Teologia da Evangelização (114)

3.4.2.2.3. Fidelidade, Perseguição, Crescimento e Consolo (Continuação)

Antes de 313, quando o Imperador Constantino (c. 274-337) promulgou a liberdade de culto pelo Édito de Milão (313), no qual declarava o fim das perseguições aos cristãos e a restituição de suas propriedades,[1] o Cristianismo como religião “subversiva”, realizava as suas reuniões secretamente; agora, os cristãos dispõem de templos[2] e podem adorar publicamente.

          Eusébio de Cesaréia, no início do quarto século, descreve o trabalho dos Evangelistas:

Efetivamente, muitos dos discípulos de então, feridos em suas almas pela palavra divina (…) logo empreendiam viagem e realizavam obra de evangelistas, empenhados em pregar a todos os que não haviam ouvido a palavra da fé e em transmitir por escrito os evangelhos divinos.[3]

          Os crentes comuns tornaram-se grandes missionários por meio de seu testemunho.

          Harnack (1851-1930) escreve:

Os missionários mais numerosos e bem-sucedidos da religião cristã não foram os mestres, mas os cristãos comuns, por causa de sua lealdade e coragem (…). Era característica dessa religião que todos que confessassem a fé se dedicassem ao serviço de sua propagação (…). Não podemos hesitar em crer que a grande missão do cristianismo foi, na realidade, realizada por meio dos missionários informais.[4]

          Mesmo com uma história de discriminação, perseguição e martírio, o Cristianismo cresceu. Em 330, Constantino inaugurou a cidade de Constantinopla transferindo a capital de Roma para a nova cidade. Numa carta a Eusébio, bispo de Cesaréia, Constantino pedindo com urgência a preparação de 50 Bíblias para a nova capital, revela algo a respeito do crescimento do número de cristãos e de igrejas:

Com a ajuda da providência de Deus, nosso Salvador, são muitíssimos os que se hão incorporado à santíssima Igreja na cidade que leva o meu nome. Parece, pois, mui conveniente que, respondendo ao rápido progresso da cidade sob todos os aspectos, se aumente também o número de Igrejas.[5]

          O Cristianismo tornara-se popular, sendo seus cultos muito concorridos.[6]

          No entanto, nem tudo era tranquilo. Se por um lado as perseguições cessaram, por outro, vemos que, no quarto e quinto séculos, tornam-se evidentes a influência das religiões de mistério no culto. O antigo respeito para com os mártires transformou-se em culto, surgindo a partir daí um “cristianismo popular de segunda classe”.

          Aos poucos os novos convertidos tendiam a transferir a Deus, aos apóstolos e mártires, parte da reverência dos antigos cultos prestados a poderes miraculosos que atribuíam aos seus antigos deuses pagãos. Partindo dessa prática foi apenas um passo para que os apóstolos, os anjos e Maria passassem a ser adorados. O culto cristão pouco a pouco se paganizara.

          Calvino nos orienta pastoralmente: “A Igreja será sempre libertada das calamidades que lhe sobrevêm, porque Deus, que é poderoso para salvá-la, jamais suprime dela sua graça e sua bênção”.[7] Portanto, “se algo de adverso lhe houver ocorrido, aqui também o servo do Senhor de pronto elevará a mente para com Deus, cuja mão muito vale para imprimir-nos paciência e serena moderação de ânimo”.[8]

          As perseguições geradas pelo Evangelho se constituem em evidência de que a nossa proclamação tem sido fiel e, ao mesmo tempo, em oportunidade para que testemunhemos: “Antes, porém, de todas estas coisas, lançarão mão de vós e vos perseguirão (diw/kw), entregando-vos às sinagogas e aos cárceres, levando-vos à presença de reis e governadores, por causa do meu nome; 13 e isto vos acontecerá para que deis testemunho (martu/rion) (Lc 21.12-13).

          O Espírito alimenta a Igreja, fazendo-a crescer espiritual e numericamente. Creio que o crescimento significativo ocorre nesta ordem. Quando a Igreja conhece a Palavra e a pratica, prega com maior autoridade e, enquanto anuncia e vive o evangelho, o Senhor, por sua misericórdia, acrescenta o número de salvos. É justamente isto que vemos em Atos: a Igreja pregava a Palavra com fidelidade, vivendo o evangelho com sinceridade e o Espírito fazendo a Igreja crescer.

