A Pessoa e Obra do Espírito Santo (305)

2) Positivamente considerando (Continuação)

16) Domínio próprio: (e)gkrath/j) *Tt 1.8. “Autocontrole”, “disciplina”. Significa um total autodomínio, controlando as suas paixões, impulsos e apetites; subordinando os seus pensamentos e emoções à vontade de Deus. Esta palavra que é grandemente valorizada no pensamento grego, encontra pouca ênfase nas Escrituras.

          Ela é empregada referindo-se ao apetite sexual (1Co 7.9) e ao treinamento do atleta que em tudo precisa se dominar a fim de preparar-se adequadamente para a competição (1Co 9.25).[1] Pedro interrelacionando algumas das virtudes cristãs, estabelece uma conexão imediata entre o conhecimento, o domínio próprio e a perseverança (2Pe 1.6).

Sem dúvida, o progresso no conhecimento de Deus (2Pe 1.8) – por meio da utilização dos meios que Deus tem-nos fornecido para o nosso crescimento espiritual (2Pe 1.3)[2] –, associa-se ao domínio próprio e à perseverança (u(pomonh/)[3] em resistir às tentações, fazendo a vontade de Deus.

          Lembremo-nos de que o domínio próprio (e)gkra/teia) é um fruto do Espírito (Gl 5.23). Talvez aqui esteja a chave da distinção do sentido grego e bíblico do emprego do termo.

Enquanto para os gregos aponta para o senhorio autônomo, as Escrituras indicam que o verdadeiro autocontrole só é possível heteronimicamente. Não há em última instância autossuficiência. O controle sobre mim mesmo devo, paradoxalmente buscar no Espírito. É Deus quem produz em mim esta virtude. Ele o faz por meio de seus preceitos os quais sendo seguidos, sob o poder orientador do Espírito, produzem os frutos que lhe são próprios.

          Dentro destas qualificações podemos observar que a piedade vem antes do domínio próprio. Somente em nossa aproximação de Deus poderemos desenvolver o autocontrole. Deste modo, o presbítero, como todo o crente, deve estar humildemente consciente de que a modelagem de seu caráter dependerá sempre de sua submissão ao Espírito Santo. Deus nos educa por meio de sua graça a fim de que controlemos os nossos impulsos e inclinações pecaminosos. Quem é educado por Deus sempre revela os frutos dessa divina pedagogia (Tt 2.11-12).

          17) Apegado à Palavra

Uma das formas pelas quais Deus se vale para cuidar de sua Igreja, é vocacionando e habilitando seus pastores para, por meio deles, alimentar e cuidar de seu rebanho. Lucas descreve de forma sucinta e reverente a vocação do apóstolo Paulo e a comissão de Ananias:

15 Mas o Senhor lhe disse: Vai, porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel; 16 pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome. 17 Então, Ananias foi e, entrando na casa, impôs sobre ele as mãos, dizendo: Saulo, irmão, o Senhor me enviou, a saber, o próprio Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a vista e fiques cheio do Espírito Santo. (At 9.15-17).

          Mais tarde, Paulo pôde escrever a Timóteo: “Sou grato para com aquele que me fortaleceu, Cristo Jesus, nosso Senhor, que me considerou fiel, designando-me para o ministério” (1Tm 1.12).

          No seu chamado, Paulo reconhecia a autoridade apostólica conferida pelo Senhor para a edificação da Igreja:              “Porque, se eu me gloriar um pouco mais a respeito da nossa autoridade, a qual o Senhor nos conferiu para edificação e não para destruição vossa, não me envergonharei” (2Co 10.8/2Co 13.10;1Co 5.1-5).

          Conforme já citamos, Calvino acentuou a responsabilidade do presbítero. Entende que Deus se dignou em consagrar a si mesmo “as bocas e línguas dos homens, para que neles faça ressoar sua própria voz”.[4] Deste modo, os pastores não estão a seu próprio serviço, mas de Cristo; eles não buscam discípulos para si mesmos, mas para Jesus Cristo.

          “Apegado (a)nte/xomai) à palavra fiel, que é segundo a doutrina, de modo que tenha poder tanto para exortar pelo reto ensino como para convencer os que o contradizem” (Tt 1.9).

