Uma oração intercessória pela Igreja (7)

Introdução

            “Por isso, também eu, tendo ouvido….” (Ef 1.15).

            Na Carta aos Efésios, o Apóstolo Paulo, após descrever em forma doxológica aspectos dos grandes feitos de Deus de eternidade à eternidade, tendo como ponto fundamental a sua graça abençoadora que nos elege, redime, adota e sela (Ef 1.3-14), agora, volta-se à Igreja como alvo de sua intercessão a Deus (Ef 1.15-23). Como sumariou Stott (1921-2011): “Primeiro, bendiz a Deus por nos ter abençoado em Cristo; depois, ora pedindo que Deus abra nossos olhos para entendermos plenamente esta bênção”.[1]

            O “por isso” (dia\ tou=to) (15), certamente refere-se à toda doxologia (Ef 1.3-14). Paulo começa então destacando a fé e o amor dos efésios que têm sido motivo de testemunho entre as igrejas. Paulo ouviu a respeito (15). Ele era grato a Deus por isso. O último contato de Paulo com a igreja de Éfeso havia uns 5 anos. Muitas pessoas novas chegaram à igreja. Os falsos ensinamentos também se disseminavam aqui e ali. Saber que aqueles irmãos perseveravam íntegros em sua fé e amor era uma grata notícia.

            Mesmo preso, ele tem ouvido a respeito de tão viva fé depositada no Senhor Jesus como também o amor para com todos os santos.

            Aqui, aprendemos de início algo a respeito da vida cristã. Como é bom divulgar as boas notícias, aprender com os nossos irmãos e compartilhar a respeito. As pessoas que passaram pela igreja e começaram a conviver com aqueles irmãos ficaram bem impressionadas com o testemunho dos efésios e  testemunhavam a respeito.

            Paulo ouviu e agiu. O que ouvimos? Como ouvimos? O que fazemos quando ouvimos? O que ouvimos por um ouvido pode simplesmente sair por outro, conforme se diz popularmente, sem processar o que ouvimos? A Escritura nos fala sobre a importância de saber ouvir. Analisemos isso começando pelo próprio Deus.

1. Deus, o Ouvinte interessado

            Em 336 a.C., Ctesifonte, cidadão ateniense, propôs, possivelmente de forma ilegal, que o povo de Atenas concedesse uma coroa de ouro ao orador Demóstenes pelos seus serviços prestados à pátria no período crítico da imposição macedônia. Ésquines, no entanto, partidário de outro grupo político, é contrário a tal premiação, argumentando de forma contundente.

            O processo se arrastou por seis anos. O debate público seria inevitável. Após o discurso de Ésquines, Demóstenes (c. 384-322 a.C.) apresentou a sua defesa, reconhecendo a dificuldade visto falar em causa própria. Assim temos a origem da obra A Oração da Coroa. Já no segundo parágrafo de seu discurso o hábil orador deseja ter  a plateia  tenha “ouvidos benignos” para com a sua fala.[2]

            Ele foi coroado. Obter ouvidos benignos nem sempre é uma tarefa fácil e simples. Lembro-me de um fato ocorrido há alguns anos: Fui surpreendido por um taxista que durante um percurso de meia hora falou-me com entusiasmo de determinado personagem de sua cidade no Piauí que foi muito marcante em sua formação. Confesso que o narrador era bastante eloquente. O personagem descrito me causou uma sincera admiração pelos seus princípios éticos. No entanto, o mais surpreendente estava por vir. Ao final da corrida, como era uma conta com centavos, pedi que arredondasse para cima. Ele gentilmente, além de não fazer isso, deu-me o equivalente a um desconto de quase 10%, me agradecendo alegremente por eu, sendo professor (dedução dele. Creio pelo fato de ter entrado em seu carro em uma das ruas de frente de uma Universidade e, também, por estar de terno) tê-lo ouvido. Confesso que o fiz com alegria e aprendizado.[3]

            O apóstolo Paulo antes de ser um escritor profícuo, era um ouvinte interessado. Como já experimentamos, saber ouvir é mais do que simplesmente ficar calado. Paulo sabia ouvir, analisar o que ouviu e agir.

