Uma oração intercessória pela Igreja (113)

         7.4.4.5. O poder do Trino Deus tem um sentido escatológico na vida dos crentes

              Deus é poderoso para nos guardar até o fim. Essa é a confiança partilhada por Paulo com todos os fiéis servos de Deus: “Por isso, estou sofrendo estas coisas; todavia, não me envergonho, porque sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso (dunato/j) para guardar o meu depósito até aquele Dia” (2Tm 1.12).

            Em meio às nossas instabilidades e, por vezes, uma fé vacilante, podemos ter essa certeza: Deus é poderoso para nos conduzir em segurança ao Reino de sua glória. O nosso Deus é digno de confiança. Ele preserva o depósito da fé feito por Ele mesmo (Ef 2.8). Desse modo, preservando a minha fé, Deus guarda a minha alma que já lhe pertence. A minha salvação está assegurada por Deus.

            Assim sendo, a grande garantia que temos, como não poderia deixar de ser, provém do próprio Deus. Ele nos “sela” e concede o “penhor” do Espírito. A obra de Deus, seja em que âmbito for, nunca é inacabada, nunca fica algo por fazer. Ele é poderoso e, de fato, leva a bom termo o que determinou realizar. (Jd 24-25/Fp 1.6; Ef 5,25-27).

            O Espírito é o adiantamento da transação já efetivada e que não será desfeita. Deus é fiel. Ele preserva e cumpre a sua promessa. Esse símbolo permanece até a consecução de toda a transação: “Espírito de Deus, no qual fostes selados (sfragi/zw) para o dia da redenção” (Ef 4.30).[1]

            O Espírito é a garantia de que os eleitos o são para sempre. Ninguém poderá, em tempo algum, sob nenhuma circunstância, nos arrancar das mãos de Deus. A nossa segurança, portanto, repousa em Deus, não em nós mesmos.

            Paulo fortalece a ideia de propriedade, autenticidade e inviolabilidade (Ef 1.13-14). Ambas as figuras – “penhor” e “selo” –, assinalam o fato de que pertencemos a Deus e, que a obra que Ele mesmo iniciou será plenamente cumprida em nós (Fp 1.6).[2]

            Desta forma, o “penhor” e o “selo” do Espírito têm implicações escatológicas, porque apontam para o futuro, quando a obra do Deus Triúno será concluída em nós (1Pe 1.3-9).[3] “O Espírito, portanto, serve como penhor de Deus em nossas presentes vidas, a evidência certa de que o futuro chegou ao presente, e a garantia de que o futuro será realizado em plena medida”.[4] Esta certeza absoluta é decorrente de um ponto fundamental: o Deus da promessa é o Deus fiel.

            Objetivamente considerando, o penhor assinala a garantia oferecida pelo próprio Deus a respeito de nossa salvação, tendo como sinal de entrada, o próprio Espírito em nós. O penhor é da mesma essência da herança. O Espírito é o sinal e penhor daquilo que teremos no futuro. Ele é a demonstração divina de Sua intenção e promessa. Portanto, além do conceito de pagamento, temos também a noção de qualidade.[5] Não experimentamos hoje algo totalmente diferente do que teremos na eternidade. Hoje nós já temos uma amostragem do que será a nossa vida com Cristo, quando teremos o Espírito sem medida em todos nós, os que cremos. Pela amostragem anelamos pela plena concretização da transação. Maranata é a oração ardente de toda a igreja.

            Subjetivamente,temos a certeza de que o Deus onipotente e fiel cumprirá as suas promessas, preservando-nos até o fim. O selo e o penhor são sinais de nossa condição transitória. No céu, o Espírito será tudo em todos para sempre. “Enquanto vivemos neste mundo, necessitamos de um penhor, porque combatemos em esperança; mas quando a possessão mesma se manifestar, então cessará a necessidade e o uso do penhor”.[6]

            O Espírito em nós, é a garantia presente e maravilhosamente real, de que participaremos da plenitude da sua herança reservada para os seus.[7] Assim, podemos dizer com Berkhof (1914-1995) que, “o Novo Testamento nada sabe de uma escatologia futurista ou de uma escatologia realizada, senão de uma escatologia em realização”.[8]    

            O Catecismo de Heidelberg (1563), em sua primeira pergunta, lemos:

              Qual é o teu único conforto na vida e na morte?

