Teologia da Evangelização (187)

5.5. Devemos estar preparados para defender e confirmar o Evangelho

O cristão (…) jamais pode olhar a verdade com apatia ou desdém. Pelo contrário, ele preza e valoriza a verdade como reflexo do próprio Deus.  ‒ William L. Craig.[1]

Não devemos cometer o erro de fazer da evangelização uma inimiga da teologia e do discipulado um inimigo da erudição edificante. ‒ John Piper.[2]

Ainda que a apologética e o evangelismo sejam conceitos diferentes, não podem existir isolados um do outro. (…) Somos chamados a ser apologistas e evangelistas. Confrontar o erro é proclamar a verdade e vice-versa. ‒ Nathan Busenitz.[3]

Os crentes são chamados por Deus para desenvolver suas mentes para o propósito da guerra intelectual e o processo educacional provê um mecanismo chave para ajudar o cristão comprometido que deseja obedecer a esse mandado. – John A. Hughes.[4]

                                    A nossa fé é sempre um transpirar de nossa teologia. A nossa teologia fundamenta e educa a nossa fé. [5] A fé experienciada, ilustra de modo decisivo a teologia que seguimos e a fortalece em suas convicções bíblicas. Por sua vez, uma teologia não possível de ser experimentada, quer em sua essência, quer em seus efeitos, não é uma teologia genuinamente bíblica. Revelação é o Deus pessoal em ação se dando a conhecer, possibilitando o nosso falar e vivenciar a partir do que conhecemos dele.

            A fé é um diálogo responsivo à graça, iniciado e possibilitado pela graça. Fé é graça; maravilhosa graça! Pela graça Deus nos torna seu povo; pela graça, respondemos professando a fé de que Ele é o nosso Deus e Pai. (Os 2.23; Zc 13.9/Sl 27.8; Rm 8.15-16). Na obediência professamos a nossa a nossa teologia de fé.

            Devido à própria revelação, a linguagem usada para Deus tem um caráter relacional, mostrando um Deus que se relaciona com o seu povo na história.[6] Deus não é apenas um princípio absoluto. É uma Pessoa Absoluta que se revela. Aliás, é a partir do relacionamento de Deus com a Criação em geral e com o homem em especial, que torna possível a teologia.

            A teologia como a sistematização do que nos foi revelado na Palavra, visa tornar mais compreensível a plenitude da revelação.[7]  Ela, portanto, nada tem a dizer além das Escrituras. A teologia não a substitui nem a completa, antes, deve ser a sua serva. A teologia brota dentro da intimidade da fé daqueles que cultuam a Deus e comprometem-se com a edificação da igreja. A teologia tem a ver, portanto, com o nosso pensar, falar e viver. Desse modo, a teologia sempre será demonstrativa existencialmente.     .   

            Desse modo, devemos entender com Piper, que “a teologia robusta, em vez de obstruir a prática do ministério, enriquece-o, visto que a prática do ministério aprimora e aumenta a apreciação de alguém pela teologia”.[8]

A Teologia Sistemática funciona como boias (ou se preferirem, faróis) que servem para guiar, sinalizar e orientar o pregador na elaboração do seu sermão.[9]

A Palavra de Deus é um todo orgânico que se harmoniza. Todavia, esta compreensão só será possível por intermédio do seu estudo sistemático. O estudo da Teologia Sistemática – aliado obviamente à leitura e meditação das Escrituras –, ajuda-nos nesse processo de conhecimento global, já que a harmonia da revelação de Deus está presente em todas as páginas da Bíblia.

Por isso o pregador terá melhores condições de entender o texto que servirá de base para o seu sermão, recorrendo à exegese, à história bíblica e à Teologia Bíblica e Sistemática, tendo uma visão mais clara do que as Escrituras nos ensinam a respeito daquele passo sagrado.

Chapell define exegese como “o processo mediante o qual os pregadores descobrem as definições e as distinções gramaticais das palavras num texto”.[10]

MacArthur enfatiza: “Ninguém tem o direito de ser um teólogo se não for um exegeta”.[11] Notemos que esta é uma grande responsabilidade. Por isso – devido à necessidade que temos de ensinar com precisão a Palavra de Deus –, o mestre deve ter cuidado  e zelo com o que ensina.[12]

            A Confissão de Westminster (1647), conforme vimos, expressa bem este conceito ao dizer, no Capítulo 1, seção 9:

A regra infalível de interpretação da Escritura é a mesma Escritura; portanto, quando houver questão sobre o verdadeiro e pleno sentido de qualquer texto da Escritura (sentido que não é múltiplo, mas único), esse texto pode ser estudado e compreendido por outros textos que falem mais claramente. (Mt 4.5-7; 12.1-7).

