Uma oração intercessória pela Igreja (78)

         7.3.2. Revelação e pleno conhecimento de Deus (17) 

A verdade é tão grande, e a minha mente é tão pequena! Mas o Espírito de revelação nos dá entendimento. – D.M Lloyd-Jones.[1]

           A despeito de nossas limitações e da loucura de nossa tentativa de pensar autonomamente, Deus, o Senhor glorioso e majestoso, torna-se conhecido a nós, paradoxalmente, não pelos nossos esforços, mas, porque Ele graciosamente se dá a conhecer de forma acessível à nossa capacidade.

            Conhecer a Deus pela fé[2]é se relacionar com Ele. Não é um conhecimento a respeito de Deus, antes, é uma relação pessoal, de confiança, obediência e amor. Este é um conhecimento único, diferente de todos os outros conhecimentos, porque Deus é único e singular.[3] É possível ter um conhecimento especial de algo comum, porém, conhecer a Deus é sempre algo especial, porque Deus é singular em sua essência, existência e revelação.

            Somente Deus é o Senhor! Portanto, nunca poderemos ter um conhecimento real e, ao mesmo tempo banal de Deus. Banalidade e majestade são termos que essencialmente se excluem quando tratamos de Deus. Aliás, só há majestade em Deus e, ao mesmo tempo, não há nada de comum e banal em nosso Glorioso Senhor.

            Por isso, poder conhecer a Deus é sempre uma iniciativa da graça divina,   que se manifesta no fato de Deus se revelar e de nos possibilitar conhecer.  Não somos nem nunca seremos o padrão de verdade. Os nossos pensamentos e as nossas supostas experiências concretas, por mais nobres que sejam, não têm poder autorreferentes, se constituindo em fundamento de nossas decisões e ensino,[4] antes, precisam sempre ser validados pela Palavra, que é a verdade (Jo 17.17).

            Só pensamos verdadeiramente quando pensamos à luz da Palavra. Por isso, é que conhecer a Deus é algo sem paralelo, porque somente Deus é soberano e, somente a partir dele podemos conhecê-lo.

Qualquer tentativa de analogia que pensemos em fazer para aplicar a Deus, é sempre tacanha, pobre e temerária. Por isso mesmo, a revelação de Deus sempre é uma autorrevelação consciente, majestosa e objetiva. Deus na expressão de sua natureza gloriosa, traz beleza variada e harmoniosa à Criação.

            Conhecer a Deus em sua soberania e beleza, portanto, é um dom da graça do soberano Deus. Este conhecimento, por sua vez, nos liberta para que possamos conhecer genuinamente a nós mesmos e as demais coisas da realidade, possibilitando-nos ter uma dimensão adequada de todas as coisas.

            Insistimos: Sem a revelação de Deus pelo Espírito nós jamais o conheceríamos. “Tudo quanto diz respeito ao genuíno conhecimento de Deus constitui um dom do Espírito Santo”, declara Calvino.[5]

            Como mais um ingrediente de cautela, devemos entender que o nosso conhecimento de Deus por meio de sua revelação é um “conhecimento-de-servo” delimitado pelo próprio Senhor, considerando, inclusive, o pecado humano.

Em outras palavras, resume Frame: “É um conhecimento acerca de Deus como Senhor, e um conhecimento que está sujeito a Deus como Senhor”.[6] O nosso conhecimento nunca é autorreferente com validade própria e por iniciativa nossa.[7] “Visto que somos seres finitos e não podemos enxergar o todo da realidade de uma vez, nossa perspectiva da realidade é necessariamente limitada por nossa finitude”, interpretam Geisler (1932-1919) e Bocchino.[8]  

            O reformador João Calvino sustentava que a revelação de Deus é um ato gracioso de sua condescendência para com o ser humano.[9] Ele entendia que Deus, na Sua Palavra, “se acomodava à nossa capacidade”,[10] balbuciando a sua Palavra a nós como as amas fazem com as crianças.[11] Deus se vale de analogias, recorrendo a metáforas – comparando-se a um leão, ao urso e ao homem – visando ser entendido por nós. “Deus não pode revelar-se a nós de qualquer outra maneira senão por meio de uma comparação com coisas que conhecemos”.[12] Assim, Deus adapta-se à linguagem humana e “ao nível humano de compreensão”.[13]

            No texto que estamos analisando, vemos que a oração do Apóstolo é no sentido de que Deus “….vos conceda espírito de sabedoria (sofi/a) e de revelação (a)poka/luyij) no pleno conhecimento (e)pi/gnwsij)[14] dele” (Ef 1.17).

