Teologia da Evangelização (198)

5.7. Devemos ter consciência de que o nosso trabalho depende inteiramente do Espírito da Graça de Deus (Continuação)

Deus de nada precisa, porém, graciosamente se vale de seus servos

            Deus de que e de quem nada precisa, nos envolve alegremente nos constituindo em seu povo e, como tal, nos envia a anunciar o Evangelho que também nos alcançou, a outras pessoas porque foi assim que Ele determinou constituir a sua Igreja. Isso é incomensurável.

            Paulo fala aos efésios: A mim, o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de pregar aos gentios o evangelho das insondáveis riquezas de Cristo” (Ef 3.8). Que maravilhosa graça Deus nos concede. O que poderíamos desejar mais do que sermos envolvidos nesse plano glorioso e majestoso de Deus?

            Mesmo Deus sendo soberano no uso de seus meios para atingir o coração do homem, o chamando eficazmente, Ele opera ordinariamente por intermédio da pregação da Palavra, se valendo de pessoas pecadoras como nós.

            Portanto, seguindo Bannerman (1807-1868), “não há dúvida de que as Escrituras apresentam a glória de Deus como o grande objetivo do estabelecimento de uma igreja no mundo, na salvação dos pecadores, por meio da proclamação do Evangelho”.[1]

            Calvino resume bem esse ponto: “A pregação externa dos homens é o instrumento pelo qual Deus nos atrai à fé. Segue-se que Deus é, estritamente falando, o Autor da fé e os homens são os ministros por meio de quem cremos, como nos preceitua Paulo [1Co 3.5]”.[2]

A igreja prega e o Senhor a faz crescer

            No livro de Atos, constatamos que, enquanto o povo de Deus pregava a Palavra e vivia o Evangelho, o Senhor fortalecia a sua Igreja e chamava eficazmente os seus:

Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos. (At 2.46-47). E crescia mais e mais a multidão de crentes, tanto homens como mulheres, agregados ao Senhor. (At 5.14) Crescia (au)ca/nw) a palavra de Deus, e, em Jerusalém, se multiplicava o número dos discípulos; também muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé. (At 6.7). A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número. (At 9.31).

            Tiago fora martirizado e Pedro miraculosamente liberto. A Igreja continuava perseguida… “Entretanto, a palavra do Senhor crescia (au)ca/nw) e se multiplicava” (At 12.24). “Assim, a palavra do Senhor crescia (au)ca/nw) e prevalecia poderosamente” (At 19.20).

            Atos, indicando o crescimento da Igreja de Deus, termina falando da prisão e pregação de Paulo em Roma:

Por dois anos, permaneceu Paulo na sua própria casa, que alugara, onde recebia todos que o procuravam, pregando o reino de Deus, e, com toda a intrepidez, sem impedimento algum, ensinava as coisas referentes ao Senhor Jesus Cristo. (At 28.30-31).

O Senhor Jesus em certa ocasião contou esta parábola aos seus discípulos:

26Disse ainda: O reino de Deus é assim como se um homem lançasse a semente à terra; 27 depois, dormisse e se levantasse, de noite e de dia, e a semente germinasse e crescesse, não sabendo ele como. 28 A terra por si mesma frutifica: primeiro a erva, depois, a espiga, e, por fim, o grão cheio na espiga. 29 E, quando o fruto já está maduro, logo se lhe mete a foice, porque é chegada a ceifa. (Mc 4.26-29).

             “Dormisse e se levantasse, de noite e de dia” (Mc 4.27). A ideia do texto, é de apresentar uma rotina, na qual o homem labuta diariamente fazendo o seu trabalho: dorme, acorda, trabalha durante o dia, dorme à noite. Os verbos para dormir e acordar estão no tempo presente, indicando uma ação progressiva: dormindo e acordando.

            Kistemaker (1930-2017) comenta:

Não devemos pensar que o fazendeiro passe seu dia ociosamente. Naturalmente que não; ele tem trabalho pesado para ser feito. Lavrar a terra, fertilizá-la e limpá-la das ervas daninhas toma muito do seu tempo. Além das tarefas diárias, ele tem que cuidar das compras e das vendas, planejar e preparar a colheita. Tudo isso está subentendido e dado como certo na parábola. Observamos, também, que Deus providenciará a chuva necessária. Ele controla os elementos da natureza.[3]

            A ênfase no texto original é no “como” (27):“como, ele não sabe”. A nossa ignorância não obstrui, não interrompe o processo de crescimento da semente. Ainda que a consciência e compreensão dos fenômenos sejam de grande relevância: ninguém está propondo aqui um obscurantismo teológico-eclesiológico-espiritual. Mas, a minha compreensão não exaure a realidade nem delimita os seus efeitos. As ditas ciências têm experimentado isso com bastante intensidade em nossa época.

            Podemos descrever o processo de germinação, mas não sabemos explicá-lo. O semeador “é apenas um trabalhador que no tempo certo semeia e colhe. Deus guarda o segredo da vida. Deus mantém o controle”, resume Kistemaker.[4]

            Agostinho (354-430 A.D) explora a figura:

Um agricultor humano cultiva a sua vinha até esse ponto: ara, limpa, emprega outros meios pertencentes ao trabalho agrícola; mas fazer chover sobre sua vinha, ele não pode. E se pode irrigar, pelo poder de quem o pode? Ele, com efeito, abre o canal para o rio, mas é Deus que enche a fonte. Enfim não pode fazer crescer os sarmentos em sua vinha, não pode formar os frutos, não pode modificar as sementes, não pode determinar o tempo do nascimento. Deus, porém, que pode tudo isso, é nosso agricultor; fiquemos tranquilos.[5]

 

Maringá, 19 de março de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]James Bannerman, A Igreja de Cristo – Um tratado sobre a natureza, poderes, ordenanças, disciplina e governo da Igreja Cristã, Recife, PE.: Editora os Puritanos, 2014, p. 77.

[2]João Calvino, Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2015, v. 2, (Jo 17.20), p. 199.

[3]S. J. Kistemaker, As Parábolas de Jesus,São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992, p. 54.

[4]S. J. Kistemaker, As Parábolas de Jesus, p. 54. “O reino é criação de Deus. Ele está construindo de acordo com seus próprios planos e agenda. Pessoas são convidadas a recebê-lo; homens e mulheres recebem ordens de semear; mas Deus detém o controle sobre o crescimento” (Dewey M. Mulholland, Marcos: introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova, © 1978, (Mc 4.26-29), p. 86).

[5]Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, 1997, v. 1, (Sl (65) 66.1), p. 362.

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