R. É que eu pertenço – corpo e alma, na vida e na morte – não a mim mesmo, mas a meu fiel Salvador, Jesus Cristo, que com o Seu precioso sangue pagou plenamente todos os meus pecados e me libertou completamente do domínio do Diabo; que Ele me protege tão bem, que sem a vontade de meu Pai no céu nenhum cabelo pode cair da minha cabeça; na verdade, que tudo deve adaptar-se ao Seu propósito para a minha salvação. Portanto, pelo Seu Santo Espírito, Ele também me garante a vida eterna e me faz querer estar pronto, de todo o coração, a viver para Ele daqui por diante.

            O Reino de Deus é o Reinado de Deus, o governo triunfante de Cristo sobre todas as coisas. Isto não é mera abstração de uma fé infundada, cujo único frágil fundamento é a sua confiança no ilusório poder de si mesma. O Reino de Deus indica que há um Rei. Nas Escrituras, o Reinado de Deus envolve não apenas o seu domínio, mas, também a sua criação.

            Todas as coisas existem porque Ele mesmo as criou e preserva. Mais: O Seu reinado envolve a realidade visível e invisível. As galáxias mais distantes, que nem sequer os mais potentes telescópios puderam vislumbrá-las; as mais simples e mesmo complexas vidas que habitam no fundo do oceano, em regiões quase inacessíveis aos homens, estão sob o controle de Deus.

            As coisas quase imperceptíveis de forma significativa a nós: um pardal, as flores e o nosso cabelo que insiste em se ausentar sem o nosso consentimento, na maioria das vezes só percebida nas falhas que deixam, nada, coisa alguma escapa ao seu domínio e sábio reinado.

            O reinado de Deus não é algo decorativo ou simbólico; antes, é real e grandemente confortador para os seus filhos. O seu poderoso e amoroso domínio envolve graciosamente a nossa salvação, nos preservando em perseverança até o fim. Deus não apenas nos salva, mas, também, deseja que usufruamos do conforto da certeza subjetiva de que estamos seguros sob o seu cuidado.

            O Reino deve ser alvo de nossas orações, não apenas quando estivermos em dificuldade, mas, em todas as circunstâncias.[9] O conforto que podemos ter nessa vida, proporcionado sem dúvida pela graça de Deus, não nos deve afastar dessa perspectiva, antes, devemos ansiar ainda mais pelo Reino, sabendo que o que temos ou podemos ter nesta vida, não pode de modo algum ser comparado com a glória eterna por vir na vinda do Reino na pessoa do Rei.

          Portanto, falar no Reino é apontar para a concretização do propósito de Deus em Cristo, libertando os homens do poder de Satanás, conduzindo-os à liberdade concedida por Cristo, o Senhor: “…. até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória” (Ef 1.14). Essa certeza que emana da Palavra é altamente estimulante e confortadora para a Igreja. Ela deve produzir em nós uma atitude de gratidão que tenha reflexos em nosso culto e nossa ética.[10]Afinal, servir ao Reino nesse estágio de vida, deve ser a nossa vocação irrevogável.[11]

         Todos os que creem em Cristo como Seu Senhor e Salvador pessoal recebem definitivamente o Espírito Santo, o “Santo Espírito da Promessa”, sendo selados para o dia do juízo. A fé é selada pelo Espírito. O Espírito que fora prometido pelo Pai e pelo Filho, agora habita em nós, sendo Ele mesmo o agente do cumprimento das promessas (Ef 1.13/At 1.4,5; 2.33) e parte do cumprimento daquilo que Jesus Cristo prometeu (Jo 14.26; 16.7).[12] O Espírito que é o cumprimento da promessa certamente cumprirá o que nele foi prometido.[13] Por isso Ele é chamado de Espírito da Promessa, aquele que nos sela, sendo o nosso penhor; “é o dom da certeza”, assinala Bruner.[14]

            Paulo escreve aos Romanos: “O amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado” (Rm 5.5).Anos mais tarde, exortaria a Timóteo: “Guarda o bom depósito, mediante o Espírito Santo que habita em nós” (2Tm 1.14).

            No Apocalipse a Igreja de Filadélfia é considerada bem-aventurada porque, mesmo com pouca força guardou a Palavra e não negou o nome do Senhor Jesus: “Conheço as tuas obras – eis que tenho posto diante de ti uma porta aberta, a qual ninguém pode (du/namai) fechar – que tens pouca força (du/namij), entretanto, guardaste a minha palavra e não negaste o meu nome” (Ap 3.8).

           O Senhor que habita em nós pelo Espírito, transformará o nosso corpo adequando-o gloriosamente à eternidade. Paulo, preso, escreve aos crentes de Filipos, muitos deles cidadãos romanos, ciosos de sua nacionalidade:

20 Pois a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, 21 o qual transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual ao corpo da sua glória, segundo a eficácia (e)ne/rgeia) do poder (du/namai) que ele tem de até subordinar a si todas as coisas. (Fp 3.20-21).

