Teologia da Evangelização (131)

4.3.2.1.4.3. A Posição Bíblico-Reformada (Continuação)

Ainda que os Reformadores do século XVI tenham aceitado a decisão de Calcedônia, houve uma diferença entre eles quanto a alguns detalhes que não eram de somenos importância, mas que escapam em muito ao escopo destes estudos.

Calvino (1509-1564) foi o Reformador que mais de perto seguiu o pronunciamento de Calcedônia. Escreveu:

Com efeito, que se diz o Verbo haver-Se feito carne (Jo 1.14), não se deve assim entender que se haja sido Ele ou convertido em carne, ou confusamente misturado à carne; ao contrário, porque no ventre da Virgem para Si escolheu um templo em que habitasse, e Aquele Que era o Filho de Deus Se fez o Filho do Homem, não mediante confusão de substância, mas mercê de unidade de pessoa. Pois, na verdade, afirmamos ser a Divindade assim associada e unida à humanidade que a cada natureza permaneça integral sua propriedade e, todavia, dessas duas constitua um Cristo único.[1]
Se é possível encontrar alguma coisa  que se assemelhe ao mistério da encarnação, a comparação com o homem é sempre apropriada. O que vemos é que o ser humano é composto de duas naturezas, sendo, porém, que uma não se mistura com a outra, cada qual retendo a sua propriedade, porque a alma não é corpo, e o corpo não é alma. Claro está que o que particularmente se diz da alma não se pode convenientemente dizer do corpo, e, paralelamente, o que se diz do corpo não pode ser dito com propriedade da alma; quanto ao homem, dele não se pode dizer o que é próprio do corpo ou da alma, separadamente dele. Finalmente, as coisas que em particular são pertencentes à alma, são transmitidas ao corpo, e as do corpo à alma, reciprocamente. Entretanto, a pessoa assim composta dessas duas substâncias é um só homem, e não muitos. Tal maneira de falar significa que há no homem uma natureza composta de duas unidades, e que, todavia, há diferença entre ambas. A Escritura fala dessa forma de Jesus Cristo. Algumas vezes Lhe atribui o que só pode ser reportado à humanidade; algumas vezes o que pertence especificamente à divindade; algumas vezes o que se aplica conjuntamente às duas naturezas unidas, e não somente a uma delas. E até exprime tão diligentemente a união das duas naturezas existentes em Jesus Cristo, que comunica a uma o que pertence à outra  –  maneira de falar à qual os antigos doutores davam o nome de comunicação de propriedades.[2]

          Também as Confissões Reformadas, seguiram a mesma interpretação de Calcedônia, apresentando obviamente novas contribuições que esclareciam certas questões da época.[3]

          A Confissão de Westminster (1647), a mais madura Confissão Reformada, declara:

O Filho de Deus, a segunda Pessoa da Trindade, sendo verdadeiro e eterno Deus, da mesma substância do Pai e igual a Ele, quando chegou o cumprimento do tempo, tomou sobre si a natureza humana com todas as suas propriedades essenciais e enfermidades comuns, contudo sem pecado, sendo concebido pelo poder do Espírito  Santo no ventre da Virgem Maria, e da substância dela. As duas naturezas, inteiras, perfeitas e distintas – a Divindade e a Humanidade – foram inseparavelmente unidas em uma só pessoa, sem conversão, composição ou confusão; essa pessoa é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, porém um só Cristo, o único Mediador entre Deus e o homem. (Capítulo VIII.2).

          Do mesmo modo, o Catecismo Menor de Westminster (1647):

         21. Quem é o Redentor dos eleitos de Deus?

O único Redentor dos eleitos de Deus é o Senhor Jesus Cristo, que, sendo o eterno Filho de Deus, se fez homem, e assim foi e continua a ser Deus e homem em duas naturezas distintas, e uma só pessoa, para sempre.[4]

         22. Como Cristo, sendo o Filho de Deus, se fez  homem?

Cristo, o Filho de Deus, fez-se homem tomando um verdadeiro corpo e uma alma racional, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre da virgem Maria, e nascido dela, mas sem pecado.[5]         

Maringá, 23 de novembro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] J. Calvino, As Institutas, II.14.1.

[2]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.4), p. 72.

[3] Vejam-se, por exemplo: Catecismo de Heidelberg, Pergs. 35 e 48; A Segunda Confissão Helvética,  Cap. XI; A Confissão Escocesa, Cap. VI; A Confissão Belga, Arts. 9,10,18,19.

[4] Mesmo teor da  Perg. 36  do Catecismo Maior.

[5] Mesmo teor da  Perg. 37  do Catecismo Maior.

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