Uma oração intercessória pela Igreja (151)

          13) Sábio manejo da Palavra em seu anúncio perseverante  (Continuação)

            Se quisermos ser considerados mestres cristãos, devemos ser fiéis à verdade bíblica. A infidelidade, ao contrário do que possa parecer em um primeiro momento, não consiste apenas em acrescentar ensinamentos estranhos à Palavra, mas, também, omitir e, talvez de forma mais sutil, nos contentarmos com amenidades, sem expor com clareza, fidelidade e profundidade a Palavra de Deus, não conduzindo o rebanho a um conhecimento mais elevado de Deus.

            Como pregadores e mestres, é necessário que não nos contentemos em guiar as pessoas apenas pelo sopé da montanha da glória de Deus; “torne-se um alpinista nos rochedos íngremes da majestade de Deus”, aconselha Piper.[1]

            Em 1551, Calvino fez uma longa dedicatória de seu comentário das Epístolas Gerais ao Rei da Inglaterra, Eduardo VI. Próximo do fim, escreveu:

Para que os fiéis não sejam levados de roldão por todo vento de impostura, que não sejam expostos às astutas cavilações dos ímpios, deixando-se ensinar pela segura experiência da fé, saibam que nada é mais firme ou certo do que o ensino da Escritura, e a este suporte confiantemente recorram.[2]

            A clareza só é possível se compreendermos adequadamente o texto bíblico. Fidelidade exige o silêncio reverente diante do mistério e a ousadia edificante diante do estudo do revelado. Ambas as atitudes nos previnem da especulação pecaminosa e da ingratidão para com o que Deus nos tem concedido na Escritura.

Calvino nos instrui em frase que emprego de forma recorrente: “As cousas que o Senhor deixou recônditas em secreto não perscrutemos, as que pôs a descoberto não negligenciemos, para que não sejamos condenados ou de excessiva curiosidade, de uma parte, ou de ingratidão, de outra”.[3]

            Isso não significa que todos nós conseguimos compreender perfeita e exaustivamente a Palavra, mas, aponta para a responsabilidade que temos de, pela graça, crescer no conhecimento de Jesus Cristo que nos advém pela Escritura (2Pe 3.18).[4] O ensino da Palavra é um privilégio altamente responsabilizador. Deus, por graça, tem se valido de seus servos para a transmissão de sua mensagem.

Somos embaixadores cuja responsabilidade é sermos integralmente fiéis à mensagem do Rei. Não somos autores da mensagem. Ela não nos pertence. No entanto, somos arautos e embaixadores comissionados pelo Senhor[5] a quem devemos representar com integridade e responsabilidade (Mt 10.5-7,16,40; 2Co 5.20; 1Ts 2.13).[6] A pregação não é apenas uma questão de decisão pessoal, antes, é uma ordem divina.[7]

            Com conhecimento de causa, em 1956, Lloyd-Jones (1899-1981) lamentava que “muitíssimas vezes os ministros cristãos não têm sido senão uma espécie de Capelão da Corte, declarando vagas generalidades”.[8]

            Sem dúvida, a nossa vocação é outra. Deste modo, aquele que prega deve ter consciência de que o púlpito não é o lugar para se exercitar as opiniões pessoais e subjetivas, mas sim, para pregar a Palavra, anunciando todo o desígnio de Deus, sob a iluminação do Espírito. O Espírito honra exclusivamente a sua Palavra, não a nossa.[9]  Se formos fiéis ao texto bíblico, Ele também nos honrará.[10] A linguagem do Espírito é una. A Revelação é múltipla, porém, há uma univocidade orgânica de conteúdo.

            Vinet (1797-1847) definiu bem a pregação, ao dizer ser ela “a explicação da Palavra de Deus, a exposição das verdades cristãs, e a aplicação dessas verdades ao nosso rebanho”.[11] Conforme vimos, Calvino escrevera na mesma linha: “A Escritura é a fonte de toda a sabedoria, e os pastores terão de extrair dela tudo o que eles expõem diante do seu rebanho”.[12]

        Lloyd-Jones (1899-1981), numa série de sermões pregados (1963) sobre Isaías 1.1-18, declarou corretamente: “Não estou aqui para ventilar minhas próprias ideias e teorias, porém para expor a Palavra de Deus”.[13]

            Sem a Palavra, o púlpito torna-se um lugar que no máximo serve como terapia para aliviar as tensões de um auditório cansado e ansioso em busca de refrigério para as suas necessidades mais imediatamente percebidas. Ele pode conseguir o alívio do sintoma, mas não a cura para as suas reais necessidades.

