Uma oração intercessória pela Igreja (47)

        4.1.5.3. Manifestações do Senhorio Pastoral de Cristo (Continuação)                                                            

          R. Disciplina-nos

Quando a igreja terrena excomunga um membro não arrependido, os presbíteros da igreja estão simplesmente declarando aquilo que o céu já disse. A disciplina da igreja é, portanto, uma expressão terrena da santidade do céu. – John MacArthur.[1]

Com respeito aos escolhidos de Deus, devem tirar proveito dos castigos divinos de outra maneira, a saber: que se tornem humildes sob o senso de sua própria fragilidade e voluntariamente se desvencilhem de toda vã confiança e presunção. – João Calvino.[2]

         Filhos amados, por isso, instruídos e corrigidos

         Aos hebreus, o escritor sagrado estimula a caminharem firmes em sua fé, não a abandonando em meio às perseguições, mostrando também, que Deus exerce a sua disciplina para aproximar a sua igreja mais de si mesmo, evidenciando assim, o seu amor para conosco:

Ora, na vossa luta contra o pecado, ainda não tendes resistido até ao sangue 5 e estais esquecidos da exortação que, como a filhos, discorre convosco: Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, nem desmaies quando por ele és reprovado (e)le/gxw); 6 porque o Senhor corrige (paide/uw) a quem ama (a)gapa/w) e açoita (mastigo/w)[3] a todo filho a quem recebe (parade/domai) (= acolher).(Hb 12.4-6).

            A correção de Deus (paide/uw) como expressão de seu amor por nós que fomos acolhidos por Ele, envolve, por vezes, o doloroso açoite (mastigo/w) e a reprovação (e)le/gxw). No entanto, esta correção é sempre educativa.[4]

            Calvino sumaria: “Estejamos seguros de que quando Deus nos faz sentir sua mão, de modo a humilhar-nos sob ela, que Deus nos está fazendo um favor especial, e que se trata de um privilégio que Ele não concede a ninguém, senão a seus próprios filhos”.[5]

            Na instrução e correção, Deus se vale ordinariamente de sua Palavra para nos mostrar o caminho da obediência por Ele proposto.

         Do mesmo modo, Ele abre os nossos olhos para percebermos as bênçãos provenientes de um procedimento compatível com as suas instruções e, os riscos decorrentes da desobediência. A Escritura é proveitosa também neste propósito, conforme escreve Paulo:

Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão (e)legmo/j ou e)le/gxw),[6] para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra. (2Tm 3.16-17).

            Paulo afirma que a Escritura Sagrada, que é plenamente inspirada e provém de Deus, é útil para nos ensinar e, também para corrigir, para refutar o erro e repreender o pecado. O termo usado aqui para “repreensão” já possuía um rico emprego na literatura secular,[7] significando, de modo especial:

            a) A exposição lógica e objetiva dos fatos de uma matéria, com o objetivo de refutar os argumentos de um oponente; daí a ideia de refutar e convencer.

            b) A correção do modo de viver dos homens, feita pela consciência, pela verdade ou por Deus.

            Uma ideia embutida na palavra grega é a de evidenciar o erro, expô-lo e trazê-lo à luz, objetivando corrigi-lo. Há na palavra o sentido de “disciplina educativa”; a educação e a correção devem caminhar juntas (Pv 3.11,12; Hb 12.5; Ap 3.19).

         Tratamento doloroso, porém, necessário

            Há determinadas cirurgias que a grande dificuldade é chegar até o órgão a ser tratado ou extraído, parcial ou totalmente. Lembro-me quando visitei um colega de ministério em 1985 que tinha feito uma cirurgia no coração. Ele havia acabado de sair da UTI. Fiquei surpreso ao ver entre os botões do seu pijama o corte que fora feito. Confesso que nunca tinha pensado sobre isso.

            Por vezes, quando vamos executar determinados serviços em nosso veículo, o caro é a mão-de-obra. A dificuldade de acessar a peça que precisa, em geral, ser trocada. Não é raro o mecânico nos perguntar se não queremos trocar outras peças que estão com “meia vida”, considerando que o “câmbio já está aberto”, o mesmo acontecendo quando mexemos com a embreagem. O alerta é sempre quanto os custos de um novo serviço dentro de poucos meses…

            Digamos assim: a Palavra nos penetra fundo e expõe o nosso mal para que possa ser tratado. Isso pode e, geralmente é, doloroso.

