Uma oração intercessória pela Igreja (138)

           5) Graça suficiente de Deus fundamentada na obra de Cristo  

         24Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus. (…) 28 Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue. (…)  32 Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e à palavra da sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que são santificados” (At 20.24,28,32).

            Paulo apresentou de forma consistente a mensagem da graça. Acontece que a graça é um bem que nos incomoda. A salvação é uma declaração de nosso pecado e total incapacidade de resolver o nosso crucial problema. A graça nos alegra e nos humilha. Creio que todos nós já tivemos sentimentos contrastantes referentes à mesma questão.

            Barth (1886-1968) é quem melhor retrata esse paradoxo:

Nós não amamos viver pela graça; há sempre em nós alguma coisa que se insurge violentamente contra a graça. Nós não amamos receber a graça, nós amaríamos, no máximo, atribuí-la a nós mesmos. A vida humana é feita desse vai-e-vem entre o orgulho e o desespero, que apenas a fé pode eliminar. Se contar consigo mesmo, o homem não pode chegar a ela, uma vez que não podemos, nós mesmos, nos libertar do orgulho e da angústia. Se formos libertos é graças a uma ação que não depende de nós.[1]

            O anúncio da graça fala de nosso desespero, de nossa incapacidade e, ao mesmo tempo, do amor gracioso e redentivo de Deus. Sem a consciência do pecado não há sentido para a graça.[2] O desespero precede a consciência de absoluta graça.

            Graça é o favor imerecido, manifestado livre, contínua e soberanamente por Deus aos pecadores que se encontravam num estado de depravação e miséria espirituais, merecendo o justo castigo pelos seus pecados (Rm 4.4/11.6; Ef 2.8-9).[3]

             O Evangelho é da graça porque nele encontramos o favor imerecido de Deus para com o homem – para com cada um de nós -, que merecia a condenação eterna. O trágico dessa realidade, é que a condenação à qual todos nós estaríamos fadados, é obra ‒ trabalhamos para isso (Rm 6.23). A salvação, é graça.

           O Evangelho é a boa nova que consiste na declaração de Deus, de que há perdão para todos os nossos pecados em Cristo Jesus. O Senhor nos tira da condição de “réus”, e nos transporta “para o reino do Filho do seu amor” (Cl 1.13), tornando-nos seus filhos e herdeiros (Rm 8.12-17/Jo 1.12; Gl 3.26), sendo este privilégio uma gloriosa concessão da graça.

             Jesus Cristo é a personificação da graça. Ele encarna a graça e a verdade. Nele encontramos o fundamento do que é verdadeiro: Ele é a verdade eterna que valida o que é, desmistificando os nossos padrões equivocados e, por isso mesmo, transitórios de verdade e, também, cumpre as promessas de Deus em graça (Jo 1.17; 14.6).[4]

            O Evangelho é a graça verbalizada. Jesus Cristo é a causa, o conteúdo e a manifestação da graça de Deus. Falar de Cristo é falar da graça. É por meio do Evangelho que Deus transmite a sua Palavra de graça (At 14.3; 20.24). “O Evangelho é o divulgador da graça”, resume Pink.[5] A graça nos é ensinada pelo Evangelho (Cl 1.4-6). Por isso, pregar o Evangelho é um “favor” de Deus (Ef 3.8).

          Os profetas do Antigo Testamento falavam de uma salvação futura que ocorreria pela graça (1Pe1.10). [6] Jesus Cristo, a graça de Deus encarnada, veio na plenitude do tempo(Gl4.4), [7]na plenitude da graça (2Tm1.9[8]/Jo1.16;1Co1.4;Ef1.6,7;2Tm2.1).

            A autoentrega de Jesus pelos pecados dos pecadores eleitos foi um dom da graça que fora profetizada (1Pe 1.10-11/Rm 5.15; Hb 2.9).[9] A pobreza assumida por Cristo revela a riqueza da sua graça (2Co 8.9).[10] Deste modo, Ele, somente Ele nos dá acesso à graça (Hb 4.14-16), convidando-nos: “Vinde a mim”(Mt 11.28).

