Rei e Pastor: O Senhor na visão e vivência dos salmistas (48)

3. Perdoador

            Uma certeza sempre presente nos Salmos como em toda a Escritura, é que o nosso Senhor é o Deus perdoador.[1] 

Quanto maior for a nossa proximidade de Deus, envolvendo um conhecimento de sua pessoa, mais teremos clareza a respeito de nossos pecados e de nossa total incapacidade de nos relacionar com o Deus santo em santidade. Deus é perfeito, nós somos imperfeitos; Ele é santo, nós pecadores; Ele é justo, nós injustos.

            O salmista consciente dessa distância qualitativa e intransponível entre Deus e nós, suplica: “Por causa do teu nome, SENHOR, perdoa (xl;s)’ (salach) a minha iniquidade(}oWf() (‘avon), que é grande” (Sl 25.11).

            Por isso, enquanto tivermos uma ideia vaga do pecado e da maldade intrínseca do coração humano, jamais teremos uma visão adequada do perdão de Deus.

            Ele se coloca diante de Deus como um iníquo. O sentido da palavra (}oWf()(‘avon) é de perverter, distorcer, envergar algo que é reto, encurvar, torto.

A principal ideia está associada ao ato consciente, frequente e intencional de fazer o que é errado. Quando se aplica à lei significa “cometer uma perversão”, “infringir”. Distorcer o caminho certo. 

O pecado de nossos primeiros pais desestruturou o aspecto ético da imagem de Deus no homem. O homem se corrompeu.

A sua visão e prática tornaram-se tortuosas, desfocalizadas. O gosto pela transgressão passou a caracterizar o homem. Quando pecamos passamos a ter uma visão tortuosa em todas as nossas relações; perdemos a verdadeira dimensão da realidade. Toda a nossa visão a respeito do mundo, da vida e de nós mesmos está distorcida.

 Mesmo os nossos afetos não passam imunes a isso. Este é o sentido da depravação total.[2]

Calvino escreve com propriedade:

Não teremos uma ideia adequada do domínio do pecado, a menos que nos convençamos dele como algo que se estende a cada parte da alma, e reconheçamos que tanto a mente quanto o coração humanos se têm tornado completamente corrompidos.[3]

Culpa como consequência do pecado

Ao que parece, a culpa moral é a principal consequência subjetiva deste pecado[4] ainda que não saibamos dar nome a isso e não tenhamos o discernimento claro de seu motivo. No desejo de tentar se livrar desse sentimento, o homem se vale com muito esforço de vários subterfúgios.

É muito natural o homem buscar justificativa para os seus atos iníquos. Há um processo malévolo de racionalização por meio do qual elaboramos teorias por vezes sofisticadas que, pelo menos para nós, justificam os nossos atos.

Como isso nem sempre é suficiente, procuramos também persuadir os outros da integridade e necessidade de nossos atos pecaminosos que, nesse caso, não são apresentados como tais, antes, como necessários, ousados e inteligentes. Pecado, por vezes, recebe o nome de praticidade. O pecado não apenas racionaliza para si o seu pecado; ele deseja conquistar adeptos para a sua visão e prática. Dessa forma, em sua legitimação, desejo que o meu pecado se torne plausível a outras pessoas.

As nossas racionalizações complementadas por alguns comprimidos podem servir como paliativos durante algum tempo, contudo, não atingem o cerne do problema; elas não resolvem a questão do pecado e consequentemente da culpa.

Pecado fora de moda

Além disso, a palavra pecado já faz tempo que está fora de modo.[5] Preferimos eufemismos que amenizem o sentido ou, simplesmente, descaracterizem o pecado ou, até mesmo, nos conduza à afirmação de que o chamado pecado é uma virtude. Desse modo, podemos falar como tantos já o fizeram, de “cair para cima”.

Junto a isso, com todo e em geral bem-vindo progresso científico e tecnológico, alguns conceitos são tão bem difundidos em nossa sociedade, que já não os avaliamos, simplesmente os bebemos como leite materno de uma cultura essencial e sobejamente contaminada desde a sua gravidez pecaminosa no Éden quando nossos pais desobedeceram a Deus.

            Desse modo, cremos por exemplo, que o mal não está em nosso coração, mas, tem causas externas. Assim sendo, devemos tratar de questões externas como se desse modo resolvêssemos todos os nossos problemas: A violência é culpa da sociedade injusta, a gravidez indesejada é pela falta de informação e uma educação sexual mais explícita, a imoralidade é culpa dos meios de comunicação etc.

Enquanto cultivarmos esses equívocos, vamos lidar com os efeitos e não com as causas. Não podemos nos esquecer de que a sociedade estruturalmente má e os pecados sociais são cometidos pelo homem perfeitamente socializado.

Assim sendo, nos especializamos em paliativos que – como paliativos podem ser importantes -, mas não como soluções definitivas.

Maringá, 11 de outubro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Veja-se: Robert B. Chisholm Jr., Perdão e salvação em Isaías 53: In: Darrell L. Bock; Mitch Glaser, O Servo sofredor, São Paulo: Cultura Cristã, 2015, p. 164-165.

[2]“Assim como o pecado original se estende por toda a humanidade, ele se estende também por toda a pessoa. Ele exerce influência sobre toda a pessoa, sobre a mente e a vontade, o coração e a consciência, a alma e o corpo, sobre todas as capacidades e poderes de uma pessoa” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 3, p. 123). Veja-se o excelente artigo de MacArthur. John F. MacArthur, O aconselhamento e a pecaminosidade humana: In: John F. MacArthur, et. al., eds.  Introdução ao aconselhamento bíblico: um guia básico dos princípios e prática do aconselhamento, São Paulo: Hagnos, 2004, p. 123-141.

[3]João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 51.5), p. 431.

[4] Veja-se: Carl Schultz e Bruce K. Waltke, ‘ãwâ: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1087.

[5]“O desaparecimento do pecado do nosso vocabulário moral é uma das marcas da Idade Moderna – e da moralidade pós-moderna. Nestes dias, a maioria das pessoas acredita ser imperfeita, com espaços para melhorias – mas não pensam em si mesmas como pecadores necessitados de perdão e de redenção” (Albert Mohler Jr., O desaparecimento de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 31).

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