            A ignorância sabida e insatisfeita pode ser um ingrediente maravilhoso em nosso desejo por santificação. Sei que não sei, mas, preciso saber. A ideia é de que sei o suficiente para saber que não sei e preciso saber. Isto nos impulsiona a crescer.

           Este sentimento conduzido pelo Espírito, sem dúvida, é esplêndido para a vida cristã. Este tipo de raciocínio e conclusão já é uma operação da graça de Deus em nossas mentes e corações.

           A consciência de nossa ignorância a respeito de Deus acompanhada pelo desejo sincero de conhecê-lo mais e mais, é graça. Sozinhos, não assistidos pelo Espírito, tendemos a achar que nos bastamos. O que é um grande equívoco de perspectiva e de conclusão. Ou, por outro lado, podemos ser levados por um espírito depressivo de ignorância e impossibilidade de avançar em qualquer direção.

           Tanto a autossuficiência arrogante como a inação melancólica e depressiva, são sentimentos nocivos porque não correspondem à realidade de nossa vida e ao propósito de Deus para o homem criado à Sua imagem. Deus deseja que nos alegremos nele, em seu conhecimento e comunhão obediente (Fp 3.1; 4.4).     

           A nossa ignorância quando se torna autojustificada produz uma insensata e suposta piedosa satisfação em não saber, acompanhada por um clima de insatisfação com o conhecimento da Palavra, que podemos julgar teórica ou apenas “da letra”.

           Ainda que, na realidade, deveríamos saber, nos dizemos “novos na fé”, “pessoas simples”, etc. Curiosamente, esta condição de neófito ou de humildade não nos impede de fazer críticas mordazes aos que procuram nos ensinar. Na realidade, não queremos crescer, estamos satisfeitos desse jeito; somos “pessoas humildes”. Há um perigo velado de nos orgulharmos em nossa ignorância sob o manto sagrado de uma suposta humildade. É desolador nos orgulharmos da ignorância do que deveríamos saber. Em geral isso nos torna críticos e arrogantes, contentes conosco mesmo, sob o disfarce de “simplicidade”.

           Sempre desconfio de irmãos nossos que com um sorrisinho no canto da boca, dizem com certo prazer, próprio de quem transfere o seu fardo para o outro, que não entenderam nada. Em geral com ênfase na palavra nada.

           Este não é o propósito de Deus para seus filhos. Ele deseja que sejamos santificados por intermédio da sua Palavra que é a verdade, ensinada de forma verdadeira. Não há outro meio senão por intermédio da Palavra. Precisamos conhecer a Palavra e procurar, pela graça, vivenciá-la. Empregando uma figura do apóstolo Paulo, é necessário que nossa vida, seja um “ornamento”, uma espécie de decoração da doutrina (Tt 2.10).[15]

           Quando nos desviamos da Palavra abrimos caminho para todo tipo de esquisitices espirituais. É preciso sempre manter-nos sintonizados na Palavra.

Maringá, 26 de junho de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 347.

[2] “Todo conhecimento é fé” (Gordon H. Clark, Uma visão cristã dos Homens e do Mundo, Brasília, DF.: Monergismo, 2013, p. 305).

[3] “Conhecer a Deus é uma coisa completamente única, singular, visto que Deus é único, é singular” (John M. Frame, A Doutrina do conhecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 25).

[4] Veja-se: Francisco L. Schalkwijk, Meditações de um peregrino, São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 127.

[5] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 12.3), p. 373.

[6] John M. Frame, A Doutrina do conhecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 56.

