus ossos não se consumiam com a idade, mas com os terríveis tormentos de sua mente”, interpreta Calvino.[2]

Quando Davi falava de seus ossos na realidade parece estar falando do corpo inteiro.[3] O seu corpo se desgastava e se consumia. É como se seus ossos sofressem de osteoporose, se desgastando, ficando frágil.

b) Gemidos (hg”a’v.) (sheagah) contínuos (3): a palavra se aplica também ao rugido do leão feroz (Jó 4.10; Is 5.29)[4] e dos leõezinhos (Zc 11.3).[5] Aplica-se também ao gemido humano: quando Jó em desespero amaldiçoa o dia do seu nascimento (Jó 3.24;[6] Sl 32.3).

De forma mais contundente e dolorosa, a expressão é utilizada para descrever o bramido do Messias: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? Por que se acham longe de minha salvação as palavras de meu bramido (hg”a’v.) (sheagah)?” (Sl 22.1).

          A dor de Davi além de forte era contínua. Por isso a intensidade e continuidade de seu “bramido”.

c) Perda do vigor (4): a palavra “sequidão” (לשׁד) (leshad) que só aparece neste texto, tem o sentido básico de “tostar”. De forma figurada, conforme utilizada pelo salmista, significa “desolado”, destruído”. “Estio” (קיץ) (qayits), refere-se ao sol e ao verão. Davi usa uma forma figurada para dizer que o seu vigor, seu frescor, ficou como que algo destruído, ressecado pelo sol.

Interpreta Adams:

As expressões de Davi mostram quão duros podem ser os efeitos psicossomáticos do pecado. A tormenta dessa condição fê-lo sentir-se como se os ossos do seu corpo estivessem ficando velhos e prestes a quebrar-se. Tanto lhe padecia o corpo que ele soltava gemidos o dia inteiro.[7]

“Não há parte sã na minha carne, por causa da tua indignação; não há saúde nos meus ossos, por causa do meu pecado (taJ’x;) (hattath)(Sl 38.3), escreve o salmista.

          A essência do pecado de Davi consistiu em desprezar a Deus e a sua Palavra. É nestes termos que Natã fala com Davi:

Por que, pois, desprezaste (hz’B’) (bazah) a palavra do SENHOR, fazendo o que era mal perante ele? A Urias, o heteu, feriste à espada; e a sua mulher tomaste por mulher, depois de o matar com a espada dos filhos de Amom. 10Agora, pois, não se apartará a espada jamais da tua casa, porquanto me desprezaste (hz’B’) (bazah) e tomaste a mulher de Urias, o heteu, para ser tua mulher. (2Sm 12.9-10).[8]

          O sentido da palavra desprezível é o de atribuir pouco valor a alguém ou a alguma coisa, subestimar.[9] A palavra não é negativa em si mesma no sentido de estar pecando quem se porta desta forma. O que desprezamos é que vai evidenciar se estamos certos ou errados. A Escritura, por exemplo, nos apresenta esta atitude praticada com erros e acertos. O que de mais grave podemos cometer nesta vida é desprezar a Deus e a sua Palavra.

O pecado consciente tem como ingrediente agravante, o desprezo para com Deus e sua Palavra.[10]

A sentença que Davi indignado apresentara ao profeta Natã se cumpriu em sua própria vida, já que o personagem descrito pelo profeta era o rei: “Tão certo como vive o Senhor, o homem que fez isso deve ser morto. E pela cordeirinha restituirá quatro vezes, porque fez tal cousa e não se compadeceu” (2Sm 12. 5-6).

