Uma oração intercessória pela Igreja (158)

         8.6. A Igreja como expressão e agente da Glória do Deus Triúno (Continuação)

        A glória de Deus por pertencer essencialmente a Ele, sendo-lhe inerentemente ontológica, não lhe é atribuída, acrescentada, diminuída ou mesmo esgotada em sua complexidade;[1] é-lhe totalmente intrínseca. Por isso, de nada carece fora de si mesmo: permanece inalterada em tudo que criou e preserva.[2] Nada nem ninguém lhe comunica glória.

            Ele é o Rei, o Senhor e Pai da Glória (Sl 24.7-10; At 7.2; Ef 1.17)[3]que, por meio de seu Filho, nos dizeres de Calvino, “vestido de nossa carne, se revelou agora para ser o Rei da glória e Senhor dos Exércitos”.[4] (1Co 2.8; Tg 2.1/Jo 1.14).[5]

            Schreiner está correto ao declarar: “Eu definiria a glória de Deus como a beleza, majestade e grandiosidade de quem Ele é; portanto, a grandiosidade de seu ser é demonstrada em tudo o que Ele faz, quer na salvação quer no julgamento”.[6]

            A maioria das pessoas que conviveu com Jesus Cristo durante o seu ministério terreno não conseguia perceber que aquele homem tão decidido, doce e acessível, amado e odiado, reverenciado e temido, era o próprio Deus encarnado. O Deus, o Senhor da glória.[7]

            Paulo escreve aos coríntios mostrando a nulidade do conhecimento humano diante da sublimidade de Cristo, o Senhor: “Sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor (ku/rioj) da glória”, maravilha-se Calvino. (1Co 2.8/Tg 2.1/Jo 17.1-5).

            Os nossos cânones intelectuais, sociais e culturais não conseguem por si só enxergar a majestade do Filho visto que não temos como mensurar o incomensurável. Como essa é também uma questão essencialmente espiritual, Satanás está comprometido com o velamento de nosso entendimento para que a Glória do Filho revelada no Evangelho não resplandeça a nós:“O deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2Co 4.4).

            Como reafirmado, a realidade, os fenômenos gloriosos da criação envolvendo os homens e os animais, revelam a glória de Deus.

            Deus criou todas as coisas, inclusive a Igreja, para a sua Glória. “Glória é excelência manifestada. A excelência dos atributos de Deus é manifestada por sua operação”, diz Hodge (1823-1886).[8]

Em todos os atos de Deus encontramos manifestações de sua glória, quer seja em amor, bondade, justiça ou juízo. 

A igreja e a glória de Deus

             Como vimos, a criação exibe aspectos da glória divina, porém, a Igreja é uma expressão especial, como comenta Calvino: “Ainda que Deus seja suficiente a si mesmo e se satisfaça exclusivamente consigo mesmo, não obstante quer que sua glória se manifeste na Igreja”.[9]

            O alvo final de todas as coisas é a glória Deus. Nada é mais elevado ou importante do que o próprio Deus. Há aqui um desafio extremamente difícil para todos nós individualmente e para a Igreja como um todo: abrir mão de nossos interesses aparentemente mais relevantes (aliás, em nossa ótica, o que há de mais importante do que os nossos interesses?) pelo que, de fato, é urgentemente relevante em sua própria essência: Reconhecer a glória de Deus manifestada em sua criação, Palavra e atos na história.                

            Lloyd-Jones ilustra esse ponto positivamente partindo do exemplo de Jesus Cristo, que na quinta-feira antes de sua entrega em favor do seu povo, ora ao Pai revelando a sua genuína preocupação: glorificar o Deus Pai (Jo 17.1):

Acima de nossa preocupação com as almas dos homens e com a sua salvação deve estar a nossa preocupação com a glória de Deus. O que devemos acentuar para os homens e para as mulheres que estão fora de Cristo e para os pecadores do mundo atual não é, primariamente, o fato de que eles são pecadores, e que são infelizes porque são pecadores, mas o fato de que o pecado deles é uma agressão a Deus e uma difamação da glória de Deus. O nosso interesse pela glória de Deus deve vir antes do nosso interesse pelo estado e condição do pecador. Isso foi verdade quanto ao nosso Senhor, e é Ele que nos envia.[10]

Maringá, 22 de setembro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]“Pois se homens e anjos juntassem sua eloquência em função deste tema, ainda assim tocariam mui diminutamente em sua imensurabilidade” (João Calvino, Efésios,São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.14), p. 39).

[2]Veja-se: João Calvino, Romanos,2. ed. São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 11.36), p. 430.

[3]“Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória. Quem é o Rei da Glória? O SENHOR, forte e poderoso, o SENHOR, poderoso nas batalhas. Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória. Quem é esse Rei da Glória? O SENHOR dos Exércitos, ele é o Rei da Glória(Sl 24.7-10). “Estêvão respondeu: Varões irmãos e pais, ouvi. O Deus da glória apareceu a Abraão, nosso pai, quando estava na Mesopotâmia, antes de habitar em Harã” (At 7.2). “Para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele” (Ef 1.17). (Destaques meus).

[4]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 24.8), p. 536.

[5]“Sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória (do/ca) (1Co 2.8). Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória (do/ca), em acepção de pessoas” (Tg 2.1). “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória (do/ca), glória (do/ca) como do unigênito do Pai” (Jo 1.14).

[6]Thomas R. Schreiner, Uma Teologia bíblica da glória de Deus: In: S. Storms; J. Taylor, orgs. John Piper: ensaios em sua homenagem, São Paulo: Hagnos, 2013, p. 262.

[7] Veja-se: R.C. Sproul, A Glória de Cristo, São Paulo: Cultura Cristã, 1997.

[8]A.A. Hodge, Esboços de Theologia, Lisboa: Barata & Sanches, 1895, p. 223.

[9]João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 2.17), p. 100.

[10]D. M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 2), p. 20.

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