          A melhor estratégia é a do Espírito Santo e o método infalível de Deus é a pregação fiel da Palavra. A pregação do evangelho compete ordinariamente a nós; é função exclusiva da Igreja; não há outra entidade, agremiação ou organização a que Deus tenha incumbido deste privilégio responsabilizador. “A Igreja é uma instituição especial e especialista, e a pregação é uma tarefa que somente ela pode realizar”.[9] No entanto, o crescimento, é obra do Espírito (At 2.47; 4.4; 6.7; 9.31; 12.24; 14.1; 16.4-5).[10]

          Observemos, também, que, muitas vezes, a responsabilidade do não crescimento da Igreja está em nós, que nos entregamos a uma letargia espiritual, não amadurecendo em nossa fé e, consequentemente, não apresentando um testemunho genuíno (Vejam-se: Hb 5.11-14/1Co 3.1-9; Ef 4.11-16). Devemos aproveitar as oportunidades que Deus nos dá, aprendendo a Palavra, fortalecendo a nossa fé, sendo educados por Deus e, assim, viver de modo digno do Senhor, testemunhando o Evangelho com fidelidade e autoridade.

          Maringá, 09 de novembro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Veja-se:Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiástica,Madrid: La Editorial Catolica, S.A. (Biblioteca de Autores Cristianos, v. 349 e 350), X.5.2-14. Sobre outras disposições de Constantino em favor dos cristãos, Vd.Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiástica, X.5.15-17.

[2] É digno de nota que, o imperador Alexandre Severo (reinou durante o período de 222-235), foi o primeiro a construir um “templo cristão” (Cf. H.H. Halley, Manual Bíblico,2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1971, p. 672). Todavia, ele “tinha em sua capela estátuas de Orfeu, Alexandre o Grande, de vários imperadores romanos e de Jesus. (sic!)” (K.S. Latourette, Historia del Cristianismo,4. ed. Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1978, v. 1, p. 126).

[3]Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiástica, Madrid: La Editorial Catolica, S.A. (Biblioteca de Autores Cristianos, v. 349 e 350), III.37.2.

[4]Adolf von Harnack, The Mission and Expansion of Christianity in the First Three Centuries, New York: Harper & Brothers, 1962, p. 366-368.

[5]Eusebio, The Life of Constantine,IV.36: In: Philip Schaff; Henry Wace, eds. Nicene and Post-Nicene Fathers of Christian Church, (Second Series), Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, (reprinted), 1978, v. 1, p. 549.

[6] Sobre o intenso crescimento no Cristianismo nos primeiros séculos, vejam-se algumas projeções amparadas em boa documentação, em Rodney Stark, O crescimento do cristianismo: um sociólogo reconsidera a história, São Paulo: Paulinas, 2006.

[7] João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 1, (Sl 3.8), p. 88. “Sempre que nossas mentes se agitam e caem em perplexidade, devemos trazer à memória a seguinte verdade: sejam quais forem os perigos e apreensões que porventura nos ameacem, a segurança da Igreja que Deus estabeleceu, por mais dolorosamente abalada ela seja, por mais poderosamente assaltada, jamais poderá ser demasiadamente enfraquecida e envolvida em ruína” (João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 2, (Sl 48.8), p. 362). Ver também: João Calvino,As Institutas,I.17.6.

[8] João Calvino, As Institutas,I.17.8. Veja-se também: João Calvino, O Livro dos Salmos,(Sl 25.4), v. 1, p. 541; João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 2, (Sl 46.3), p. 331.

[9] D. Martyn Lloyd-Jones, Pregação e Pregadores, São Paulo: Fiel, 1984, p. 23.

[10]“Louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos” (At 2.47). “Muitos, porém, dos que ouviram a palavra a aceitaram, subindo o número de homens a quase cinco mil” (At 4.4). “Crescia a palavra de Deus, e, em Jerusalém, se multiplicava o número dos discípulos; também muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé” (At 6.7). “A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judeia, Galileia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número” (At 9.31). “Entretanto, a palavra do Senhor crescia e se multiplicava” (At 12.24). “Em Icônio, Paulo e Barnabé entraram juntos na sinagoga judaica e falaram de tal modo, que veio a crer grande multidão, tanto de judeus como de gregos” (At 14.1). “Ao passar pelas cidades, entregavam aos irmãos, para que as observassem, as decisões tomadas pelos apóstolos e presbíteros de Jerusalém. Assim, as igrejas eram fortalecidas na fé e, dia a dia, aumentavam em número” (At 16.4-5).

One thought on “Teologia da Evangelização (114)

  • 16 de novembro de 2022 em 14:48
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    Muito obrigado Pastor Hermisten por esse conteúdo tão rico. Que o Senhor o retribua ricamente.

    Att

    Abraão

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