Teologia da Evangelização (33)

2.4.3.2.2.2.3. Vocação eficaz: Da eternidade para eternidade em santidade (Continuação)

Jesus Cristo nas vésperas de sua morte, fala também da eternidade. Ele ora ao Pai a nosso favor:

24 Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste, para que vejam (qewre/w)(= percebam, considerem, contemplem, experimentem) a minha glória (do/ca) que me conferiste, porque me amaste antes da fundação do mundo. (Jo 17.24).

            Ele deseja que seus discípulos partilhem da sua glória eterna. A herança de nossa vocação sem dúvida envolve conhecer a Deus, por meio de Cristo, em sua plenitude da glória revelada.

            O nosso bem maior, a nossa herança está nos novos céus e nova terra criados pelo Senhor, cuja vida e grandeza estarão no Senhor que, com sua presença, comunica vida, alegria e paz a todos os seus habitantes. A nossa herança, a rigor falando, é o próprio Senhor Jesus Cristo.

1Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. 2 Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. 3 Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. 4 E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. 5 E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras. 6 Disse-me ainda: Tudo está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. Eu, a quem tem sede, darei de graça da fonte da água da vida. (Ap 21.1-6).

            Paulo, de olho na eternidade e nos sofrimentos presentes tão concretos, mesmo que não dispusesse de parâmetros definitivos, visto ainda estar neste estado de existência, dispunha de uma amostragem significativa do Reino (Rm 8.23). Assim, inspirado por Deus, afirma com alegre convicção: “Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não são para comparar com a glória por vir a ser revelada em nós” (Rm 8.18. Veja-se: 1Co 2.9).

    A comunhão eterna com Deus é a nossa maior herança:

Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, ao ponto de sermos chamados filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus. Por essa razão o mundo não nos conhece, porquanto não o conheceu a ele mesmo. Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque havemos de vê-lo como ele é. (1Jo 3.1-2).

Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados. (Rm 8.17).

É muito fácil perdermos a dimensão de nossa vocação por nos desviarmos de nosso chamado, tentando assumir o destino e trajeto de nossa vida em desconsideração do propósito de Deus.

            Por vezes, no desejo de sermos “práticos”, criando uma escala pessoal de valores e prioridades, perdemos a dimensão do transcendente, daquilo que confere sentido ao nosso hoje. Não há nada mais prático do que os ensinamentos da Palavra de Deus, inclusive no que diz respeito à vida eterna e à eternidade.

            Paulo instrui aos colossenses a que busquem as coisas do alto (Cl 3.1).[1] Isto não significa alienação. Antes, é na reflexão bíblica e reverente da eternidade que descobrimos o sentido da vida e da nossa vocação neste estado de existência.

            Portanto, a visão de nossa esperança já concretizada em Cristo, aguardada por nós pela fé, não nos aliena da realidade presente.

            Calvino, como mais tarde os puritanos, era apaixonado pela consideração da vida eterna, pela certeza de participar da glória de Deus na eternidade.

            Quanto ao anelo pela eternidade, orou:

Deus Todo-Poderoso, já que nossas vidas não passam de um momento, um mero nada e uma névoa, permite que aprendamos a lançar todos os nossos cuidados sobre Ti e de tal maneira dependermos do Senhor; que não duvidemos de que, quando for para nosso bem, o Senhor será nosso Libertador de todos os perigos que nos ameacem. Então, que também aprendamos a desprezar e ser indiferentes em relação às nossas vidas, especialmente em prol do testemunho de tua glória, para que estejamos prontos a partir assim que o Senhor nos chamar deste mundo. E que a esperança da vida eterna esteja tão arraigada em nossos corações, que possamos voluntariamente deixar o mundo e aspirar com toda nossa mente a bendita eternidade, a qual Tu testificas por meio do Evangelho, a qual está preparada para nós nos céus e a qual Teu Unigênito Filho conquistou para nós pelo Seu próprio sangue. Amém.[2]

Escreveu também:

A Glória de Deus deve ser-nos mais preciosa do que centenas de vidas. Não podemos ser testemunhas do Senhor se não pusermos de lado todo o nosso anseio pela vida, pelo menos até onde pudermos pôr a glória de Deus em primeiro lugar. Entrementes, precisamos observar que isso não pode ocorrer a menos que sejamos imbuídos da esperança de uma vida melhor. Pois quando a promessa da herança eternal não toma posse de nossos corações, não conseguimos separar-nos do mundo. Pois anelamos por viver, e esse anelo não nos pode ser arrebatado salvo se a fé o dominar.[3]

             Calvino foi um exemplo de homem que mesmo cercado de obstáculos e adversidades, procurava manter sua fé serena em Deus e em suas promessas. Um combustível eficaz à sua fé era a certeza escatológica da vitória de Cristo e a vida eterna da qual somos herdeiros. Por isso, estava sempre preparado para partir.[4] 

            No entanto, jamais o Reformador perdeu a dimensão de sua responsabilidade onde Deus o havia colocado. Pelo contrário, esteve totalmente comprometido com uma grande reforma espiritual, ética e social em Genebra que, depois, seria modelo de grandes reformas feitas pelos protestantes na Europa, Estados Unidos e em seus diversos campos missionários ao longo da história.[5]

            Jamais devemos perder de vista a herança preparada por Deus desde a eternidade para os seus filhos. Deus nos chamou à glória. Paulo ora neste sentido. Contudo, esta alegre expectativa não deve nos afastar de nossos compromissos no Reino, dentro da esfera que Deus nos coloca na história.[6] Somos chamados a viver a nossa fé agora, sabendo que somos forasteiros aqui, contudo, também devemos ser conscientes de que Deus nos chama a atuar aqui e agora com os valores celestiais, até que Ele mesmo dê como concluída a sua obra em nós e nos conduza à glória.

São Paulo, 05 de agosto de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa



[1]“Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai (zhte/w) as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus” (Cl 3.1). De fato, como somos peregrinos neste mundo, buscamos intensamente a cidade eterna: “Na verdade, não temos aqui cidade permanente, mas buscamos (e)pizhte/w) a que há de vir” (Hb 13.14).

[2]João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6,São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.24-25), p. 218-219.

[3]João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6,São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.19-20), p. 210. “Portanto, enquanto somos agraciados com o tempo, que apliquemos nossas mentes à meditação sobre a vida futura, para que possamos considerar o mundo como uma nulidade e, na medida em que houver necessidade, estejamos preparados para derramar nosso sangue em testemunho da verdade” (João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6,São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.19-20), p. 212).

[4]Veja a sua correspondência: John Calvin, To Madame de Coligny, “Letters,” John Calvin Collection, [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), nº 655.

[5]Veja-se: Hermisten M.P. Costa, João Calvino 500 anos: introdução ao seu pensamento e obra, São Paulo: Cultura Cristã, 2009.

[6] “Na Teologia Reformada, a ética não tem autonomia. Recebe toda sua substância e sua vida da teologia, da qual depende totalmente a este respeito. A ética não existe sem a teologia” (André Biéler, Calvino, o profeta de La era industrial: fundamentos y método de La ética calviniana de la sociedad, México, D.F.: Casa Unida de Publicaciones, 2015, p. 27).

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