            Sabemos que, por vezes, é muito difícil ouvir àqueles que aparentemente, em parte pelo nosso preconceito, nada nos tem a acrescentar. Em Eclesiastes lemos esta constatação: “….melhor é a sabedoria do que a força, ainda que a sabedoria do pobre é desprezada (hz”B’) (bazah),[4] e as suas palavras não são ouvidas” (Ec 9.16). Por sua vez, continua Salomão: “As palavras dos sábios, ouvidas em silêncio, valem mais do que os gritos de quem governa entre tolos” (Ec 9.17).

            Dentro de outra perspectiva, notamos biblicamente que os salmistas, entre tantos outros servos de Deus, em suas angústias, diversas vezes se alimentavam na certeza de que Deus ouve as suas orações.

            “Tens ouvido ([m;v’) (shama),[5] SENHOR, o desejo dos humildes; tu lhes fortalecerás o coração e lhes acudirás” (Sl 10.17), expressa o salmista de modo confiante a sua vivência de fé. 

            Ainda que sejamos tentados em nossa precipitação a achar que Ele está distante ou muito ocupado, Deus sempre ouve com atenção as nossas súplicas. É o que demonstra Davi em outro Salmo: “Eu disse na minha pressa: estou excluído da tua presença. Não obstante, ouviste ([m;v’) (shama) a minha súplice voz, quando clamei por teu socorro” (Sl 31.22).[6] 

Deus nos deu a sua Palavra e, nos concedeu seus ouvidos para que possamos falar com Ele. A sua Palavra deve ser o estímulo e o conteúdo de nossas orações.

Como Pai, Deus nos escuta atentamente quando nos dirigimos a Ele com fé e, até mesmo, por vezes, em nossos desatinos e confusões espirituais.

São Paulo, 2 de abril de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]John R.W. Stott, A Mensagem de Efésios,São Paulo: ABU Editora, 1986, p. 29.

[2]Demóstenes, A Oração da Coroa, Rio de Janeiro: Edições de Ouro, (s.d.), p. 19.

[3]Não pense que esta prática seja rotineira. Certa ocasião, um tanto constrangido, ao embarcar no taxi no ponto oficial do aeroporto, não tendo opção (passava das 20 horas de sábado; poucos voos saem esta hora, logo, é difícil ter um taxi desembarcando passageiro), me desculpei com o taxista por minha corrida ser curta. Ele, curto e grosso demonstrou verbalmente que eu deveria apenas dizer o local para onde deveria me conduzir e pronto… Também não me foi oferecido nenhum desconto.

[4] O sentido da palavra desprezível é o de atribuir pouco valor a alguém ou a alguma coisa, subestimar. A palavra não é negativa em si mesma no sentido de cometer pecado quem se porta desta forma. O que desprezamos é que vai evidenciar se estamos certos ou errados. A Escritura, por exemplo, nos apresenta esta atitude praticada com erros e acertos. O problema descrito aqui, é que mesmo o pobre tendo sabedoria, sua sabedoria é desprezada simplesmente por ser pobre. (Para um estudo detalhado da aplicação da palavra no Antigo Testamento, veja-se: Hermisten M.P. Costa, Vivendo com Integridade: um estudo do Salmo 15,  São José dos Campos, SP.: Fiel, 2016, p. 63-77).

[5] A palavra quando se refere a Deus como aquele que ouve, tem o sentido de ouvir e responder.

[6]8Apartai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade, porque o SENHOR ouviu ([m;v’) (shama) a voz do meu lamento; 9 o SENHOR ouviu ([m;v’) (shama) a minha súplica; o SENHOR acolhe a minha oração” (Sl 6.8-9).

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