Uma oração intercessória pela Igreja (6)

Introdução: Sobre pastores, teologias e a Igreja (Continuação)

A poderosa Palavra de Deus

            O apóstolo Paulo, diante dos presbíteros de Éfeso, quando se despede em caráter definitivo, traz à lembrança de seus ouvintes um dos aspectos fundamentais de seu ministério:“Jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus” (At 20.27). Este foi o seu ministério durante os três anos nos quais ali passou. (At 20.27,31).

            Tendo aprendido com o Cristo, Paulo não se deteve em sabedoria humana, em debates frívolos ou em exibicionismo de saber, antes, anunciou o Evangelho da graça de Deus (At 20.24).[1]

            Ele prevê as dificuldades que viriam, surgidas muitas delas dentro da própria Igreja,[2] até mesmo, é possível, da parte de presbíteros (At 20.29-30).[3]No entanto, ele não estabelece nenhum método mirabolante, antes os orienta a ficarem atentos – contínua e perseverantemente[4] – e os encomenda à Palavra (At 20.31-32).[5] Demonstra também a necessidade de autovigilância (At 20.28).

            Stott (1921-2011) comenta:

Notamos que os pastores efésios devem primeiro vigiar a si mesmos, e só depois ao rebanho que lhes foi confiado pelo Espírito Santo. Pois eles não podem dar um cuidado adequado aos outros se negligenciarem o cuidado e a instrução de suas próprias almas.[6]

            A Palavra de Deus é um antídoto contra os lobos vorazes que desejam se apossar do rebanho e contra os homens pervertidos que procuram corromper o povo de Deus.

            A Palavra é poderosa para nos edificar e santificar. Por isso, caberia àqueles presbíteros, pregar a Palavra, assim como Paulo o fizera. “A Igreja e o evangelho são inseparáveis. (…) A Igreja é tanto o fruto como o agente do evangelho, visto que por meio do evangelho a igreja se desenvolve e por meio desta se propaga aquele”, comentam Stott e Meeking (1929-2020).[7]

            Em outro lugar, o apóstolo diz: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, (didaskali/a = “instrução”) para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (2Tm 3.16). Entre outras coisas, isto significa que o nosso pensar teológico deverá estar sempre conectado com a fidelidade à Escritura e com o ensino da Palavra. Este aspecto realça a nossa responsabilidade como intérpretes, discípulos, mestres e expositores da Palavra.

            O alto conceito a respeito de nós mesmos e de nossos pensamentos tendem a corromper totalmente a nossa compreensão da Escritura e, consequentemente, de toda a realidade. É preciso que reconheçamos Deus como Deus a partir da plenitude de sua revelação. A sua revelação é para ser recebida com uma fé inteligente e uma inteligência submissa à Palavra. Isso é graça abundante.

Silêncio reverente ou palavrórios insolentes

O verdadeiro teólogo é um humilde discípulo das Escrituras. Todavia, tão certo quanto a Palavra de Deus é a única regra de fé, assim também é que nosso teólogo, para que entenda de maneira espiritual e salvadora, deve ser entregue ao ensino interno do Espírito Santo. Portanto aquele que é discípulo das Escrituras também deve ser um discípulo do Espírito – Herman Witsius.[8]

            O fato bíblico é que diante do mistério não há lugar para especulação,[9] antes devemos estar comprometidos com o que Deus nos deu a conhecer na Palavra. E, o que Deus nos deu a conhecer é muito mais do que consigo alcançar e, principalmente vivenciar.[10]

            Confesso que ignoro uma série de questões quanto à eternidade e à sua “cotidianidade”. Mas, sei que devo aprender a amar, perdoar, ser longânimo, misericordioso e ter uma vida mais santa.[11] Confesso tristemente que lamentavelmente tenho falhado concretamente em muitas ocasiões. Que Deus tenha misericórdia de mim.

            Como cristãos, devemos aprender, se ainda não o fizemos, a nos calar diante do silêncio de Deus, sabendo que o som da nossa voz petulante e “lógica”[12] – em tais circunstâncias –, por si só seria uma “heresia”.[13]

            Diante da vontade de Deus – que é a causa final de todos os seus atos –, temos que manter um reverente silêncio, reconhecendo que Ele assim age, porque foi do seu agrado; conforme o seu santo, sábio e bondoso querer: Isto nos basta! (Sl 115.3; 135.6; Dn 4.35; Ef 1.11). O que nos compete é procurar entender, por meio do estudo sério, da oração e da observação histórica, o que Deus quer nos ensinar em “toda a Escritura” e em cada parte da Escritura.[14]

            O texto que você tem em mãos fundamenta-se nessas convicções. Espero poder nos próximos posts a partir de Ef 1.15-23, analisar alguns aspectos das Escrituras pelos quais Paulo ora em favor da igreja de Éfeso. Creio que essa oração, ainda que específica, abrange a Igreja de Deus em todos os tempos.