Ele perdeu tragicamente quatro de seus filhos: O seu filho com Bate-Seba, Amnon, Absalão e Adonias.

a) Seu filho com Bate-Seba morreu com 7 dias de nascido (2Sm 12.15-18).

b) Seu filho Amnon estuprou a própria irmã, Tamar. O seu suposto amor pela irmã transformou-se em nojo (2Sm 13.1-19).

c) Absalão,outro dos filhos de Davi, planeja a vingança e dois anos depois mata Amnon (2Sm 13.23-29).

d) Davi passa a perseguir a Absalão, que foge, por três anos (2Sm 13.37-39).

e) Davi traz Absalão de volta à Jerusalém (2Sm 14.24), demorando-se mais uns dois anos para que se reconciliasse totalmente com o seu filho(2Sm 14.28,33).

f) Absalão seduz o povo promovendo uma revolta em Jerusalém. Davi foge com os seus soldados leais (2Sm 15.1-18).

g) Absalão para afrontar ainda mais a Davi, coabita diante de todo o povo com as concubinas de Davi que permaneceram em Jerusalém para cuidar do palácio (2Sm 16.22).

h) Joabe, seu general, amigo e conselheiro, desconsiderando a ordem de Davi, mata a Absalão, causando grande tristeza ao rei (2Sm 18.9-33).

i) Adonias, seu filho mais jovem, a quem Davi fez todas as vontades (1Rs 1.6) – ajudado por dois homens de confiança de Davi, o sacerdote Abiatar e o comandante Joabe –, tenta assumir o trono preterindo a Salomão, filho de Davi com Bate-Seba, a quem Davi prometera suceder-lhe. Esta situação não se agravou ainda mais porque Salomão depois de coroado rei, perdoou o seu irmão sob condição de ser-lhe leal (1Rs 1.5-53).

j) Posteriormente, após a morte de Davi, Salomão interpretando o interesse de Adonias em se apossar do trono, ordena a sua morte (1Rs 2.13-25).

A disciplina de Deus é uma manifestação de sua bênção, um testemunho do seu amor para com os seus filhos que caíram em pecado.[11]

  Maringá, 16 de janeiro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Jay A. Adams, Conselheiro Capaz,São Paulo: Editora Fiel, 1977, p. 119-120.

[2] João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 32.3), p. 45.

[3]Cf. Jay A. Adams, Conselheiro Capaz,São Paulo: Editora Fiel, 1977, p. 119.

[4]“Cessa o bramido (hg”a’v.) (sheagah)do leão e a voz do leão feroz, e os dentes dos leõezinhos se quebram” (Jó 4.10). “O seu rugido (hg”a’v.) (sheagah)é como o do leão; rugem como filhos de leão, e, rosnando, arrebatam a presa, e a levam, e não há quem a livre” (Is 5.29).

[5]“Este, andando entre os leões, veio a ser um leãozinho, e aprendeu a apanhar a presa, e devorou homens. Aprendeu a fazer viúvas e a tornar desertas as cidades deles; ficaram estupefatos a terra e seus habitantes, ao ouvirem o seu rugido (hg”a’v.) (sheagah) (Ez 19.6-7). “Eis o uivo dos pastores, porque a sua glória é destruída! Eis o bramido (hg”a’v.) (sheagah)dos filhos de leões, porque foi destruída a soberba do Jordão!” (Zc 11.3).

[6]“Por que em vez do meu pão me vêm gemidos (hg”a’v.) (sheagah), e os meus lamentos se derramam como água?” (Jó 3.24).

[7]Jay A. Adams, Conselheiro Capaz,São Paulo: Editora Fiel, 1977, p. 118.

[8]Ele considerou a Deus e a sua Palavra como algo insignificante: “…. desprezou (בּזה) (bâzâh) Esaú o seu direito de primogenitura” (Gn 25.34). Como também fizera Golias, quando vira o jovem Davi: “Olhando o filisteu e vendo a Davi, o desprezou (בּזה) (bâzâh), porquanto era moço ruivo e de boa aparência” (1Sm 17.42).

[9] Veja-se: Bruce K. Waltke, Baza: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 164.

[10]Quanto à palavra desprezo, veja-se: Hermisten M.P. Costa, Vivendo com integridade, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2016.

[11]Veja-se: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.5), p. 175. “A disciplina é uma evidência segura da filiação do crente e do amor de Deus” (V.R. Edman, Disciplina: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 1, p. 476).

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