            Outra verdade que precisa ser ressaltada, é que apesar de muitos de nós não sermos “grandes” pregadores[14] ou existirem pregadores infiéis, Deus fala: A Palavra de Deus é mais poderosa do que a nossa incompetência ou a infidelidade de outros. Deus não conhece empecilho para a sua vontade: nem mesmo um mal pregador. Por isso, há a responsabilidade de ambos os lados: Quem prega, pregue a Palavra; quem ouve, ouça com discernimento a Palavra do Espírito de Deus.

            Mais recentemente li Chapell dizendo:

Os esforços pessoais dos maiores pregadores são ainda demasiado fracos e manchados pelo pecado para serem responsáveis pelo destino eterno das pessoas. Por essa razão Deus infunde sua Palavra com poder espiritual. A eficácia da mensagem, mas que qualquer virtude do mensageiro, transforma corações.[15]

A glória da pregação é que Deus realiza sua vontade por intermédio dela, mas somos sempre humilhados e ocasionalmente confortados com o conhecimento de que Ele age além das nossas limitações humanas.[16]

Pode ser que você jamais ouça elogios do mundo, ou seja pastor de uma igreja com milhares de membros, mas uma vida de piedade associada a uma clara explanação da graça salvadora e santificadora da Escritura garantem o poder do Espírito para a glória de Deus.[17]

Maringá, 15 de setembro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] John Piper, A Supremacia de Deus na Pregação, São Paulo: Shedd Publicações, 2003, p. 60.

[2] John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1981 (Reprinted), v. 22/2, (Dedication), p. xix.

[3]João Calvino, As Institutas, III.21.4.

[4]“Antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, tanto agora como no dia eterno” (2Pe 3.18).

[5]“Todo arauto que sobe a um púlpito é diretamente responsável àquele que o comissionou ao dever de pregar. Se você agrada a Deus, não importa a quem desagrada. E, se você desagrada a Deus, não importa a quem agrada” (Steven J. Lawson, O tipo de pregação que Deus abençoa, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 71).

[6] Cf. John Stott, Eu Creio na Pregação, São Paulo: Editora Vida, 2003, p. 142-146.

[7]Veja-se: Iain H. Murray, A Vida de Martyn Lloyd-Jones 1899-1981: Uma biografia, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2014, p. 79-80.

[8]D. Martyn Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 52.

[9] “O Espírito Santo é o poder atuante na Igreja, e o Espírito      Santo jamais honrará coisa alguma senão a Sua Palavra. Foi o Espírito Santo quem nos deu esta Palavra. Ele é o seu Autor.      Não é dos homens! Tampouco a Bíblia é produto da ‘carne’ e do ‘sangue’. (…) O Espírito não honrará nada, senão Sua Palavra. Portanto, se não crermos e não aceitarmos sua Palavra, ou se de algum modo nos desviarmos dela, não teremos direito de esperar a bênção do Espírito Santo. O Espírito Santo honrará a verdade, e não honrará outra coisa. Seja o que for que fizermos, se não honrarmos esta verdade, Ele não nos honrará” (D.M. Lloyd-Jones, O Combate Cristão,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 103).

[10] “Deus honrará aqueles que honram a sua Palavra”    (Steven J.  Lawson, O tipo de pregação que Deus abençoa,  São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 34).

[11] Alexander R. Vinet, Pastoral Theology: or, The Theory of the Evangelical Ministry, 2. ed. New York: Ivison, Blakeman, Taylor & Co. 1874, p. 189.

[12] João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 4.13), p. 123.

[13] D.M. Lloyd-Jones, O Caminho de Deus não o nosso, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2003, p. 67.

[14]É-nos alentadora a observação de Spurgeon: “O pregador do evangelho pode não ser um bom pregador. Mas o Senhor fala aos pecadores mesmo por meio de pregadores incultos” (C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992,p. 46). Do mesmo modo, Chapell: “Grandes dons não o tornam grande pregador. A excelência técnica da mensagem pode repousar nas suas habilidades, mas a eficácia espiritual da sua mensagem reside em Deus” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 25).

[15]Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 18. À frente continua: “Pregação que é fiel à Escritura converte, convence e amolda o espírito de homens e mulheres, pois ela apresenta o instrumento da compulsão divina, e não que pregadores tenham em si mesmos qualquer poder transformador” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 19).

[16] Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 25.

[17]Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, p. 33.

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