Uma oração intercessória pela Igreja (139)

           5) Graça suficiente de Deus fundamentada na obra de Cristo  (Continuação)

            A graça de Deus se evidencia nas obras da Trindade. O Pacto da Graça,[1]  por meio do qual somos salvos, foi Pacto de Obras para Cristo.[2] A nossa salvação é muito cara, custou o precioso sangue de Cristo (1Pe 1.18-20/At 20.28; 1Co 6.20).[3] Como bem expressou Calvino: “Nós dizemos que [a Redenção] é gratuita para nós, mas não para Cristo, a quem custou altíssimo preço, uma vez que Ele pagou o resgate com o seu santo e precioso sangue, porque não existe nenhum outro preço que possa satisfazer à justiça de Deus”.[4]

            Isso longe de apontar para o suposto valor inerente de nossas almas, revela o amor gracioso de Deus que confere valor a nós.

            Deus não quebra a sua justiça por amor, antes, cumpre a justiça em amor. A graça reina pela justiça (Rm 5.21).[5]. A misericórdia de Deus não se digladia com a sua justiça. Deus é perfeito em tudo.[6] Deus é o Deus da paz, havendo nele sempre a harmonia de todas as suas perfeições revestida pela sua santidade.  O amor de Deus não desconsidera o pecado, antes o penaliza em Cristo, o Amado (Ef 1.6-7),[7] em quem temos a plenitude da graça do Deus Triúno

            Na misericórdia vemos estampada a sua justiça. Deus não se esquece de sua justiça como se fosse uma “perfeição imperfeita” do seu caráter, antes, Ele a cumpre, pagando o preço de nossos pecados em amor e misericórdia, nos imputando a justiça obtida por Cristo.

Calvino de modo surpreendente afirma: “Deus se paga a Si mesmo por Sua misericórdia manifestada em Seu Filho, nosso Salvador Jesus Cristo, que uma vez por todas se ofereceu ao Pai para ser Ele próprio a satisfação que Lhe deveríamos prestar”.[8]

            A justiça de Deus está relacionada de forma essencial com sua aliança estabelecida com o seu povo, por meio da qual Ele promete salvar a todos aqueles que recebem pela fé a Jesus Cristo, tornando-se participante dos seus merecimentos obtidos para o seu povo. Desse modo, em Cristo nós temos o “Justo” e o justificador: A graça e a justiça (Rm 3.26). “Uma graça reinante à parte da justiça não é apenas inverossímil, mas também inconcebível”, conclui Murray (1898-1975).[9]

            Hodge (1823-1886), considerando a situação dos “réprobos”, faz uma distinção ente o aspecto “negativo” e “positivo” da reprovação:

Em seu aspecto negativo a reprovação é simplesmente a não eleição, e é absolutamente soberana, fundada unicamente no beneplácito de Deus, que deseja eleger uns porque assim o quer e não porque sejam menos dignos. Positivamente, a reprovação não é soberana senão judicial, porque Deus há determinado tratar aos réprobos precisamente conforme os seus méritos e à vista de sua absoluta justiça.[10]

            Booth (1734-1806) escrevendo sobre este assunto, assim se expressou:

A graça de Deus está fundamentada na obediência perfeita e meritória de Cristo.[11]

Ainda que este perdão seja gratuito para os pecadores, nunca devemos nos esquecer de que Cristo pagou um alto preço por ele. Perdão para a menor das nossas ofensas só se tornou possível porque Cristo cumpriu as mais aflitivas condições – sua encarnação, sua perfeita obediência à lei divina e sua morte na cruz. O perdão que é absolutamente gratuito ao pecador teve um alto custo para o Salvador.[12]

A graça de Deus vem a nós não porque Deus revela o fato da sua lei ser quebrada por nós, mas porque a sua lei foi plenamente satisfeita pelos atos de justiça que Cristo fez a nosso favor. (…) Ele cumpriu perfeitamente a lei de Deus.[13]

         O nosso Deus é “O Deus de toda graça”(1Pe 5.10). Bem-aventurados são todos aqueles que vivem como súditos do Reino da Graça de Deus.

