Uma oração intercessória pela Igreja (150)

          13) Sábio manejo da Palavra em seu anúncio perseverante 

          “20 jamais deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa, (…) 24 Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus. (…) 27 porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus. (…) 31 Portanto, vigiai, lembrando-vos de que, por três anos, noite e dia, não cessei de admoestar, com lágrimas, a cada um” (At 20.20,24,27,31).

           Começo aqui com uma figura simples e primorosa usada por Kuyper para falar da responsabilidade dos ministros no ensino da Igreja:

Não há dúvida de que a ignorância tem causado muita confusão, mas nós afirmamos que um guia que negligencia o exame das estradas antes de empreender um trabalho de condutor de viajantes é indigno de seu título. Um ministro da Palavra é um guia espiritual, nomeado pelo Senhor Jesus para conduzir os peregrinos que viajam para a Jerusalém celestial  através dos Alpes da fé, onde as comunicações comuns da vida terrena cessaram de um ao outro platô da montanha. Dessa forma, ele é indesculpável quando, meramente supondo a localização da cidade celestial, aconselha seus peregrinos a tentarem o caminho que parece ir naquela direção. Em virtude de seu posto, ele deve ter como seu objetivo principal conhecer qual é o caminho mais curto, mais seguro e mais certo e, então, dizer-lhes que esse, e não outro, é o caminho a seguir. Antigamente, quando os vários caminhos ainda não tinham sido examinados, era até certo ponto recomendável tentar todos, mas, agora, visto que o seu caráter enganador é tão bem conhecido, tornou-se imperdoável tentá-los novamente.[1]

           Conforme já mencionamos, vemos aqui a responsabilidade dos que ensinam. A palavra é o conteúdo da mensagem do Ministro.

            A Timóteo, Paulo recomenda: Procura (spouda/zw = “esforçar-se com zelo”, “apressar-se”)[2] apresentar-te a Deus aprovado (do/kimoj = “aprovado após exame”),[3] como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem (o)rqotome/w)[4] a palavra da verdade (a)lh/qeia) (2Tm 2.15).

           O sábio manejo da Escritura significa estudá-la, vivenciá-la e proclamá-la conforme o seu propósito. O manejo sábio da Escritura envolve, necessariamente, fidelidade ao Senhor da Escritura.

            Em certa ocasião, enquanto me preparava para escrever um texto, minha esposa me interrompe do lado de fora da casa, batendo na janela de meu escritório, pedindo uma tesoura para cortar alguns arbustos. Perguntei-lhe de forma uma tanto incerta se a tesoura servia para isso. A sua resposta foi objetiva e preocupante: “Serve sim. Amolar é muito barato. Amolei nesses dias a tesoura da cozinha que usava para cortar tudo e custou só dois reais”. Pensei: serve, mas não é adequado. Peguei a tesoura dela na cozinha e lhe passei.

            Em geral aquilo que usamos – nosso carro, computador, máquina de lavar roupa, chave de fendas, alicate, etc. -, têm a sua especificidade. Quando usamos algo fora de seus objetivos e especificações, é provável que além de não alcançarmos de forma satisfatória o nosso propósito imediato, o estraguemos para o seu propósito específico.

            Calvino traduz a metáfora usada por Paulo, “maneja bem” (o)rqotome/w) (2Tm 2.15) por “dividindo bem”, fazendo a seguinte aplicação:

Paulo (…) designa aos mestres o dever de gravar ou ministrar a Palavra, como um pai divide um pão em pequenos pedaços para alimentar seus filhos. Ele aconselha Timóteo a ‘dividir bem’, para não suceder que, como fazem os homens inexperientes que, cortando a superfície, deixam o miolo e a medula intactos. Tomo, porém, o que está expresso aqui como uma aplicação geral e como uma referência à judiciosa ministração da Palavra, a qual é adaptada para o proveito daqueles que a ouvem.[5] Há quem a mutile, há quem a desmembre, há quem a distorce, há quem a quebre em mil pedaços, e há quem, como observei, se mantém na superfície, jamais penetrando o âmago da doutrina. Ele contrasta todos esses erros com a boa ministração, ou seja, um método de exposição adequado à edificação. Aqui está uma regra pela qual devemos julgar cada interpretação da Escritura.[6]

           Mesmo a igreja tendo a oportunidade de ler as Escrituras individualmente, aos pastores compete a tarefa de ensinar a Palavra com sistematicidade, simplicidade e profundidade, adequando o ensino ao nível de seu público.

Maringá, 15 de setembro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 392.

[2]A ideia da palavra é de fazer todo o possível – de modo intensivo, urgente, diligente e zeloso –, para cumprir a sua tarefa. Denota uma diligência que se esforça por fazer todo o possível para alcançar o seu objetivo.

[3] O verbo dokima/zw ressalta o aspecto positivo de “provar” para “aprovar”, indicando a genuinidade do que foi testado (2Co 8.8; 1Ts 2.4; 1Tm 3.10). Este verbo se refere à ação de Deus, nunca é empregado para a “tentação” de satanás, “visto que ele nunca prova aquele que ele pode aprovar, nem testa aquele que ele pode aceitar” (Richard C. Trench, Synonyms of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1985 (Reprinted), p. 281). (Vejam-se mais detalhes sobre a “tentação”, em Hermisten M.P. Costa, O Pai Nosso, São Paulo: Cultura Cristã, 2001).

            No entanto, ambos os verbos podem ser usados indistintamente, mesmo não sendo “perfeitamente sinônimos” (Veja-se: H. Seesemann, pei=ra: In: Gerhard Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, 8. ed. (reprinted) Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., 1982, v. 6, p. 23; H. Haarbeck, Tentar: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1983, v. 4, p. 599; Richard C. Trench, Synonyms of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1985 (Reprinted), p. 278ss.).

[4]O verbo o)rqotome/w – “cortar em linha reta”, “endireitar” –, que só ocorre neste texto, é formado por o)rqo/j (“direito”, “reto”, “certo”, “correto”) (* At 14.10; Hb 12.13) e te/mnw (“cortar”), verbo que não aparece no Novo Testamento. Na LXX o)rqotome/w é empregado em Pv 3.6 e 11.5 com o sentido de endireitar o caminho. Analogias e aplicações variadas são possíveis, tais como: a ideia de lavrar a terra fazendo os sulcos em linha reta; construir uma estrada em linha reta a fim de que o viajante alcance com facilidade o seu objetivo sem se desviar por atalhos; o alfaiate que corta o tecido de forma correta a fim de fazer a roupa (Paulo como fabricante de tendas estava acostumado a este serviço no que se refere ao corte dos tecidos de pelo de cabra); o pedreiro que corta a pedra de forma correta para o seu perfeito encaixe, etc. A partir de 2Tm 2.15 várias analogias são feitas, tais como: a ideia de conduzir a Palavra pelo caminho correto para atingir de modo eficaz seu objetivo, manuseá-la bem, ministrá-la conforme o seu propósito, expô-la de maneira correta, ensinar correta e diretamente a Palavra, etc.

[5]Este era o seu princípio pedagógico: “Um sábio mestre tem a responsabilidade de acomodar-se ao poder de compreensão daqueles a quem ele administra o ensino, de modo a iniciar-se com os princípios rudimentares quando instrui os débeis e ignorantes, não lhes dando algo que porventura seja mais forte do que podem suportar” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 3.1), p. 98-99). De fato,  devemos ditar um ritmo de caminhada conforme a possibilidade de nossas ovelhas, considerando, inclusive, a sua idade e capacidade (Gn 33.13-14).

[6]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998,(2Tm 2.15), p. 235.

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