A Pessoa e Obra do Espírito Santo (304)

  2) Positivamente considerando (Continuação)

15) Piedoso: (o)/sioj) Tt 1.8.  (Continuação)

                      Por isso, Timóteo, comprometido em fazer a vontade de Deus, deveria exercitá-la com a perseverança de um atleta (1Tm 4.7).[1] Segui-la como alguém que persegue um alvo. E, a convicção e o zelo com os quais o próprio Paulo perseguira a Igreja de Deus (Fp 3.6): “Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas; antes, segue (diw/kw)[2] a justiça, a piedade (eu)se/beia), a fé, o amor, a constância, a mansidão” (1Tm 6.11). O tempo presente do verbo indica a progressividade que deve caracterizar essa busca pela piedade.

          Calvino entende que o conhecimento verdadeiro do verdadeiro Deus traz como implicação necessária, a piedade e a santificação:

Deve observar-se que somos convidados ao conhecimento de Deus, não àquele que, contente com vã especulação,[3] simplesmente voluteia no cérebro, mas àquele que, se é de nós retamente percebido e finca pé no coração, haverá de ser sólido e frutuoso.[4]

Jamais o poderá alguém conhecer devidamente que não apreenda ao mesmo tempo a santificação do Espírito. (…) A fé consiste no conhecimento de Cristo. E Cristo não pode ser conhecido senão em conjunção com a santificação do seu Espírito. Segue-se, consequentemente, que de modo nenhum a fé se deve separar do afeto piedoso.[5]

O conhecimento de Deus é a genuína vida da alma.[6]

          O verdadeiro conhecimento de Deus conduz-nos à piedade:

Paulo sustenta que aquele falso conhecimento que se exalta acima da simples e humilde doutrina da piedade não é de forma alguma conhecimento.[7]
A única coisa que, segundo a autoridade de Paulo, realmente merece ser denominada de conhecimento é aquela que nos instrui na confiança e no temor de Deus, ou seja, na piedade.[8]

          No entanto, é possível forjar uma aparente piedade. Essa era a expertise dos falsos mestres que, privados da verdade, o faziam pensando em obter lucro (1Tm 6.5).[9]  Contudo, esta carece de poder e da alegria resultantes da convicção de que Deus supre as nossas necessidades.

Logo, esses falsos mestres não conhecem o “lucro” da piedade: “De fato, grande fonte de lucro (porismo/j) é a piedade (e)use/beia) com o contentamento (au)ta/rkeia[10] = “suficiência”, “satisfação”). Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes” (1Tm 6.6-8/2Tm 3.5).[11]

          Todo o genuíno conhecimento cristão vem acompanhado de piedade (1Tm 3.16/1Tm 6.3;[12] Tt 1.1). A piedade deve estar associada a diversas outras virtudes cristãs a fim de que seja frutuosa no pleno conhecimento de Cristo (2Pe 1.6-8).[13]

          A nossa certeza é que Deus nos concedeu todas as coisas que nos conduzem à piedade. Ele exige de nós, os crentes, o uso diligente dos recursos que  Ele nos proporciona com vistas à nossa santificação [14] e que não negligenciemos os “meios de preservação”.[15]

Deste modo, devemos nos valer com fé e gratidão, de todos os recursos que Deus nos forneceu com este santo propósito: “Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade (e)use/beia), pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3).[16]

            A piedade não pode estar dissociada da fé que confessa que Deus é o autor de todo o bem. Portanto, podemos nele descansar sendo conduzidos pela sua Palavra.[17]

          É essa piedade que deve caracterizar a vida do presbítero. Em todas as situações, a piedade deve ser a lente por meio da qual lemos a realidade e o que nutre o  nosso coração nas decisões que precisarão ser tomadas.

Maringá, 28 de setembro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]“Mas rejeita as fábulas profanas e de velhas caducas. Exercita-te (gumna/zw), pessoalmente, na piedade” (1Tm 4.7). Gumna/zw é aplicada ao exercício próprio de atleta. No Novo Testamento a palavra é usada metaforicamente, indicando o treinamento que pode ser utilizado para o bem ou para o mal (*1Tm 4.7; Hb 5.14; 12.11; 2Pe 2.14).