[7]A respeito de um comportamento oposto, escreveu Lloyd-Jones: “Não há maior obra-prima do diabo do que seu sucesso em persuadir as pessoas de que é seu conhecimento superior que as leva a rejeitar o cristianismo. Mas exatamente o oposto é que é verdadeiro. O diabo as mantém na ignorância porque, enquanto permanecerem nela, elas farão o que ele manda. A partir do momento em que recebem a luz – o Evangelho é chamado de ‘luz’ – elas veem o diabo e o abandonam” (David Martyn Lloyd-Jones, Uma Nação sob a Ira de Deus: estudos em Isaías 5, 2. ed. Rio de Janeiro: Textus, 2004, p. 68).

[8]Norman Geisler; Peter Bocchino, Fundamentos Inabaláveis: resposta aos maiores questionamentos contemporâneos sobre a fé cristã, São Paulo: Vida Nova, 2003, p. 50.  Da mesma maneira, veja-se: Vern S. Poythress, Redimindo a filosofia: uma abordagem teocêntrica às grandes questões, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 74ss.

[9]Alister E. McGrath, Historical Theology: An Introduction to the History of Christian Thought, Massachusetts: Blackwell Publishers, 1998, p. 210. A Confissão de Westminster fala também da “condescendência” de Deus em firmar um Pacto com o homem caído (Ver: Confissão de Westminster, VII.1).

[10]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,(1Co 2.7), p. 82.

[11]“….Sabemos como Deus se acomoda à forma ordinária de linguagem em decorrência de nossa ignorância, e às vezes inclusive balbucia, se me for permitido usar a expressão” (João Calvino, Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 21.25), p. 327). “Os antropomorfitas são também facilmente refutados, os quais imaginaram um Deus dotado de corpo, visto que frequentemente a Escritura lhe atribui boca, ouvidos, olhos, mãos e pés. Pois quem, mesmo os de bem parco entendimento, não percebe que Deus assim fala conosco como que a balbuciar, como as amas costumam fazer com as crianças? Por isso, formas de expressão como essas não exprimem, de maneira clara e precisa, tanto o que Deus é, quanto lhe acomodam o conhecimento à pobreza de nossa compreensão. Para que assim suceda, é necessário que ele desça muito abaixo de sua excelsitude” (João Calvino, As Institutas, (2006),I.13.1).

[12]John Calvin, “Commentary on the Book of the Prophet Isaiah,” John Calvin Collection,[CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), (Is 40.18), p. 64.

[13]John H. Gerstner, A Atitude da Igreja Perante a Bíblia: Calvino e os Teólogos de Westminster: In: Norman Geisler, org. A Inerrância Bíblica, São Paulo: Editora Vida, 2003, p. 477. Vejam-se também: John Calvin, Commentary on the Gospel According to John,Grand Rapids, Michigan: Baker Book House (Calvin’s Commentaries, v. 18), 1996 (Reprinted), (Jo 21.25), p. 299; John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 22, (1Pe 1.21), p. 54; Alister E. McGrath, A Vida de João Calvino, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 154ss. Parker interpretando Calvino, diz: “…. Os pensamentos e a linguagem de Deus são incompreensíveis ao homem. Mas revelação só é revelação se ela for compreensível. Portanto, os pensamentos e a linguagem de Deus devem tornar-se compreensíveis, e isso acontece quando Deus, para dizer assim, os traduz em pensamentos e linguagem humanos” (T.H.L. Parker, Calvin´s New Testament Commentaries, 2. ed. Louisville, Kentucky: Westminster; John Knox Press, 1993, p. 94).

[14]E))pi/gnwsij = “conhecimento intenso”, “conhecimento correto”. (*Rm 1.28; 3.20; 10.2; Ef 1.17; 4.13; Fp 1.9; Cl 1.9,10; 2.2; 3.10; 1Tm 2.4; 2Tm 2.25; 3.7; Tt 1.1; Fm 6; Hb 10.26; 2Pe 1.2,3,8; 2.20).

[15]“Não furtem; pelo contrário, deem prova de toda a fidelidade, a fim de ornarem (kosme/w) (= ornamentar, adornar, ataviar, decorar), em todas as coisas, a doutrina de Deus, nosso Salvador” (Tt 2.10). (Kosme/w. *Mt 12.44; 23.29; 25.7; Lc 11.25; 21.5; 1Tm 2.9; Tt 2.10; 1Pe 3.5; Ap 21.2,19). (Veja-se: Francisco L. Schalkwijk, Meditações de um peregrino, São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 130).

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