Uma oração intercessória pela Igreja (48)

          4.1.5.3.      Manifestações do Senhorio Pastoral de Cristo                                                

          R. Disciplina-nos (Continuação)

               Meditando sobre a repreensão de Deus, Elifaz diz a Jó: “Bem-aventurado é o homem a quem Deus disciplina (יכח) (LXX: e)le/gxw); não desprezes (sa;m’) (ma’as), pois, a disciplinado Todo-Poderoso. 18Porque ele faz a ferida e ele mesmo a ata; ele fere, e as suas mãos curam” (Jó 5.17-18/Pv 15.32).

            De semelhante modo, instrui Salomão: “Filho meu, não rejeites a disciplina (paidei/a) do Senhor, nem te enfades de sua repreensão (LXX: e)le/gxw). Porque o Senhor repreende (LXX: paideu/w) a quem ama, assim como o Pai ao filho a quem quer bem” (Pv 3.11-12).

            Por outro lado, devemos ter a confiança de que se buscarmos a Deus arrependidos de nossos pecados, confiantes em sua misericórdia, Ele não nos desamparará. A disciplina de Deus deve ser vista como uma manifestação de seu amor e cuidado para com o seu povo.

            No livro de Apocalipse, encontramos a declaração explícita de Jesus Cristo à Igreja de Laodiceia: “Eu repreendo (e)le/gxw) e disciplino a quantos amo. Sê, pois, zeloso, e arrepende-te” (Ap 3.19).

            Por isso, Paulo recomenda a Timóteo que pregue a Palavra, porque ela de fato é útil para a correção: “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige(e)le/gxw), repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina” (2Tm 4.2).

            Em outro lugar, o apóstolo insiste com Tito para que repreenda os falsos mestres a fim de que eles tenham uma fé sadia: “Portanto, repreende-os (e)le/gxw) severamente para que sejam sadios na fé” (Tt 1.13).

            A disciplina misericordiosa de Deus por intermédio das Escrituras, conduz-nos arrependidos de volta a Ele. Isso é doloroso e, ao mesmo tempo, tão grandioso, que o salmista confessa a bem-aventurança desse processo educativo: “Antes de ser afligido (hfnf() [1] andava errado, mas agora guardo a tua palavra (…). Foi-me bom ter passado pela aflição (hfnf(), para que aprendesse os teus decretos” (Sl 119.67,71).

“Deus ao afligir-nos quer submeter-nos a si mesmo, sim, para nosso benefício e para nossa salvação”, comenta Calvino.[2] De fato, com a disciplina do Senhor podemos aprender a sua Palavra, nos alegrando, posteriormente, pela “aflição pedagógica” de Deus. Por isso, o salmista Moisés, que tanto sofrimento suportara na condução do povo de Israel à Terra Prometida, suplica a Deus: “Alegra-nos por tantos dias quantos nos tens afligido(hfnf(), por tantos anos quantos suportamos a adversidade”(Sl 90.15).[3]

             A Igreja é uma comunidade de pecadores que foram regenerados pelo Espírito (Tt 3.5), que foram santificados em Cristo Jesus (1Co 1.2). Por isso, ela deve zelar pela sua pureza. A disciplina (formativa e corretiva) visa preservar a santidade da Igreja.[4]

Disciplina e humildade

            A omissão por parte da igreja constituída em disciplinar o faltoso, é um erro grave, e de consequências que podem ser desastrosas. Além disso, ela se coloca sob o juízo de Deus (Ap 2.14-15; 2.19-20).[5] Por outro lado, a atitude do faltoso após a disciplina é responsabilidade pessoal dele diante de Deus.

            Portanto aqueles que desprezam a disciplina, conscientemente ou não, trabalham em prol da decadência da Igreja visível e contribuem, de forma inconsequente, para dar rédeas soltas às suas próprias paixões pecaminosas: “Aqueles que têm desprezado a correção, e se têm empedernido contra a instrução, preparam-se para precipitar-se a todo excesso que o desejo corrupto ou o mau exemplo possa sugerir”, admoesta-nos Calvino.[6]

            Quanto àquele que foi disciplinado, a atitude tão frequente de rebelar-se contra a sentença disciplinatória ou buscar atenuantes para os seus pecados, envolvendo outras pessoas, tentando eximir-se de seus erros por meio de generalizações, ou alegando circunstâncias, é, em geral, sintoma de um não verdadeiro arrependimento.

