Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (18)

F. Todo-Poderoso

Lutero (1483-1546), comentando o Cântico de Maria (Magnificat) (1521), escreve:

“Creio em Deus-Pai, Todo-poderoso”. Ele é todo-poderoso, de modo que em todos e através de todos e sobre todos reina exclusivamente seu poder. (…) Este é um artigo muito elevado e que encerra muita coisa; ele põe por terra toda arrogância e petulância, todo orgulho, glória, falsa confiança e enaltece somente a Deus; sim, ele indica a razão porque se deve enaltecer somente a Deus.[1]

          Um dos aspectos fundamentais relacionados à essência do poder de Deus, é sua autonomia.[2] Somente em Deus há a autonomia total e absoluta. Somente Ele é um fim em si mesmo sem acréscimo ou diminuição do que é. Não há nada maior do que Deus e a sua glória.

Todo poder procede de Deus

          E mais: todo o poder procede de Deus, que é a sua fonte inesgotável.

Spurgeon (1834-1892) enfatiza corretamente: “Deus é independente de tudo e de todos. Ele age de acordo com Sua própria vontade. Quando Ele diz: ‘Eu farei’, o que quer que diga será feito. Deus é soberano, e Sua vontade, não a vontade do homem, será feita”.[3]

          O poder de Deus é soberanamente livre. Deus é soberano em si mesmo. A onipotência faz parte da essência dele. Por isso mesmo, para Ele não há impossíveis. Apesar de qualquer oposição, ele executa o seu plano.[4]

          Tudo o que Ele deseja, pode realizar (Mt 19.26; Jó 23.13[5]).[6] No entanto, Deus não precisa exercitar o seu poder para ser o que é. Não há em Deus um vácuo entre ato é potência. Ele pode fazer tudo o que desejar. Porém, Ele não deseja tudo o que poderia fazer se assim o determinasse. A sua ação é determinada por seus sábios e voluntários decretos os quais, por sua vez, não estão sujeitos a conselhos ou pressões externas. Os seus decretos são consistentes consigo mesmo e uma expressão deliberativa de sua natureza.

          Ontologicamente Deus não precisa de nada fora de si mesmo. Ele se basta a si. Deus é. Ele é “independente e verdadeiramente autopoderoso”, sintetiza Turretini (1623-1687).[7] A criação nada lhe acrescenta ou diminui. Nenhuma alteração ocorre no seu ser[8] que diminua ou aperfeiçoe a sua essência.

Pode fazer tudo como, quando e do modo que quiser

          Deus se apresenta nas Escrituras como de fato é, o Deus Todo-Poderoso (Onipotente), com capacidade para fazer todas as coisas conforme a sua vontade (Sl 115.3; 135.6; Is 46.10; Dn 4.35; Ef 1.11).[9]

          Ele pode fazer tudo o que quer ou venha a querer, da forma, no tempo e com o propósito que determinar.[10]

          Deus também se mostra coerente com as demais perfeições inerentes a Ele, ou seja: Deus exercita o seu poder em harmonia com todas as perfeições de sua natureza (2Tm 2.13).[11]

          A sua vontade é ética e santamente determinada. O poder de Deus se harmoniza perfeitamente com a sua vontade.[12] Em outras palavras: “A vontade de Deus é uma com seu ser, sua sabedoria, bondade e todas as suas outras perfeições”.[13]

Se agencia por meio das causas externas

Contudo, por graça, Ele se agencia também por intermédio das causas externas para concretizar o seu propósito. Por exemplo: Deus poderia, se quisesse e tivesse estabelecido, salvar a todos os homens independentemente da Palavra (Bíblia) e da fé em Cristo, entretanto, ele assim não faz. Esta não é a sua forma ordinária de agir porque sábia e livremente estabeleceu o critério de salvação, que é pela graça, sempre pela graça, que opera mediante a fé por meio da Palavra (Rm 10.17; Ef 2.8).[14] Deus sempre age de forma compatível com a sua perfeita justiça.[15]

Bavinck (1854-1921), mais uma vez é-nos útil aqui ao escrever: “Sua vontade é idêntica ao seu ser, e a teoria do poder absoluto, que separa o poder de Deus de suas outras perfeições, é somente uma abstração vazia e impermissível”.[16]

São Paulo, 12 de setembro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Martinho Lutero, Magnificat: In: Obras Selecionadas, São Leopoldo, RS.; Porto Alegre, RS.: Sinodal; Concórdia, 1996, v. 6, p. 50-51.

[2] Sobre a soberania de Deus, veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Soberania de Deus e a responsabilidade humana, Goiânia, GO.: Editora Cruz, 2016.

[3]C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 42-43.

[4] Ver: Herman Bavinck, Teologia Sistemática,Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 479-512.

[5]“Jesus, fitando neles o olhar, disse-lhes: Isto é impossível aos homens, mas para Deus tudo é possível” (Mt 19.26). “Mas, se ele resolveu alguma coisa, quem o pode dissuadir? O que ele deseja, isso fará” (Jó 23.13).

[6] Stott coloca nestes termos: “A liberdade de Deus é perfeita, no sentido de que Ele é livre para fazer absolutamente qualquer coisa que Ele queira”(John Stott, Ouça o Espírito, Ouça o Mundo,São Paulo: ABU Editora, 1997, p. 58).

[7]François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 334. Do mesmo modo, veja-se também a p. 547. Veja-se o instrutivo e edificante capítulo de MacArthur: John F. MacArthur, Jr., Deus: face a face com Sua Majestade, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 91-107.

[8]Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 550.

[9]“No céu está o nosso Deus e tudo faz como lhe agrada” (Sl 115.3). “Tudo quanto aprouve ao SENHOR, ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os abismos” (Sl 135.6). “… O meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Is 46.10). “Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35). “Nele (Jesus Cristo), digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11).

[10]Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 326-327.

[11]“Se somos infiéis, ele permanece fiel, pois de maneira nenhuma pode negar-se a si mesmo” (2Tm 2.13).

[12] “Deus tem poder para fazer tudo quanto Ele queira; e com certeza a pessoa que tenta separar o poder de Deus de Sua vontade, ou retratá-lo como incapaz de fazer o que Ele queira, o que o tal faz é simplesmente tentar rasgá-lo em pedaços” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 3, (Sl 78.18), p. 212). (Veja-se também: João Calvino, As Institutas, Campinas, SP.; São Paulo: Luz para o Caminho; Casa Editora Presbiteriana, 1985-1989, III.23.2). “Quanto a nós, basta-nos lembrar apenas duas coisas importantes: de um lado, o direito de Deus é supremo e absoluto, e acima do qual não podemos pensar nem falar, e Ele pode fazer com o que é seu tudo quanto lhe apraz; de outro, Ele é sempre santo e agradável à natureza perfeitíssima de Deus, de modo que em seu uso Ele nada faz em oposição à sua sabedoria, bondade e santidade” (François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 336). Do mesmo modo, veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 247.

[13]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 247.

[14]“E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10.17). Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus” (Ef 2.8).

[15]Veja-se: João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 36.5), p. 128.

[16]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 254.

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