            Que Deus nos ajude na compreensão, aplicação e vivência de sua Palavra. Amém

São Paulo, 27 de março de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “O método ordinário de Cristo de ensinar – isto é, com comum simplicidade – aqui se contrasta com o exibicionismo e brilhantismo a que os homens ambiciosos se apegam tanto” (João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3.12), p. 128).

[2]“Se existe algo que a história nos ensina, este ensino é que os ataques mais devastadores desfechados contra a fé sempre começaram com erros sutis surgidos dentro da própria igreja” (John F. MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho,São José dos Campos, SP.: Fiel, 1997, p. 11).

[3] 1Tm 1.3; 2Tm 1.15; Ap 2.1-7.

[4] O presente imperativo do verbo (grhgore/w) (de onde vem Gregório), vigiar, ficar acordado, desperto, indica uma vigilância contínua e perseverante.

[5] “Grande prudência é requerida daqueles que têm a incumbência da segurança de todos; e grande diligência, daqueles que têm o dever de manter vigilância, dia e noite, para a preservação de toda a comunidade” (João Calvino, Exposição de Romanos,São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 12.8), p. 434).

[6] John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: Até os confins da terra,São Paulo: ABU, (A Bíblia Fala Hoje),1994, (At 20.28-35), p. 369.

[7]John R.W. Stott; Basil Meeking, editores, Dialogo sobre la mision, Grand Rapids, Michigan: Nueva Creación, 1988, p. 62.

[8] Herman Witsius, O Caráter do Verdadeiro Teólogo, São Paulo: Teocêntrico Publicações, 2020.(Locais do Kindle 247-250).

[9] “Aprendamos, pois, a evitar as inquirições concernentes a nosso Senhor, exceto até onde Ele nos revelou através da Escritura. Do contrário, entraremos num labirinto do qual o escape não nos será fácil” (João Calvino, Romanos, 2. ed. São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 11.33), p. 426-427).

[10] “Devemos ficar satisfeitos com este oráculo celestial, sabendo que ele diz muito mais do que nossas mentes podem conceber” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.3),  p. 34). “O que aprouve a Deus nos revelar nós sabemos; o que sua Palavra revela apenas por meio de indícios, nós somente podemos saber em linhas gerais; e o que é afirmado fora da Palavra é apenas o esforço de uma espírito intruso ou de curiosidade vã” (Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 116).

[11] “O papado atual nos exibe um exemplo similar em seus teólogos, pois gastam toda sua vida em profundas especulações, contudo conhecem menos acerca de tudo o que pertence ao culto divino, à certeza de nossa salvação ou à prática da piedade, do que um sapateiro ou um agricultor conhece de astronomia. E o que é pior, deleitando-se com os mistérios exóticos, francamente desprezam o genuíno ensino da Escritura como algo indigno da categoria de mestres” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3.4),  p. 117). “Dado que os homens estão sempre sujeitos a correr para os extremos e ocupar suas cabeças com  muitas coisas inúteis, Paulo nos revela aquilo que devemos aplicar totalmente nossas mentes e corações, ou seja, na busca em conhecer qual é a esperança da nossa vocação. Eu já vos disse que os homens são, no modo de dizer, nascidos para a curiosidade, e que caminham sem rumo e vagueiam, inventando muitas especulações malignas. Esse é o motivo por que muitos se atormentam demasiadamente, sempre aprendendo e jamais alcançando o conhecimento da verdade (2Tm 3.7), como afirma Paulo” (João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 155-156).

[12]“A lógica dirigida pelo espírito de submissão a Deus, sempre será útil; caso contrário, esqueçamo-la. No entanto, devemos ter em que mente que “não podemos prender Deus na prisão da lógica humana” (Anthony Hoekema, Salvos pela Graça, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 86).

[13]Calvino orientou-nos pastoralmente, dizendo: “Que esta seja a nossa regra sacra: não procurar saber nada mais senão o que a Escritura nos ensina. Onde o Senhor fecha seus próprios lábios, que nós igualmente impeçamos nossas mentes de avançar sequer um passo a mais” (João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 9.14), p. 330).

[14]Spurgeon (1834-1892) salientou: “Não se deve reter nenhuma doutrina. A doutrina retida, tão detestável na boca dos jesuítas, não é nem um pouco menos abjeta quando adotada por protestantes” (C.H. Spurgeon, Lições aos Meus Alunos,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1982, v. 2, p. 94). “O ensino saudável é a melhor proteção contra as heresias que assolam à direita e à esquerda entre nós” (C.H. Spurgeon, Lições aos Meus Alunos, v. 2, p. 89).

One thought on “Uma oração intercessória pela Igreja (6)

  • 18 de abril de 2023 em 05:24
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    Bom artigo. Obrigado Rev. Deus continue iluminando seu coração e mente na exposição da palavra maravilhosa de Deus.

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