            Paulo nos mostra que a Palavra de Deus, justamente por ser perfeita, evidencia o nosso pecado para que, em submissão a Deus, possamos corrigi-lo. Na contemplação do que é perfeito as imperfeições se descortinam, ainda que nessa tão evidente transparência, porém tristemente real, por vezes, nos entristeça.

            Quando de fato buscamos nas Escrituras orientação para a nossa vida, descobrimos também que ela nos mostra os nossos erros; ela traz luz à nossa conduta que, muitas vezes, está manchada, pois tendemos a nos acomodar com este ou aquele pecado, visto ser “normal” dentro do mundo em que vivemos. Assim, comum e normal assumem a condição de palavras sinônimas e bem toleradas se assim o forem socialmente. Entretanto, Paulo nos chama a atenção para o fato de que as Escrituras são úteis para nos corrigir segundo o modelo divino. O normal para nós deve ser o modelo de Cristo.

            As Escrituras evidenciam a anormalidade de nosso pecado a despeito de, por vezes, estarmos acostumados a ele porque não o denominamos assim e, no contexto em que vivemos aquilo é perfeitamente aceitável ou mesmo elogiável.

            A disciplina corretamente entendida, envolve ensino e repreensão. O ensino correto previne muitos males e conduz o fiel ao arrependimento pelos seus pecados. Deste modo, devemos entender a disciplina de maneira formativa e corretiva.[8] A disciplina formativa que consiste no ensino da Palavra é, pelo Espírito, amplamente corretiva.

            O padrão da correção das Escrituras é o padrão de Deus, não um modelo de uma época ou cultura. Toda cultura tem um padrão de homem ideal. A “recompensa” e as “repreensões” são o resultado social do preenchimento destes objetivos, que variam de época para época e de povo para povo. Entretanto, Deus nos corrige por intermédio da sua Palavra, não para que nos moldemos ao “homem ideal de uma época”, mas para que sejamos conforme seu Filho, que é o modelo de todos os eleitos de Deus em todas as épocas:“Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos”(Rm 8.29). O objetivo da revelação de Deus é nos instruir a fim de que sejamos moldados à imagem de Jesus Cristo.

 

Maringá, 18 de maio de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]John MacArthur, Eu Amo a Tua Igreja, ó Deus!: In: John F. MacArthur Jr., et. al. Avante, Soldados de Cristo: uma reafirmação bíblica da Igreja, São Paulo: Cultura Cristã, 2010. p. 22.

[2]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 9.20), p. 202-203.

[3] Esta palavra, com exceção desta passagem, sempre é usada no contexto do sofrimento imposto a Jesus Cristo ou aos seus discípulos. De forma decorrente, podemos também entender que aqui está se referindo aos discípulos de Cristo, filhos de Deus. Figuradamente, Deus “aplica punição corretiva” aos seus filhos.

[4] “O propósito da censura da igreja em todas suas formas não é o de punir pelo só motivo da punição, mas de exortar ao arrependimento e, assim, recuperar a ovelha extraviada” (J.I. Packer, Teologia Concisa, São Paulo: Cultura Cristã, 1999,  p. 205).

[5] Juan Calvino, Bienaventurado el Hombre a Quem Dios Corrige: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 3), p. 49.

[6] As duas palavras dispõem de boa base documental, e)legmo/j = “convicção”, “repreensão”, “castigo” ou e)le/gxw = “trazer à luz”, “expor”, “demonstrar”, “convencer”, “persuadir”, “punir”, “disciplinar”.

[7]Vejam-se: H.M.F. Buchsel, E)le/gxw: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament,Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 2, p. 475; H.-G. Link, Culpa: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 572.

[8] Veja-se o excelente artigo: John Armstrong, Chorar pelos que erram e os caídos erguer: In: John F. MacArthur Jr., et. al., Avante, Soldados de Cristo: uma reafirmação bíblica da Igreja, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 85-110.

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