          A)nte/xomai.[5]  “Reter”, “suster”; servir, no sentido de lealdade (Mt 6.24 = Lc 16.13). Notemos que todas as qualificações exigidas para o presbiterato e o diaconato só poderão ser cumpridas, mediante o apego irrevogável e devotado à Palavra. “Este é o principal dote do bispo que é eleito especialmente para o magistério sagrado, porquanto a Igreja não pode ser governada senão pela Palavra”, declara Calvino.[6] 

          O apego à Palavra se caracteriza pela busca constante e fiel por ler a realidade com os óculos das Escrituras, discernindo assim, o que realmente importa. A nossa lealdade às Escrituras será a marca definidora de nossa lealdade a Deus em todas as esferas de nossa existência. A palavra é fiel. Sem dúvida, vamos experimentando isso conforme formos aplicando os preceitos de Deus em nossa vida e na condução do povo de Deus.

          Haverá sempre a tentação de nos afastarmos da Palavra, seguindo outros métodos que se mostrem “mais eficazes”. Os presbíteros devem estar atentos ao fato de que toda a sua autoridade é decorrente da Palavra. A força de nosso argumento para exortar e convencer não nos advém de outra fonte senão da reta doutrina procedente da Palavra.

Não tentemos ser sábios distantes da Palavra. Apeguemo-nos a ela na busca constante por discernimento e sabedoria na condução do rebanho. Deus haverá de nos iluminar. A verdadeira sabedoria, se curva diante da Palavra, buscando um coração sábio para pensar, crer e agir.

Maringá, 28 de setembro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Em ambos os textos, a palavra utilizada é e)gkrateu/omai, a qual ocorre nesses textos com exclusividade em todo o Novo Testamento.

[2] Ver: Hermisten M.P. Costa, A Palavra e a Oração como Meios de Graça: In: Fides Reformata, São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 5/2 (2000), 15-48.

[3]O substantivo u(pomonh/ (perseverança) e o verbo u(pome/nw [u(pome/nw (u(po/ = “sob” & me/nw = “permanecer, ficar, esperar, aguardar”)] (perseverar), têm o sentido de persistir, permanecer, firmeza, constância, paciência, resistência, “permanecer debaixo de”; “manter-se firme debaixo de”. Os termos descrevem não simplesmente uma atitude passiva de deixar os fatos acontecerem, mas, sim, um comportamento ativo que para suportar”. Esta resistência se alicerça sobre a fé. A fé consiste na entrega da alma a Cristo, confiando inteiramente nos Seus cuidados. Tal consagração confere ao crente a disposição e o poder de suportar dificuldades provenientes de sua lealdade irrestrita a Cristo. A nossa fé, portanto, se evidencia em nossa paciência em suportar as adversidades… E assim, a vida cristã vai sendo lapidada, aprimorada em seus contornos por meio das dificuldades comuns a todos aqueles que querem permanecer fiéis ao Senhor: “A tribulação produz perseverança” (u(pomonh/)(Rm 5.3); é a fé provada que produz a “constância” (Tg 1.3). “Com efeito, tendes necessidade de perseverança (u(pomonh/), para que havendo feito a vontade de Deus, alcanceis a promessa” (Hb 10.36). enfrenta as dificuldades, tendo uma perspectiva que ultrapassa a simples visão adversa do momento; é, portanto, uma perseverança viril na prova: aceita os embates da vida porém, ao aceitá-los, transforma-os em novas conquistas. A palavra quer dizer uma resistência persistente, a despeito das circunstâncias difíceis. Uma fé que se fortalece ainda mais no meio das adversidades (Veja-se: William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, p. 101).

            Esta paciência é uma perseverança corajosa, que aceita os desafios de sua fé e permanece fiel ao seu Senhor; ela é uma qualidade espiritual, o produto de um andar submisso e guiado pelo Espírito. Por isso ela pode ser descrita como “a graça

[4]João Calvino, As Institutas, IV.1.5.

[5] * Mt 6.24; Lc 16.13; 1Ts 5.14; Tt 1.9.

[6]João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.9), p. 313.

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