Uma oração intercessória pela Igreja (112)

         7.4.4.4. O poder de Deus na sustentação de seus servos (Continuação)

            5) Deus nos fortalece fornecendo uma armadura resistente e poderosa para que possamos enfrentar as tentações satânicas.

               Deus nos mune do que é necessário nesta vida. A figura empregada é de uma armadura. A pressuposição óbvia, é a de que estamos constantemente em uma batalha. Faz-se necessário que usemos com destreza das armas que Deus nos deu, nos valendo de todo o equipamento, conforme exorta o apóstolo Paulo:

10Quanto ao mais, sede fortalecidos (e)ndunamo/w) no Senhor e na força (kra/toj) do seu poder (i)sxu/j).11 Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes (du/namai) ficar firmes contra as ciladas do diabo; 12 porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes. 13Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais (du/namai) resistir no dia mau e, depois de terdes vencido tudo, permanecer inabaláveis. 14 Estai, pois, firmes, cingindo-vos com a verdade e vestindo-vos da couraça da justiça. 15 Calçai os pés com a preparação do evangelho da paz; 16 embraçando sempre o escudo da fé, com o qual podereis (du/namai) apagar todos os dardos inflamados do Maligno. 17Tomai também o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus; 18 com toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espírito e para isto vigiando com toda perseverança e súplica por todos os santos. (Ef 6.10-18).

            6) Jesus Cristo pelo seu poder nos fornece todos os meios para o nosso crescimento na piedade.

            Todos nós, possivelmente sem exceção, estamos acostumados – na ausência de algum elemento necessário à concretização de determinada tarefa –, a improvisar, buscando uma alternativa que atenda à nossa necessidade imediata. Deste modo, usamos ferramentas diferentes para suprir alguma carência, um adesivo ou cola para provisoriamente colar os óculos, vedar o vazamento de uma mangueira, etc. As redes sociais estão repletas de dicas muito criativas a esse respeito. Quem de nós já não se valeu de alguma delas ou  não tem a sua própria criação?

Pedro ao escrever às igrejas da Dispersão que enfrentavam perseguição, diz algo maravilhoso: No campo espiritual não precisamos improvisar. Tudo que necessitamos para o nosso crescimento espiritual foi-nos concedido por Deus. Ele afirma que “Pelo seu divino poder (du/namij), nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3).

            Em teologia denominamos essas “cousas que nos conduzem à piedade”, de meios de graça ou meios de santificação.[1] No Catecismo Menor de Westminster, em resposta à pergunta 88,[2]Quais são os meios exteriores e ordinários pelos quais Cristo nos comunica as bênçãos da redenção?”, lemos: “Os meios exteriores e ordinários pelos quais Cristo nos comunica as bênçãos são as suas ordenanças, especialmente a Palavra, os sacramentos e a oração, os quais todos se tornam eficazes aos eleitos para a salvação” (grifos meus).  

            Em outras palavras, podemos dizer, como Berkhof (1873-1957), que Deus como “causa eficiente da salvação“[3] é quem nos comunica, por meio dos “canais objetivos que Cristo instituiu na igreja”[4] as bênçãos da salvação para o seu povo.

            Hodge (1797-1878) faz uma advertência importante:

Por meio de graça não significa todos os instrumentos que Deus quer usar como meio para a edificação espiritual de seus filhos. Esta frase é apropriada para indicar aquelas instituições que Deus ordenou como canais ordinários da graça, isto é, das influências sobrenaturais do Espírito Santo, para as almas dos homens.[5]

Hodge está correto. Mesmo falando dos meios de graça estabelecidos por Deus para a nossa santificação, a rigor falando, Deus, por graça pode se valer de quaisquer meios por Ele deliberado, para o nosso amadurecimento. Assim como um câncer pode se constituir em instrumento de crescimento espiritual, as tentações satânicas, tão intensas, podem, pelo poder operante de Deus se transformar em provações que nos levam à maturidade que se evidenciar em uma fé mais viva e uma submissão alegre ao nosso Senhor.[6]

Watson (c. 1620-1686) captou bem isso ao dizer: “A tentação é o remédio para a segurança, quando mais Satanás tenta, mais os santos oram”.[7]

            O Espírito honra unicamente a Palavra. Não queiramos substitui-la por nossos métodos ou nossa experiência. Deus nos concedeu o que é suficiente. Ele não precisa de subterfúgios ou de nossa engenhosidade para edificar o seu povo, conduzi-lo à maturidade na fé.