[2]Diw/kw é utilizada sistematicamente para aqueles que perseguiam a Jesus, os discípulos e a Igreja (Mt 5.10-12; Lc 21.12; Jo 5.16; 15.20). Lucas emprega este mesmo verbo para descrever a perseguição que Paulo efetuou contra a Igreja (At 22.4; 26.11; 1Co 15.9; Gl 1.13,23; Fp 3.6), sendo também a palavra utilizada por Jesus Cristo quando pergunta a Saulo do porquê de sua perseguição (At 9.4-5/At 22.7-8/At 26.14-15). Paulo diz que prosseguia para o alvo (Fp 3.12,14). O escritor de Hebreus diz que devemos perseguir a paz e a santificação (Hb 12.14). Pedro ensina o mesmo a respeito da paz (1Pe 3.11).

[3]Ver: J. Calvino, As Institutas, Campinas, SP.; São Paulo: Luz para o Caminho; Casa Editora Presbiteriana, 1985, I.14.4.

[4] J. Calvino, As Institutas, I.5.9. “Importa se nos transfunda ela (a doutrina) ao coração e se nos traduza no modo de viver, e, a tal ponto a si nos transforme, que nos não seja infrutuosa. Se, com razão, se incendem os filósofos contra aqueles que, em professando uma arte que lhes deva ser a mestra da vida, a convertem em sofística loquacidade, e os alijam ignominiosamente de sua grei, de quão melhor razão haveremos de detestar estes fúteis sofistas que se contentam em revolutear o Evangelho no topo dos lábios, Evangelho cuja eficácia devera penetrar os mais profundos afetos do coração, arraigar-se na alma e afetar o homem todo, cem vezes mais do que as frias exortações dos filósofos” (João Calvino,As Institutas, III.6.4).

[5] João Calvino, AsInstitutas, III.2.8. “Não existe piedade sem devida instrução” (John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 19/1, (At 18.22), p. 198). “A piedade sincera só florescerá em nós se nossas almas estiverem em suas mãos; isto é, se nossas vidas estiverem sempre prontas a se sacrificar” (João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6,  São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.16-18), p. 206).

[6] João Calvino, Efésios,São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.18), p. 136-137.

[7]João Calvino, As Pastorais,(1Tm 6.20), p. 186.

[8]João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.20), p. 187.

[9]“Se alguém ensina outra doutrina e não concorda com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo e com o ensino segundo a piedade, é enfatuado, nada entende, mas tem mania por questões e contendas de palavras, de que nascem inveja, provocação, difamações, suspeitas malignas, altercações sem fim, por homens cuja mente é pervertida e privados da verdade, supondo que a piedade é fonte de lucro (porismo/j) (1Tm 6.3-5).

[10] *2Co 9.8; 1Tm 6.6.

[11]“Sabe, porém, isto: nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis, pois os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder. Foge também destes” (2Tm 3.1-5). (Destaques meus).

[12]“Evidentemente, grande é o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória” (1Tm 3.16). “Se alguém ensina outra doutrina e não concorda com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo e com o ensino segundo a piedade, é enfatuado, nada entende, mas tem mania por questões e contendas de palavras, de que nascem inveja, provocação, difamações, suspeitas malignas, altercações sem fim, por homens cuja mente é pervertida e privados da verdade, supondo que a piedade é fonte de lucro” (1Tm 6.3-5). (Destaques meus).

[13]“Por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; com o conhecimento, o domínio próprio; com o domínio próprio, a perseverança; com a perseverança, a piedade (e)use/beia); com a piedade (e)use/beia), a fraternidade; com a fraternidade, o amor. Porque estas coisas, existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo” (2Pe 1.5-8).

[14]Veja-se: Catecismo Menor de Westminster,Perg. 85.

[15] Confissão de Westminster,XVII.3.

[16]Vejam-se: Hermisten M.P. Costa, A Palavra e a Oração como Meios de Graça: In: Fides Reformata,São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 5/2 (2000), 15-48; Joel R. Beeke; Mark Jones, orgs. Teologia Puritana: Doutrina para a vida,  São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 1201.

[17]Cf. John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 2/1, (Dt 6.16), p. 422.

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