Teologia da Evangelização (199)

5.7. Devemos ter consciência de que o nosso trabalho depende inteiramente do Espírito da Graça de Deus (Continuação)

            Portanto, em uma época em que se privilegiam estratégias, metodologias e estatísticas – não que elas sejam más em si –, podemos dizer de passagem que todo pacote fechado a respeito de fundação e crescimento de igreja, culturais e transculturais, em geral recheado de vídeos e experiências pessoais divulgados freneticamente nas mídias sociais, deve ser olhado com a máxima desconfiança.

            Em qualquer método e estratégia deve haver sempre o sentimento de “ignorância”, limitação e dependência. No que se refere ao Reino: a ignorância é douta e o suposto total conhecimento é loucura. A “loucura” do método de Deus é sabedoria e a nossa pretensa sabedoria é louca pretensão autônoma (1Co 1.18-25).[1] A sabedoria cristã consiste em seguir perseverantemente a “loucura” de Deus.

            A obra é de Deus: Não podemos apressá-la. Há um crescimento natural fruto da providência de Deus. Por isso, a semente germina, cresce, frutifica, dando a erva, depois a espiga e finalmente o grão cheio de espiga (Mc 4.27-29).

            O texto diz que “a terra por si mesma (au)to/matoj)[2] frutifica” (28). A ideia do texto é de mostrar que a “semente” tem uma maneira própria, peculiar, que precisamos respeitar e aguardar.[3] O Reino se faz presente tanto na semente como na colheita. É preciso aprender a ver o Reino em suas etapas próprias nos alegrando nelas.

            Desta forma, podemos dizer que:

Os homens podem receber o reino (Mc 10.15; Lc 18.17); mas, não podem estabelecê-lo. O Reino não é criação humana, é de Deus.

Os homens podem recusar-se a entrar nele (Mt 23.13); porém, não podem destruí-lo.

Podem esperá-lo, orar por sua vinda e buscá-lo (Lc 23.51; Mt 6.10, 33); contudo, não podem trazê-lo.

            Deus não é somente o autor do Reino é também Aquele que lhe dá crescimento: “Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus. De modo que nem o que planta é alguma cousa, nem o que rega, mas Deus que dá o crescimento”(1Co 3.6).

(Desenvolverei mais este assunto quando tratar dos presbíteros e do crescimento da igreja)

            Portanto, toda a glória pertence ao Senhor que se digna em agir ordinariamente por meio de seus servos fiéis.[4]

            “O reino é de todo obra de Deus ainda quando opera em e através dos homens”, enfatiza Ladd (1911-1982).[5]

            Percebamos então a grandeza do Evangelho, a responsabilidade e a necessidade de humildade e senso de privilégio daquele que o proclama. Desse modo, exorta Calvino: “Quando subimos ao púlpito, não é para trazer nossos sonhos e fantasias”.[6] Deus como Autor do Evangelho e da pregação, deseja falar e ser ouvido por intermédio de seus servos. Ele amorosamente fala nos atraindo para si.

            O Evangelho é a publicação da graça plenificada em Cristo. Em Cristo temos a suma do Evangelho. A revelação aberta de Deus.[7]Portanto, crer no Evangelho significa consentir com mensagem revelada de Deus.[8]

            Por sua vez, diz o Senhor Jesus: “Quem me rejeita (a)qete/w) (negar,[9]aniquilar,[10] anular,[11] revogar)[12] e não recebe (lamba/nw) as minhas palavras tem quem o julgue; a própria palavra que tenho proferido, essa o julgará no último dia”(Jo 12.48).

            A rejeição a Cristo já estabelece o julgamento. O não receber envolve o receber outra palavra, outra direção oposta. Não há sínteses possíveis aqui.

            Quem rejeita o Filho, do mesmo modo, renega o Pai: “Quem vos der ouvidos ouve-me a mim; e quem vos rejeitar (a)qete/w) a mim me rejeita (a)qete/w); quem, porém, me rejeitar (a)qete/w) rejeita (a)qete/w) aquele que me enviou” (Lc 10.16).

            Os discípulos por crerem no Filho creram também no Pai. Eles receberam o Enviado e quem o enviou. Em Jesus vemos o Pai em sua manifestação máxima. O próprio Senhor afirma: “Quem vos der ouvidos ouve-me a mim; e quem vos rejeitar a mim me rejeita; quem, porém, me rejeitar rejeita aquele que me enviou (a)poste/llw)(Lc 10.16).

            Paulo, consciente da procedência do evangelho recebido e da sua honestidade para com a essa mensagem, insiste no ponto de que rejeitar a mensagem por ele anunciada, é o mesmo que rejeitar a Deus, o seu Autor (1Ts 2.13-14; 4.8);[13] ela deve ser entendida como a Palavra de Deus para nós.[14]

Maringá, 19 de março de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “Os homens nunca aclamaram o Evangelho como uma obra-prima de sabedoria. Para o homem natural, ele não faz sentido” (Leon Morris, 1Coríntios: introdução e comentário, São Paulo:  Vida Nova; Mundo Cristão, 1981, (1Co 1.21), p. 36).

[2] Automaticamente. A palavra denota um fato ocorrido sem uma ajuda externa ou causa visível. A palavra aparece somente aqui e em At 12.10, indicando o portão que se abre “automaticamente” quando Pedro é conduzido pelo anjo para fora da prisão.

[3]Alexander B. Bruce, The Synoptic Gospels: In: W. Robertson Nicoll, ed. The Expositor’s Greek Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 1, in loc. p. 368.

[4]“Toda a glória é atribuída ao Senhor, mas o trabalho honesto não é menosprezado” (C.H. Spurgeon, Conselhos para Obreiros, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 102).

[5]G.E. Ladd, Reino de Deus: In: E.F. Harrison, ed. Diccionario de Teologia, Michigan: TELL., 1985, p. 450b.

[6] John Calvin, Sermon Dt 1.16-18 (Sermão 4): In: Herman J. Selderhuis, ed. Calvini Opera Database 1.0, Netherlands: Instituut voor Reformatieonderzoek, 2005, v. 25), col. 646.

[7]Veja-se: João Calvino, Exposição de Segundo Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 3.18), p. 78.

[8] Veja-se: João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3. 32), p. 147.

[9] Mc 6.26.

[10] 1Co 1.19.

[11] Gl 2.21; 1Tm 5.12.

[12] Gl 3.15.

[13] “Dessarte, quem rejeita (a)qete/w) estas coisas não rejeita (a)qete/w) o homem, e sim a Deus, que também vos dá o seu Espírito Santo” (1Ts 4.8).

[14] Veja-se: J. Calvino, As Institutas, I.9.3. “Quando os homens falam, não o devem fazer em seus próprios nomes, nem formular nada que seja de sua vã imaginação e de seu cérebro, mas têm que fielmente apresentar aquilo que Deus lhes determinou e deu em incumbência. (…) Se alguém se introduz para falar no próprio nome, nada há nesse, senão precipitação, pois toma sobre si o que pertence a Deus somente” (João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 25).

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