Uma oração intercessória pela Igreja (49)

      4.1.5.3.      Manifestações do Senhorio Pastoral de Cristo                                                        

          R. Disciplina-nos (Continuação)

              Na disciplina de Deus aplicada a seus servos, vemos a demonstração do seu amor para conduzi-los a uma meta mais elevada e gloriosa. Calvino corretamente entende que a disciplina divina revela a sua preocupação com a nossa salvação:

Pois embora seja possível que Ele nos castigue, todavia não nos rejeita imediatamente, senão que, ao contrário, dessa forma testifica que nossa salvação é o objeto do seu cuidado.[1]

Os eleitos, tanto quanto os réprobos, estão sujeitos aos castigos temporários que pertencem somente à carne. A diferença entre os dois casos está unicamente no resultado; pois Deus converte aquilo que em si mesmo é um emblema de sua ira em meios de salvação de seus próprios filhos.[2]

Quando ficamos sabendo que os castigos de Deus são açoites paternais, não é nosso dever tornar-nos filhos dóceis, em vez de, resistindo, imitar aqueles para os quais já não há esperança, endurecidos que estão por suas más obras? Estaríamos perdidos, se o Senhor não nos puxasse para Si por meio dos Seus corretivos quando caímos.[3]

            Aos coríntios, Paulo ensina que a disciplina de Deus é restauradora visando à nossa salvação: “Mas, quando julgados, somos disciplinados (paide/uw) pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo” (1Co 11.32).

Disciplina aplicada com amor

            Portanto, a disciplina aplicada pela Igreja deve ser com moderação e amor, ainda que isto não exclua a severidade quando necessária:

Nota-se aqui (1Co 4.21) o padrão de comportamento que um bom pastor deve seguir, pois ele deve estar espontaneamente mais disposto a ser delicado a fim de atrair pessoas para Cristo do que a sucumbi-las com demasiada energia. Ele deve manter esta docilidade até onde for possível, e não lançar mão da severidade, a não ser que a isso seja forçado. Mas quando há necessidade de tal expediente, ele não deve poupar a vara, porque, enquanto se deve usar de mansidão com os que são dóceis e maleáveis, faz-se necessário a autoridade no trato com os obstinados e insolentes.[4]       

          Os que pecam realmente devem ser reprovados, e às vezes é necessário usar de severidade e dureza. Portanto, é correto reprimi-los com repreensão, mesmo ao ponto de descortesia; mas o vinagre deve ser temperado com azeite.[5]

            Do que analisamos neste tópico, podemos extrair algumas lições:

            a) A Palavra de Senhor é útil para evidenciar o nosso erro, mostrando-nos o paradigma definitivo que é Cristo Jesus.

            b) Deus nos deu a sua Palavra para, entre outras coisas, nos guiar, consolar e corrigir. A repreensão do Senhor indica a nossa não conformidade com o seu absoluto padrão expresso na Palavra e, revela também o seu amor por nós. Devemos, portanto, nos entristecer com o nosso pecado e nos alegrar com a repreensão amorosa do Senhor. A repreensão de Deus, conforme as Escrituras, visa à nossa restauração espiritual. Recorro mais uma vez às pertinentes observações de Calvino:

Porque a Deus não Lhe basta ferir-nos com sua mão, a menos que também nos toque interiormente com Seu Espírito Santo. (…) Até que Deus nos toque no mais profundo de nosso interior, é certo que não faremos nada senão dar coices contra Ele, cuspindo mais e mais veneno; e toda vez que nos punir rangeremos os dentes, e nada mais faremos senão atacá-Lo. (…) Então vocês veem como Deus mostra Sua justiça cada vez que pune os homens, ainda que tal punição não seja uma solução para sua emenda.[6]

            c) Devemos pregar a Palavra, entendendo que Deus convence o mundo, agindo pelo Espírito por intermédio da Palavra. Deste modo, a força de nossa argumentação não está em nossa sabedoria, mas, sim, em pregar a Palavra com fidelidade e autoridade. Por isso, Paulo fala ao jovem Tito: “Dize estas cousas; exorta e repreende(e)le/gxw) também com toda a autoridade. Ninguém te despreze”(Tt 2.15).

            d) Por inferência, podemos também dizer que o critério de correção de nossos filhos deve estar sempre fundamentado nos princípios bíblicos, visto ser a Escritura útil para o ensino e repreensão.

            e) Finalmente, a disciplina visa honrar o nome de Deus por meio de sua Igreja, a qual Ele comprou com o seu próprio sangue (At 20.28).

            São pertinentes os comentários de Armstrong:

Se fracassarmos em honrar o glorioso nome de Cristo negligenciando a responsabilidade de disciplinar os irmãos caídos, então o respeito do mundo por nós diminuirá também. Ao longo do tempo, os membros da igreja irão perder a confiança nela. (…) Quando o comportamento ético falha em honrar a Deus, tanto o nome dele quanto seus ensinamentos são ‘blasfemados’ (1Tm 6.1), e o caminho da verdade é ‘infamado’ (2Pe 2.2).[7]

Maringá, 18 de maio de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 79.10), p. 259.

[2]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 3, (Sl 79.1), p. 250.

[3]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 4, (IV.17), p. 204.

[4]João Calvino,Exposição de 1 Coríntios, (1Co 4.21), p. 151. Veja-se também: Exposição de 1 Coríntios, (1Co 4.14), p.142.

[5] João Calvino, Gálatas, (Gl 6.1), p. 174.

[6]Juan Calvino, Bienaventurado el Hombre a Quem Dios Corrige: In: Sermones Sobre Job, Jenison,Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 3), p. 48. (Vejam-se também: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 4, (IV.17), p. 204; João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 79.1), p. 250).

[7] John Armstrong, Chorar pelos que erram e os caídos erguer: In: John F. MacArthur Jr., et. al. Avante, Soldados de Cristo: uma reafirmação bíblica da Igreja, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 94. “Deus é honrado pela disciplina na igreja, mesmo quando o resultado não seja de cura do mal” (Iain H. Murray, John MacArthur: servo da Palavra e do rebanho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2012,p. 58).

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