            Lloyd-Jones (1899-1981) adverte-nos quanto a isto:

O Espírito Santo é o poder atuante na Igreja, e o Espírito Santo jamais honrará coisa alguma senão a Sua Palavra. Foi o Espírito Santo quem nos deu esta Palavra. Ele é o seu Autor. Não é dos homens! Tampouco a Bíblia é produto da ‘carne’ e do ‘sangue’. (…) O Espírito não honrará nada, senão Sua Palavra. Portanto, se não crermos e não aceitarmos sua Palavra, ou se de algum modo nos desviarmos dela, não teremos direito de esperar a bênção do Espírito Santo. O Espírito Santo honrará a verdade, e não honrará outra coisa. Seja o que for que fizermos, se não honrarmos esta verdade, Ele não nos honrará.[8]

            Biblicamente vemos que o Espírito dá testemunho de Cristo, que é a verdade (Jo 15.26/Jo 14.6); guia-nos à verdade que é Cristo (Jo 16.13/Jo 14.6); age por meio da Palavra, que é a verdade de Deus, criando em nós a fé salvadora e nos conduzindo à santificação (Jo 17.17,19; Rm 10.17/2Co 3.18; 2Ts 2.13; 1Pe 1.2).

            Quando falamos da relação do Espírito Santo com a Palavra, temos em vista que foi este o principal meio estabelecido por Deus, por intermédio do qual o Espírito age com vista à nossa  submissão a Deus em santificação.

            O mesmo Espírito que inspirou os escritores sagrados a fim de que registrassem de forma infalível e inerrante a Palavra de Deus (2Tm 3.16; 2Pe 1.20-21), aplica as Escrituras aos nossos corações, nos regenerando (Tt 3.5; 1Pe 1.23) e santificando.

            Pedro, assim se dirige às Igrejas da Dispersão: “Eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito”(1Pe 1.2).

            Considerando que Deus age por intermédio da Escritura, o estudo sério e sistemático da Palavra é fundamental para o nosso crescimento espiritual.

            Obviamente, não será a leitura mecânica da Bíblia que nos fará amadurecer em nossa fé em Deus. Houve e certamente há homens que possivelmente conheçam a Bíblia melhor do que nós, sabendo passagens de memória, distinguindo bem os períodos históricos, etc., mas, isto não significa necessariamente que conheçam o Deus da Palavra.

            O conhecimento de Deus e de sua Palavra evidencia-se pela prática da Palavra. “O crescimento espiritual não é místico, sentimental, devocional, psicológico ou resultado de truques secretos. Vem por meio da compreensão e da prática de princípios dados pela Palavra de Deus”, acentua MacArthur.[9]

            Por isso, quando lemos e estudamos a Bíblia devemos desejar ser conduzidos a Deus em reverência e adoração, prontos para ouvir a sua voz e praticá-la em nosso viver cotidiano.

O Espírito fala por intermédio da Palavra, nos convencendo de nossos pecados e da necessidade do perdão, nos humilhando, nos dispondo a orar, confessar, agradecer, interceder, louvar e confiar.

A palavra torna-se mais eficaz em nós conforme fomos nos quebrantando diante de Deus. “O Espírito fala ao nosso coração na medida em que nele faz morada”, interpreta Spener (1635-1705).[10]

     7) Deus continua operando eficazmente nos crentes, os conduzindo à obediência prática em santidade.

            Paulo estimula os filipenses nesse sentido: “Porque Deus é quem efetua (e)nerge/w) em vós tanto o querer como o realizar (e)nerge/w), segundo a sua boa vontade” (Fp 2.13).

            Por meio de sua penetrante Palavra,[11] Deus opera na vida dos crentes:

Outra razão ainda temos nós para incessantemente dar graças a Deus: é que, tendo vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como palavra de homens, e, sim como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente (e)nerge/w) em vós, os que credes. (1Ts 2.13).

            A Palavra é uma “central de energia” para bem conduzir o crente em sua caminhada cristã. Nela encontramos princípios orientadores e o poder para vencer as tentações e perseverar em obediência ao Senhor, de onde provém todo poder.

            8) Ao mesmo tempo, o Senhor Jesus Cristo é poderoso para nos socorrer em nossas tentações.

            Paulo escreveu aos Coríntios de forma consoladora e desafiadora:

Não vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não permitirá que sejais tentados além das vossas forças (du/namai); pelo contrário, juntamente com a tentação, vos proverá livramento, de sorte que a possais (du/namai) suportar. (1Co 10.13).

            Da mesma forma em Hebreus o escritor fundamenta o poder de Deus em nos socorrer, relacionando com a encarnação da Segunda Pessoa da Trindade: “Pois, naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso (du/namai) para socorrer os que são tentados” (Hb 2.18). (Ver também: Hb 4.15; Jd 24; 1Pe 1.5).[12]

Percebam então meus irmãos o grande conforto que podemos encontrar em Deus. Ele é o Deus Todo-Poderoso que guarda a sua Igreja, nos protegendo e preservando, nos fornecendo todas as coisas necessárias ao nosso crescimento espiritual. Portanto, Paulo ora no sentido de que Deus mesmo ilumine os nossos olhos para que já nesta vida, possamos ver aspectos das manifestações de seu poder na vida dos crentes.