         “A doçura da graça”[14] de Deus é a tônica da sua relação com o seu povo.[15] Tudo que temos, somos e seremos, é pela graça (1Co 15.10). A riqueza da graça de Deus se manifesta de modo superabundante em nós (2Co 9.14; Ef 1.7; 2.7). Todavia, ela não foi revelada em toda a sua plenitude; por isso, aguardamos o regresso triunfante de Jesus Cristo, quando Ele mesmo revelará a graça de forma mais completa (1Pe 1.13),[16] concluindo a nossa salvação (Fp 1.6/1Pe 1.3-5).

            O Evangelho é uma mensagem da Graça de Deus (At 20.24). Esta é uma proclamação fundamentalmente distintiva da Igreja.

            Deus confiou à Igreja o privilégio responsabilizador de testemunhar o Evangelho da graça (1Co 9.16; 2Tm 4.2). A graça de Deus age por meio da verdade (Cl 1.6). Deus mesmo confirma a sua Palavra (At 14.3). Deus não nos chamou a pregar as nossas opiniões ou hipóteses, mas sim a sua Palavra visto que, Ele age por intermédio dela (Jo 17.17; Rm 10.17; Cl 1.5,6).

            A Igreja é proclamadora da graça de Deus, tendo em sua existência histórica a concretude da graça: a Igreja o monumento da graça soberana de Deus! (1Pe 2.9,10).

            Paulo tinha perfeita consciência disso. Por isso anunciou intensa e perseverantemente o Evangelho da graça de Deus por meio da Palavra da graça.

Maringá, 1 de setembro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]“Cristo amou a esta linhagem desde antes da fundação do mundo. É um pensamento nobre e glorioso – o mesmo lirismo da doutrina calvinista, a qual nós ensinamos – que antes que a estrela matutina conhecesse seu lugar, antes que do nada Deus criasse o universo, antes que a asa do anjo agitasse os virgens espaços etéreos, e antes que um solitário cântico perturbasse o silêncio no qual Deus reinava supremamente. Ele já havia entrado em conselho consigo mesmo, com Seu Filho e com Seu Espírito, e havia determinado, proposto e predestinado a salvação de Seu povo” (C.H. Spurgeon,  Sermões no Ano do Avivamento, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 47-48).

[2]“Em última análise a justificação é por obras no sentido que somos justificados pelas obras de Cristo” (R.C. Sproul, O Que é teologia Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 61).

[3]18 Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, 19 mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, 20 conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós”(1Pe 1.18-20).

[4] João Calvino,As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.6), p. 237.

[5]“A fim de que, como o pecado reinou pela morte, assim também reinasse a graça pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 5.21).

[6] “A justiça de Deus nunca está separada de sua retidão. (…) Sua justiça é perfeita” (R.C. Sproul, A Santidade de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 121).

[7]“Para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado, 7no qual temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça” (Ef 1.6-7).

[8]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.9), p. 129. “Imaginamos que Deus nos é favorável porque nos tem considerado dignos de seu respeito. A Escritura, porém, por toda parte enaltece sua misericórdia, que pura e simplesmente abole todo e qualquer mérito” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3.16),  p. 131).

[9]John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 19. Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 180-181.

[10] A.A. Hodge, Esboços de Theologia, p. 67.

[11] A. Booth, Somente pela Graça,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1986, p. 15.

[12] A. Booth, Somente pela Graça,p. 31. Veja-se: J.I. Packer, O Conhecimento de Deus,p. 121.

[13] A. Booth, Somente pela Graça,p. 56-57.

[14] Cf. João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 6.1), p. 125.

[15] Packer diz que “graça” é “a palavra-chave do cristianismo” (J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 85).

[16]“Por isso, cingindo o vosso entendimento, sede sóbrios e esperai inteiramente na graça que vos está sendo trazida na revelação de Jesus Cristo” (1Pe 1.13).

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