Uma oração intercessória pela Igreja (140)

             6) Necessidade de arrependimento 

               “Testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus….” (At 20.21).

                Em outro contexto Lawson, faz uma analogia interessante, que nos conduz ao ponto que queremos tratar:

Se em Corinto Paulo tivesse ido de casa em casa, feito uma pesquisa entre as pessoas e perguntado o que desejavam achar em sua igreja, elas teriam respondido entusiasticamente: ‘Dê-nos superioridade de linguagem e sabedoria; e assim iremos à igreja’. Os coríntios se apinhavam para ouvir oradores que empregavam esses artifícios populares.[1]

            No entanto, o tipo de pregação de Paulo era outro. Ele não barateava o Evangelho; estava ciente de a necessidade de todo homem ser confrontado com o Evangelho de Deus: “Testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (At 20.21).

            Como todos são pecadores, todos necessitam arrependerem-se de seus pecados. Coerentemente com a Escritura, esse, portanto, era o apelo de Paulo.

           O arrependimento é fundamental à nossa salvação. Ele é parte essencial da mensagem do Evangelho (Mt 3.2; 4.17; Mc 1.14-15; Lc 24.46-47; At 20.21; 26.18-20; Ap 3.19). Todos são notificados desta necessidade (At 17.30).[2] O pregador do Evangelho tem a responsabilidade de conclamar seus ouvintes ao arrependimento (1Co 9.22; 2Co 5.20).[3] No entanto, isto não é suficiente. O arrependimento só é possível por Deus. É uma dádiva de Deus concedida a judeus e gentios (At 5.31; 11.18).[4] Ele envolve o nosso coração, mente, e vontade.[5]

       A raiz do “arrependimento evangélico”[6] está no coração, o centro vital do ser humano.[7] Ele consiste em uma mudança de mente, ocasionando um sentimento de “tristeza piedosa”[8] pelos nossos pecados, que se caracteriza de forma concreta em seu abandono,[9] refletindo isso na adoção de novos valores, ideais, objetivos e práticas. Um falso arrependimento é gerador de condenação justamente pela sensação enganosa de perdão e, a autocondescendência para continuar pecando.[10]

      O arrependimento, insisto, não é apenas uma questão intelectual, antes envolve uma revisão, reorganização e redirecionamento de nossa vida a partir de nosso novo nascimento espiritual operado pelo Espírito.[11]

     O arrependimento marca o início da vida cristã e, também, caracteriza a sua totalidade. Packer resume: “A mudança é radical, tanto interior como exteriormente: ânimo e opinião, vontade e afetos, conduta e estilo de vida, motivos e propósitos são todos envolvidos. Arrependimento significa começo de uma nova vida”.[12]

            O conceito de arrependimento, envolvendo uma mudança radical na vida do homem é um conceito cristão sem paralelo na literatura grega.[13]

            O arrependimento bíblico consiste em voltar-se total e integralmente para Deus.  Envolve uma atitude de abandono do pecado e uma prática da Palavra de Deus.[14] Essa prática consiste nos “frutos do arrependimento”.

            Paulo, testemunhando diante do rei Agripa a respeito do seu ministério, diz:

19Pelo que ó rei Agripa, não fui desobediente à visão celestial, 20mas anunciei primeiramente aos de Damasco e em Jerusalém, por toda a região da Judéia, e aos gentios, que se arrependessem (metanoe/w) e se convertessem a Deus praticando obras dignas (a)/cioj) de arrependimento (meta/noia).(At 26.19,20. Vejam-se também: At 20.21/Lc 3.8).

            A Confissão de Westminster(1647) resume: “O pecador pelo arrependimento, de tal maneira sente e aborrece os seus pecados, que, deixando-os, se volta para Deus, tencionando e procurando andar com Ele em todos os caminhos dos seus mandamentos” (XV.2).

Maringá, 1 de setembro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Steven J. Lawson, O tipo de pregação que Deus abençoa, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 44. “No momento presente, os pregadores têm de resistir à tentação de serem moldados pelos ditames culturais de uma sociedade ímpia. Ouvidos ímpios sempre desejarão ser fascinados e não confrontados, cativados e não desafiados” (Steven J. Lawson, O tipo de pregação que Deus abençoa, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 39-40).

[2]“Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam (metanoe/w) (At 17.30).

[3] Vejam-se: Walter J. Chantry, O Evangelho hoje: autêntico ou sintético? São Paulo: Fiel, 1978, p. 41-49; John MacArthur, O Evangelho Segundo os Apóstolos, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2011, p. 91-109.

[4]“Deus, porém, com a sua destra, o exaltou a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento (meta/noia) e a remissão de pecados” (At 5.31). “E, ouvindo eles estas coisas, apaziguaram-se e glorificaram a Deus, dizendo: Logo, também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento (meta/noia) para vida” (At 11.18).

[5]Hoekema assim define: “o retorno consciente da pessoa regenerada, para longe do pecado e para perto de Deus, numa completa mudança de vida, manifestando-se numa nova maneira de pensamento, sentimento e vontade” (Anthony A. Hoekema, Salvos Pela Graça, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 133). Especialmente, p. 133-135.

[6] Expressão usada por Calvino. Veja-se: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.5), p. 130-131.

[7] “Assim como o coração no sentido físico é o ponto de origem e de força propulsora da circulação do sangue, assim também, espiritual e eticamente ele é a fonte da mais elevada vida do homem, a sede de sua autoconsciência, de seu relacionamento com Deus, de sua subserviência à Sua lei, enfim, de toda a sua natureza moral e espiritual. Portanto, toda a sua vida racional e volitiva tem seu ponto de origem no coração e é governada por ele” (Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 19).

[8]Vejam-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 141;  R.C. Sproul, O que é arrependimento? São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2014, p. 43.

[9]Analisando diversas passagens bíblicas, Bavinck, conclui: “A conversão sempre consiste em uma mudança interna de mente que leva as pessoas a olharem para seu passado pecaminoso à luz da face de Deus; conduz à tristeza, desgosto, humilhação e confissão de pecados; e é, tanto interna quanto externamente, o começo de uma nova vida ético religiosa” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 142). Veja-se também: Herman Bavinck, Teologia Sistemática,Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 479-480).

[10] Vejam-se algumas ilustrações sobre “falso arrependimento” em: Thomas Watson, A Doutrina do Arrependimento, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2012, p. 17ss; John Owen, Para vencer o pecado e a tentação, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 109; Jim Elliff, Arrependimento ineficaz. (http://www.ministeriofiel.com.br/artigos/detalhes/253/O_Arrependimento_Ineficaz) (Consulta feita em 24.01.19).

[11] Veja-se: A.A. Hoekema, Salvos pela graça, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 133-135.

[12]J.I. Packer, Teologia Concisa,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 152.

[13] Cf. J. Goetzmann, Conversão: In: Colin Brown, ed. ger.O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 499.

[14]“O arrependimento bíblico, então, não é meramente sentir um remorso que nos deixa onde estamos; é uma inversão radical que nos leva de volta pela estrada de nossas peregrinações pecaminosas, criando em nós uma mentalidade completamente nova. É cair em si espiritualmente (cf. Lc 15.17). A vida não é mais caracterizada pela exigência ‘dá-me’ (Lc 15.12) e sim pelo pedido ‘faze-me’ (Lc 15.19)” (Sinclair B. Ferguson, Arrependimento, Recuperação e Confissão: In: James M. Boice; Benjamin Sasse, orgs. Reforma Hoje, São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p. 131).

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