            Finalmente, o nosso conforto é saber que o poder pertence a Deus. Quando o Senhor revelar plenamente a sua soberania (1Tm 6.13-15)[15] o canto celestial, finalmente será como o descrito no Apocalipse: “Depois destas coisas, ouvi no céu uma como grande voz de numerosa multidão, dizendo: Aleluia! A salvação, e a glória, e o poder (du/namij) são do nosso Deus” (Ap 19.1).

            Desta forma, então, podemos em todas as circunstâncias confiar em Deus, crendo na sua Palavra, descansando em suas promessas, sabendo que Ele é poderoso para nos suster em todas as questões de nossa vida. E Ele o fará conforme nos prometeu. “Aleluia! A salvação, e a glória, e o poder (du/namij) são do nosso Deus” (Ap 19.1).

Maringá, 31 de julho de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Veja-se: João Calvino, Efésios, (Ef 1.14), p. 38. “A presença do Espírito Santo é a primeira prestação dos benefícios da redenção de Cristo, concedidos àqueles para quem foram adquiridos, e assim a garantia e penhor da consumação dessa redenção no devido tempo” (Archibald A. Hodge, Confissão de Fé Westminster Comentada por A.A. Hodge,São Paulo: Editora os Puritanos, 1999,p. 328).

[2] “A metáfora é tomada por empréstimo das transações que são então confirmadas pela entrega de uma garantia, para que nenhum espaço seja deixado para uma mudança de intenção. Daí, ao recebermos o Espírito de Deus, temos as promessas dele confirmadas em nós e não somos assaltados pelo receio de que se retrate. Não que as promessas de Deus sejam por natureza débeis; mas porque nunca descansamos nelas confiadamente, enquanto as mesmas não recebem o endosso do testemunho do Espírito” (João Calvino, Efésios, (Ef 1.14), p. 37).

[3]3 Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, 4 para uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros 5 que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo. 6 Nisso exultais, embora, no presente, por breve tempo, se necessário, sejais contristados por várias provações, 7 para que, uma vez confirmado o valor da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro perecível, mesmo apurado por fogo, redunde em louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo; 8 a quem, não havendo visto, amais; no qual, não vendo agora, mas crendo, exultais com alegria indizível e cheia de glória, 9 obtendo o fim da vossa fé: a salvação da vossa alma” (1Pe 1.3-9).

[4] Gordon D. Fee, Paulo, o Espírito e o Povo de Deus, São Paulo: United Press, 1997, p. 60.

[5]Ver: Paul E. Brown, O Espírito Santo e a Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 104, 190.

[6] João Calvino, Efésios,(Ef 1.14), p. 37.

[7]Veja-se: A.A. Hoekema, Salvos pela Graça,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 38.

[8]Hendrikus Berkhof, La Doctrina del Espíritu Santo,Buenos Aires: Junta de Publicaciones de las Iglesias Reformadas; Editorial La Aurora, (1969), p. 118. Do mesmo modo entende Morris: “Uma escatologia puramente ‘realizada’ é calamitosa, tanto por não se ajustar à mensagem do Novo Testamento como por suas trágicas consequências” (Leon Morris, A Doutrina do Julgamento na Bíblia: In: Russel P. Shedd; Alan Pieratt, eds. Imortalidade, São Paulo: Vida Nova, 1992, p. 53).

[9] “A maioria dos cristãos respeitáveis tem o hábito de orar pela vinda do reino de Deus, mas quando tudo vai bem na vida deles as suas orações pelo reino começam a se desvanecer” (Cornelius Plantinga Jr., O Crente no Mundo de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 107).

[10]Ver: R.C. Sproul, O Que é Teologia Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 174.

[11] “Trabalhar no reino é o nosso estilo de vida” (Cornelius Plantinga Jr., O Crente no Mundo de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 111).

[12]“O Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo 14.26). “…. convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei” (Jo 16.7).

[13]Veja-se: W. Hendriksen, Efésios, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992, (Ef 1.13), p. 117.

[14]Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 209.

[15]“Exorto-te, perante Deus, que preserva a vida de todas as coisas, e perante Cristo Jesus, que, diante de Pôncio Pilatos, fez a boa confissão, que guardes o mandato imaculado, irrepreensível, até à manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo; a qual, em suas épocas determinadas, há de ser revelada pelo bendito e único Soberano (duna/sthj), o Rei dos reis e Senhor dos senhores” (1Tm 6.13-15).

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