            Lloyd-Jones (1889-1981) captou bem esta ideia.

            Em 1969, nas conferências que realizava no Seminário Teológico Westminster, Jones demarca bem a questão, dizendo que a pregação deve ser sempre teológica mas, ao mesmo tempo, não deve consistir em “preleções sobre teologia”.[13] Por outro lado, nos adverte para o perigo de tentarmos impor as nossas ideias[14] e nossa “teologia sistemática” a textos particulares, forçando assim o texto a dizer o que não diz.[15]

            Entre uma linha demarcatória e outra, resume:

O pregador deveria ser bem versado em teologia bíblica, a qual, por sua vez conduz à teologia sistemática. Para mim, nada é mais importante para um pregador do que o fato que ele deveria estar de posse da teologia sistemática, conhecendo profundamente e estando bem arraigado nela. Essa teologia sistemática, esse corpo de verdades derivadas das Escrituras, sempre deve fazer-se presente como pano de fundo e influência controladora da pregação. Cada mensagem, que provém de algum texto ou declaração específica das Escrituras, sempre deve fazer parte ou ser um aspecto desse conjunto total da Verdade. Jamais será algo isolado, jamais será algo separado ou desvinculado. A doutrina que houver em qualquer texto específico, nunca deveríamos olvidar, faz parte desse conjunto maior – a Verdade ou a Fé. Esse é o significado da frase “comparando Escritura com Escritura”. Não podemos manipular nenhum texto isolado; toda a nossa preparação de um sermão deveria ser controlada por esse pano de fundo de teologia sistemática (…). O emprego correto da teologia sistemática consiste em que, quando descobrimos alguma doutrina específica no texto selecionado, nós averiguamos e controlamos, assegurando-nos de que ela cabe dentro de todo esse corpo de doutrinas bíblicas que é vital e essencial.[16]    

Maringá, 11 de março de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] William L. Craig,  Apologética Cristã para Questões difíceis da vida, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 11.

[2] John Piper: In: John Piper; D.A Carson, O Pastor Mestre e O Mestre Pastor, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 15.

[3] Nathan Busenitz, A Palavra da Verdade em um mundo de erro: Fundamentos da apologética Cristã: In: John MacArthur, et. al. Evangelismo: compartilhando o Evangelho com fidelidade,  São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2012, p. 66,67.

[4] John A. Hughes, Por que Educação Cristã e não Doutrinação Secular?: In: John F. MacArthur, Jr. ed. ger. Pense Biblicamente!: recuperando a visão cristã do mundo, São Paulo: Hagnos, 2005, p. 377.

[5]Henry escreveu com propriedade: “Sem diretrizes doutrinárias claras e críveis, a experiência cristã definha em convicção, da mesma forma que o assentimento doutrinal vazio de apropriação pessoal resulta no empobrecimento espiritual”  (Carl F.H. Henry, O Resgate da Fé Cristã,  Brasília, DF.: Monergismo, 2014, p. 25). “Todo esforço de falar em sentido dogmático a respeito de Deus apenas com base na percepção sensorial ou na experiência humana é vulnerável e malfadado” (Carl F.H. Henry, O Resgate da Fé Cristã, p. 60).

[6] Cf. Terence Fretheim, Javé: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 4, p. 740-741; Gottfried Quell, ku/rioj, etc.: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament,8. ed. Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., (reprinted) 1982, v. 3, p. 1062-1063.

[7]“A teologia representa a tentativa humana de colocar ordem nas ideias das Escrituras, organizando-as e ordenando-as para que a relação mútua entre elas possa ser melhor entendida” (Alister McGrath, Teologia para Amadores, São Paulo: Mundo Cristão, 2008, p. 32). “A teologia consiste em associar muitas passagens sobre diversos assuntos e organizá-las em um conjunto inteligível” (Gordon H. Clark, Em Defesa da Teologia, Brasília, DF.: Monergismo, 2010, p. 20). “A tarefa imperativa do teólogo dogmático é pensar os pensamentos de Deus de acordo com ele e estabelecer sua unidade. Sua tarefa não termina até que ele tenha absorvido mentalmente essa unidade e a tenha demonstrado em uma dogmática. Sendo assim, ele não vai à revelação de Deus com um sistema pronto para, da melhor forma que puder, forçar o conteúdo da revelação a encaixar-se  dentro dele. Pelo contrário, até mesmo em seu sistema, a única responsabilidade do teólogo é pensar os pensamentos de Deus de acordo com ele e reproduzir a unidade que está objetivamente presente nos pensamentos de Deus e foi registrada para o olhar da fé na Escritura. Essa unidade que existe no conhecimento de Deus contido na revelação não está aberta a dúvidas: recusar-se a reconhecê-la seria cair no ceticismo, na negação da unidade de Deus” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 44). Vejam-se algumas observações críticas quanto a esse tipo de definição em John Frame, Teologia Sistemática,  São Paulo: Cultura Cristã, 2019, v. 1, p. 55-59.

