Teologia da Evangelização (34)

2.4.3.2.2.3. Arrependimento 

Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos…., certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo arrependimento. – Martinho Lutero, Tese nº 1 das 95 Teses afixadas na Catedral de Wittenberg em 31.10.1517.

O arrependimento acontece no primeiro dia de nossa vida cristã, e todos os dias após isso. – Stuart Olyott.[1]  

Por vezes nos deparamos com uma mesma questão em assuntos e circunstâncias variadas: Por onde começar? Por onde começar a realizar as minhas tarefas de hoje? A resposta simples porém, irritante é: comece pelo início.

Como tratar de determinado assunto com nosso filho ou esposa? Por onde começar a arrumar e organizar o quarto de despejo? Creio que todos enfrentamos dúvidas assim com maior ou menor frequência. Por vezes, essas escolhas afetam bastante o tempo da realização das tarefas. Experimente começar a arrumar a parte de cima do guarda-roupa olhando as fotos da família naquele álbum que ali está…

          A mensagem do Evangelho, começa por qual ponto? Quem sabe, enfatizando a grandeza e importância do homem ou, sobre o amor e a graça maravilhosas de Deus…

          Ainda que alguns desses dentre tantos temas pudessem ser elencados, na realidade, o Evangelho começa por uma mensagem de separação. A sua afirmação é terrivelmente verdadeira: O homem está separado de Deus. Houve um rompimento. O homem seguiu o seu próprio caminho cujo fim é a morte.

          Ridderbos (1909-2007) resume:

O evangelho começa com a ideia da separação entre Deus e o homem e com a profunda angústia moral  na qual o homem se encontra diante de Deus. Essa perturbação é tão profunda e dominante por causa da culpa do homem diante de Deus. Devido a essa culpa, o homem, com toda a sua existência, corre o risco de ser entregue ao julgamento divino. Portanto, a redenção consiste na remissão de pecados, na comunhão entre Deus e o homem o qual é intrinsicamente pecador. Nesse caso, também, o evangelho contradiz todos os conceitos de libertação encontrados fora do cristianismo.[2]

A mensagem, portanto, é de reconciliação com Deus. A boa nova é o caminho proposto por Deus que consiste na necessidade de o homem se arrepender de seus pecados e crê no Evangelho, o que significa consentir pela fé, que a mensagem anunciada é a verdade de Deus.[3]

As Escrituras demonstram que não existe genuíno arrependimento sem fé. Ambas as operações do Espírito Santo ocorrem simultaneamente em nós. São dois aspectos complementares da mesma realidade: tristeza pelo pecado, abandono do pecado e um caminhar com fé em direção a Cristo.[4]

          Podemos tomar a sintética definição de arrependimento proposta por Grudem como satisfatória: “Arrependimento é uma sincera tristeza por causa do pecado, é renunciá-lo e comprometer-se sinceramente a abandoná-lo, e prosseguir obedecendo a Cristo”.[5]

Nova visão a respeito de Deus

          A primeira evidência de nosso arrependimento é uma nova visão a respeito de Deus e de seu caráter. Pelo arrependimento podemos constatar, com vergonha e tristeza, que a essência de todo pecado é que ele é contra Deus. Ou seja: Antes de o pecado ser contra o nosso próximo, é uma grave ofensa a Deus. Somente pelo arrependimento poderemos perceber a santa majestade de Deus.[6]

          Ainda que muitos de nossos atos sejam justificados cultural e socialmente, se não forem condizentes com a Palavra, serão atos maus diante de Deus.      Por isso,  Davi, no alto de seu prestígio e poder, arrependido, teve que confessar a Deus o seu pecado que culminou com seu adultério com Bate-Seba e a morte de Urias (2Sm 11): “Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mal ([r;)(ra`) perante os teus olhos, de maneira que serás tido por justo no teu falar e puro no teu julgar” (Sl 51.4).

          O terrível é que muitas vezes usamos dos recursos que Deus nos dá justamente para ofendê-lo, blasfemando o seu nome. Esta é a acusação feita por Deus a Israel: “Adestrei e fortaleci os seus braços; no entanto, maquinam ([r;)(ra`) contra mim” (Os 7.15).

          Como Deus não é indiferente ao pecado, ao povo rebelde, ordena: “Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade ([;ro) (roa`)de vossos atos de diante dos meus olhos; cessai de fazer o mal ([[;r‘) (ra`a`)(Is 1.16).

Outro aspecto que quero destacar é que a consciência da gravidade do pecado aumenta se considerarmos corretamente a santidade absoluta de Deus, o ofendido.[7] A partir desta relação restabelecida com Deus é que começamos a enxergar a realidade – incluindo a nós mesmos em nossa pecaminosidade –, de forma diferente. Isto fará mudar a nossa forma de pensar e agir.

Mais próximos de Deus e em correta relação com Ele, começamos a perceber a terrível descrição que as Escrituras fazem da realidade e, por conseguinte, daquilo que somos.

São Paulo, 12 de agosto de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Stuart Olyott, Jonas – O Missionário bem sucedido que fracassou, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2012, p. 45

[2] Herman Ridderbos, A Vinda do Reino,  São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 161. À frente: “O ponto de partida do evangelho não é o valor, mas a culpa do homem; e a redenção não é a preservação da alma como parte imperecível e mais importante do homem, mas sim a salvação da totalidade da existência humana no julgamento final” (p. 164). Veja-se: C.S. Lewis, Peso de Glória, 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 44.

[3] “Crer no Evangelho nada mais é do que consentir com as verdades que Deus revelou” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1,  (Jo 3. 32), p. 147).

[4] Veja-se:  John Frame, Teologia Sistemática,  São Paulo: Cultura Cristã, 2019, v. 2, p. 310-311.

[5]Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática,São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 596. Uma definição mais detalhada, temos em Erickson: “O arrependimento é a tristeza verdadeira de uma pessoa pelos seus pecados acompanhada da resolução de se afastar deles. Há outras formas de uma pessoa sentir pesar pelos seus erros, cujas motivações são diferentes. Se pecamos e as consequências são desagradáveis, pode ser que sintamos remorso pelo que fizemos, mas isso não é verdadeiro arrependimento. É mera penitência. O verdadeiro arrependimento é a tristeza da pessoa pelo que seu pecado fez contra Deus e pelo mal a ele infligido. Essa tristeza é acompanhada de um desejo genuíno de abandonar o pecado. Há pesar pelo pecado, mesmo que o pecador não tenha sofrido qualquer consequência pessoal por causa dele” (Millard J. Erickson, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 908).

[6] Veja-se: D. Martyn Lloyd-Jones,  Deus o Espírito Santo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1998, p. 175.

[7]“A seriedade do insulto aumenta com a dignidade daquele que é insultado” (John Piper, A Paixão de Cristo, São Paulo: Mundo Cristão, 2006, p. 22). “A santidade é, sem dúvida, o mais importante de todos os atributos de Deus” (John MacArthur, Deus: Face a face com sua majestade, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2013, p. 47).

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