            Tratando sobre o conforto proveniente desta doutrina, o puritano Charnock (1628-1680) escreveu:

Assim como a onipotência é um oceano que não pode ser penetrado, o conforto que dela provém também é torrentes que não podem ser exauridas. (…) Como é confortador saber que temos um Deus que pode fazer o que lhe agrada: nada é tão difícil que Ele não possa realizar; nada é tão forte que Ele não possa prevalecer sobre ele! Não precisamos temer os homens, visto que temos Alguém que os detenha, nem temer os demônios, uma vez que temos Alguém que os acorrente. Seu poder não foi gasto totalmente na Criação e nem é enfraquecido por Ele preservar todas as coisas.[13]

Cabe a nós:

1) Rogar a Deus que nos dê uma maior sensibilidade espiritual e, assim, descobriremos em nossa vida, como Deus tem nos sustentado e guardado. Além disso, sabemos que grande parte do cuidado de Deus para conosco sempre será estranho à nossa compreensão. Nesta firme certeza, poderemos usufruir com maior alegria da manutenção poderosa de Deus em nossa cotidianidade.

2) Certamente isso nos conduzirá a um coração mais agradecido pelos feitos de Deus. Cultivemos um espírito de gratidão (Ef 5.20/1Ts 5.18).

3) Usar dos recursos que Deus nos fornece para crescermos nesta graça e conhecimento (2Pe 3.18). Portanto, não negligenciemos a leitura e meditação da Palavra, a oração individual e comunitária, a participação do culto público, a Ceia do Senhor e, uma vida de obediência em santidade.

Que Deus nos abençoe fortalecendo a nossa fé em todas as circunstâncias. Amém!

Maringá, 31 de julho de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Ver: Hermisten M.P. Costa, A Palavra e a Oração como Meios de Graça: In: Fides Reformata, São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 5/2 (2000), 15-48.  

[2]Ver também: Catecismo Maior de Westminster,Perg. 154.

[3] Louis Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 613.

[4] Louis Berkhof, Teologia Sistemática,p.609.

[5] Charles Hodge, Systematic Theology, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1976 (Reprinted), v. 3, p. 466. Em outro lugar: “Os meios de graça são (…) aqueles que Deus ordenou com o objetivo de comunicar as influências vivificadoras e santificadoras do Espírito às almas dos homens” (Charles Hodge, Systematic Theology,v. 3, 708). Ver também: Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics, 3. ed. Grand Rapids, Michigan: Reformed Publishing Association, 1976, p. 634.

[6]“Os sofrimentos desta vida longe estão de obstruir nossa salvação; antes, ao contrário, são seus assistentes. (…) Embora os eleitos e os réprobos se vejam expostos, sem distinção, aos mesmos males, todavia existe uma enorme diferença entre eles, pois Deus instrui os crentes pela instrumentalidade das aflições e consolida sua salvação. (…) As aflições, portanto, não devem ser um motivo para nos sentirmos entristecidos, amargurados ou sobrecarregados, a menos que também reprovemos a eleição do Senhor, pela qual fomos predestinados para a vida, e vivamos relutantes em levar em nosso ser a imagem do Filho de Deus, por meio da qual somos preparados para a glória celestial” (João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 8.28,29), 293,295). “O sofrimento tem presença constante na condição humana; é tão universal no tempo e no espaço, tão pessoal e subjetivo em sua experiência, que não precisa ser descrito; nenhum homem chega à maturidade sem saber o que é sofrimento” (Addison H. Leitch, Sofrimento: In: Carl Henry, org. Dicionário de Ética Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 559).

[7] Thomas Watson, A Fé Cristã, estudos baseados no breve catecismo de Westminster, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 328.

[8]D.M. Lloyd-Jones, O Combate Cristão, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 103.

[9]John F. MacArthur, Jr. Chaves para o Crescimento Espiritual, 2. ed., São José dos Campos, SP.: Fiel, 1986,  p. 7.

[10]Philipp J. Spener,  Pia Desideria, São Paulo: Imprensa Metodista, 1985, p. 77.

[11]A Palavra de Deus é eficaz no descortinar de nossos pensamentos, desejos e propósitos: “Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz (e)nergh/j), e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração.13 E não há criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar contas” (Hb 4.12-13).

[12]“Porque não temos sumo sacerdote que não possa (du/namai) compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hb 4.15). “Ora, àquele que é poderoso (du/namai) para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com exultação, imaculados diante da sua glória, ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos. Amém!” (Jd 24-25). “Que sois guardados pelo poder (du/namij) de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo” (1Pe 1.5).

[13]Stephen Charnock, The Existence and Attributes of God, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Two Volumes in one), 1996 (Reprinted), v. 2, p. 98,99.

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