[8]John Piper: In: John Piper; D.A Carson, O Pastor Mestre e O Mestre Pastor, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 15.

[9] Fiquei satisfeito ao ler em Barth, advertência semelhante: “Os dogmas são como boias, postes indicadores que assinalam a boa direção. Não é preciso fazer uma exposição dos dogmas nem expor seu conteúdo teológico, senão deixar-se guiar por eles” (Karl Barth, La Proclamación del Evangelio, Salamanca: Ediciones Sigueme, 1969, p. 87).

[10] Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 113.

[11]John F. MacArthur Jr., Princípios para uma Cosmovisão bíblica: Uma mensagem exclusivista para um mundo pluralista,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 50. “Se não nos propusermos a ser estudantes de língua e literatura além de teologia, sempre seremos limitados na capacidade de ‘manejar bem a palavra da verdade’.” (Andreas J. Köstenberger; Richard D. Patterson, Convite à interpretação bíblica: A tríade hermenêutica, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 580). “Não haverá um pregador verdadeiro, se tudo o que ele disser não estiver fundamentado em exatidão exegética. Pecamos quando pregamos aquilo que achamos que as Escrituras afirmam, e não pregamos o seu verdadeiro significado. Também pecamos quando pregamos os pensamentos que a Palavra desperta em nosso intelecto e não aquilo que a Palavra realmente declara. Um arauto é um traidor, se não transmite exatamente o que o Rei diz” (Stuart Olyott, Pregação pura e simples, São José dos Campos, SP.: Fiel, © 2010, 2012 (Reimpressão), p. 29).

[12]“Pastores precisam lembrar-se desde o início de que quando eles vão para o púlpito, estão lá para explicar a Palavra do Deus vivo com clareza e precisão, não para impressionar as pessoas com sua inteligência ou para entretê-las com opiniões humanas” (John MacArthur, Por que ainda prego a Bíblia após quarenta anos de ministério: In: Mark Dever, ed., A Pregação da Cruz, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 140).

[13]Do mesmo modo, Barth nos instruindo sobre o caráter confessional da pregação, acrescenta: “Não se trata, naturalmente, de pregar as confissões de fé, senão de ter como meta e limite de nossa mensagem a confissão da Igreja, de colocar-nos onde se coloca a Igreja” (Karl Barth, La Proclamación del Evangelio, p. 41).

[14] “Nenhum homem tem o direito de impor suas opiniões pessoais, por mais firmes que sejam elas, chamá-las de ‘verdades essenciais da razão’ e fazer delas fonte ou teste das doutrinas cristãs” (Charles Hodge, Teologia Sistemática, p. 8).

[15]David M. Lloyd-Jones, Pregação & Pregadores, São Paulo: Fiel, 1984, p. 48. No dia 6 de outubro de 1977, no Discurso proferido na inauguração do Seminário Teológico de Londres, Jones, ratificaria o seu pensamento:

            “A teologia não é uma prisão, ou algo que acorrenta o homem; antes, deve-se pensar nela em termos daquilo que o esqueleto, a estrutura óssea do corpo humano, é para o corpo. Ou se preferirem, a teologia pode ser comparada com o conjunto de andaimes que se arma quando se está construindo um grande edifício. A teologia terá que estar presente, se é que você deva ter uma boa pregação, porém não a deverá pregar de maneira esquemática ou estrutural. Ela está ali para dar corpo ao sermão e para livrar você de dizer algo errôneo ou de extraviar-se”  (D.M. Lloyd-Jones, Uma Escola Protestante Evangélica: In: Discernindo os Tempos,p. 389).          

            Advertência semelhante encontramos em Helmut Thielicke:

            “A Teologia pode ser uma fria camisa de ferro que nos esmaga, e nos congela até a morte. Pode ser também – para isto ela existe – a consciência da congregação cristã, sua bússola, e o canto de louvor das ideias” (H. Thielicke, Recomendações aos Jovens Teólogos e Pastores,São Paulo: Sepal, 1990, p. 61-62). Acrescentaria que a Teologia deve ser “a consciência da congregação cristã” norteada pela Palavra.

[16]David M. Lloyd-Jones, Pregação & Pregadores,p. 48,49.

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