            Jesus Cristo se encarnou afim de que Deus pudesse ser justo, e ao mesmo tempo o justificador daqueles que confiam nele  para salvação (Rm3.26). [11] Portanto, para nós que cremos, Ele se tornou justiça, santificação e redenção(1Co1.30).[12]

            A graça de Deus não é barata.[13] Nós muitas vezes nos comportamos como filhos que, amados e agraciados com presentes de seus pais, se esquecem de que se aquilo que ganhamos foi “fácil”, “generoso”, sem mérito algum de nossa parte, custou muitas vezes um alto preço para os pais: privação de adquirir outro bem para si, filas, crediários, juros, economias etc. A graça de Deus tem outro lado, que com frequência nos esquecemos: a obra sacrificial de Cristo.

            É um erro lamentável julgar toda a verdade considerando apenas a parte que nos compete do todo. A nossa visão é bastante seletiva. Quando nos acostumamos analisar a vida apenas a partir do nossa silhueta, geralmente somos injustos e levianos em nossas avaliações, tendo uma visão egorreferente da realidade.

Maringá, 1 de setembro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Karl Barth, Esboço de uma Dogmática, São Paulo: Fonte Editorial, 2006, p. 23.

[2] “Onde o pecado não é encarado como pecado, a graça não pode ser graça. Que necessidade de expiação poderiam ter homens e mulheres quando lhes é dito que o seu problema mais profundo é algo menos do que aquilo que a Bíblia ensina explicitamente? O ensino fraco sobre o pecado leva à graça barata e não conduz ao evangelho” (Albert Mohler Jr., O Desaparecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 32). O desaparecimento do pecado do nosso vocabulário moral é uma das marcas da Idade Moderna – e da moralidade pós-moderna. Nestes dias, a maioria das pessoas acredita ser imperfeita, com espaços para melhorias – mas não pensam em si mesmas como pecadores necessitados de perdão e de redenção” (Albert Mohler Jr., O Desaparecimento de Deus, p. 31).

[3]“Ora, ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim como dívida“ (Rm 4.4). “E, se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça” (Rm 11.6). “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8,9).

[4]“Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo” (Jo 1.17). “Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6).

[5] A.W. Pink, Os Atributos de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985, p. 74.

[6] “Foi a respeito desta salvação que os profetas indagaram e inquiriram, os quais profetizaram acerca da graça a vós outros destinada” (1Pe 1.10).

[7] “Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gl 4.4).

[8] “Que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1.9).

[9]10Foi a respeito desta salvação que os profetas indagaram e inquiriram, os quais profetizaram acerca da graça a vós outros destinada, 11 investigando, atentamente, qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles estava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que os seguiriam” (1Pe 1.10-11). “Todavia, não é assim o dom gratuito como a ofensa; porque, se, pela ofensa de um só, morreram muitos, muito mais a graça de Deus e o dom pela graça de um só homem, Jesus Cristo, foram abundantes sobre muitos” (Rm 5.15). “Vemos, todavia, aquele que, por um pouco, tendo sido feito menor que os anjos, Jesus, por causa do sofrimento da morte, foi coroado de glória e de honra, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todo homem” (Hb 2.9).

[10]“Pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2Co 8.9).

[11] “Tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.26).

[12] “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (1Co 1.30).

[13]Posteriormente li MacArthur comentando a respeito da expressão “graça barata” (Veja-se: John MacArthur, O Evangelho Segundo os Apóstolos, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2011, p. 68-90). Dentro de uma perspectiva complementar, escreveu Bonhoeffer (1906-1945): “A graça barata é inimiga mortal de nossa igreja. A nossa luta trava-se hoje em torno da graça preciosa. Graça barata é graça como refugo, perdão malbaratado, consolo malbaratado, sacramento malbaratado; é graça como inesgotável tesouro da Igreja, distribuído diariamente com mãos prontas, sem pensar e sem limites; a graça sem preço, sem custo. (…) A graça barata é, por isso, uma negação da Palavra viva de Deus, negação da encarnação do Verbo de Deus. (…) A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina de uma congregação, é a Ceia do Senhor sem confissão dos pecados, é absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus vivo, encarnado” (D. Bonhoeffer, Discipulado, 2. ed. São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1984, p. 9-10). “A graça de Deus não é graça barata; ela custa tudo que somos e que temos” (Helmut Thielicke, Mosaico de Deus, São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1968, p. 72).

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