            O pecador arrependido não está preocupado com os pecados de outros, se as circunstâncias são agravantes ou atenuantes, se outros são mais pecadores do que ele. Ele não sente prazer em publicar o seu pecado. Antes, com a profunda tristeza pelo seu erro, busca humildemente na graça de Deus o perdão e a consciência do perdão.

            Há um equívoco fragrante no pensamento de muitos crentes que se configura assim: “Depois de tudo o que ele passou devido aos seus erros, já foi castigado pela vida, ele não precisa mais de disciplina eclesiástica”.

            Entendamos bem isso: a disciplina da igreja não é simplesmente autodisciplina; não sou eu quem me disciplino no sentido de apresentar a minha sentença para o meu pecado e pronto. Cabe, no caso do sistema presbiteriano, aos Concílios julgar e disciplinar visando ao bem do irmão que errou e ao bem da comunidade.

            Calvino enfatiza: “Os que pecam publicamente devem ser castigados também publicamente, na extensão em que se envolva a Igreja. O propósito visa a que seu pecado não venha, ao permanecer impune, prejudicar mediante seu exemplo”.[7]

            Em outro lugar, Calvino (1509-1564) ressaltando a importância da disciplina na preservação da vida da Igreja, faz algumas analogias:

Nenhuma casa que contenha sequer modesta família, se não pode suster em reta condição sem disciplina, muito mais necessária é ela na Igreja, cuja condição importa seja a mais ordenada possível. Portanto, assim como a doutrina salvífica de Cristo é a alma da Igreja, assim também a disciplina é-lhe como que a nervatura, mercê da qual acontece que os membros do corpo entre si se liguem, cada um em seu lugar. (…) A disciplina é, portanto, como um freio com que sejam contidos e domados aqueles que se embravecem contra a doutrina de Cristo, ou como um acicate com que sejam estugados os de pouca disposição.[8]

Maringá, 18 de maio de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] A palavra hebraica (hfnf() (‘ãnãh) tem o sentido de “aflito”, “oprimido”, com o sentimento de impotência, consciente de que o seu resgate depende unicamente da misericórdia de Deus. Esta palavra é contrastada com o orgulho, que se julga poderoso para resolver todos os seus problemas, relegando Deus a uma posição secundária, sendo-Lhe indiferente.

            hfnf( (‘ãnãh) apresenta também a ideia de ser humilhado por outra pessoa: (Gn 16.6; 34.2; Ex 26.6; Dt 22.24,29; Jz 19.24; 20.5).

[2]Juan Calvino, Bienaventurado el Hombre a Quem Dios Corrige: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 3), p. 53.

[3]“…. os crentes são açoitados, não para com isso satisfazerem à ira de Deus, nem para pagarem o que é devido ao juízo que Ele lhes impõe, mas a fim de aproveitarem a oportunidade para arrependimento e para retorno ao bom caminho” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.5), p. 177).

[4]Veja-se: Confissão de Westminster,XXX.3.

[5]À Igreja de Pérgamo: 14Tenho, todavia, contra ti algumas coisas, pois que tens aí os que sustentam a doutrina de Balaão, o qual ensinava a Balaque a armar ciladas diante dos filhos de Israel para comerem coisas sacrificadas aos ídolos e praticarem a prostituição. 15 Outrossim, também tu tens os que da mesma forma sustentam a doutrina dos nicolaítas” (Ap 2.14-15). À Igreja de Tiatira: 19 Conheço as tuas obras, o teu amor, a tua fé, o teu serviço, a tua perseverança e as tuas últimas obras, mais numerosas do que as primeiras. 20 Tenho, porém, contra ti o tolerares que essa mulher, Jezabel, que a si mesma se declara profetisa, não somente ensine, mas ainda seduza os meus servos a praticarem a prostituição e a comerem coisas sacrificadas aos ídolos” (Ap 2.19-20).       Veja-se: John Armstrong, Chorar pelos que erram e os caídos erguer: In: John MacArthur, et. al. Avante, Soldados de Cristo: uma reafirmação bíblica da Igreja, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 92-93.

[6]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 50.17-20), p. 415.

[7]João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 2.14), p. 65.

[8]João Calvino, As Institutas,IV.12.1.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *