Pensamento Grego e a Igreja Cristã: Encontros e Confrontos – Alguns apontamentos (34)

5.2.1. O temor a Deus como princípio de vida

 O temor de Deus é algo essencial à vida cristã. A Palavra nos mostra em diversas passagens como este temor longe de ser algo que nos afaste de Deus  causando uma ansiedade paralisante,[1] é resultado do conhecimento de Deus, do seu amor, bondade, misericórdia, santidade, justiça e glória.[2] O temor do Senhor é uma relação de graça por meio da qual podemos conhecer a Deus, nos relacionar com Ele tendo alegria e gratidão por temê-lo. O amor como compromisso nos estimula a servir a Deus em alegre obediência. “A graça e o favor de Deus não abolem a solenidade do trato”, adverte-nos Mundie.[3] O nosso santo temor a Deus se manifesta em amor obediente.[4]

     O temor de Deus envolve o senso de nossa pequenez e da sua maravilhosa graça. O temor de Deus é um encantamento com a sua majestade e a consciência de nosso pecado e carência de sua misericórdia. Aliás, o Senhor é quem nos ensina a temê-lo e reverenciá-lo. Estou convencido que o temor de Deus é um aprendizado de amor que se manifesta em admiração, obediência e culto[5] tendo implicações em todas as áreas de nossa vida. Temer a Deus deve ser o princípio orientador de nossa vida e decisões. Temer a Deus é graça! Por isso, como veremos, são bem-aventurados aqueles que temem ao Senhor. Analisemos agora alguns aspectos deste assunto tão fascinante.

a) Negativamente

 Os homens perversos, por não terem conhecimento de Deus, em seus atos revelam não temer a Deus: “Há no coração do ímpio a voz da transgressão; não há temor  (dx;P;) (pahad)[6] de Deus diante de seus olhos” (Sl 36.1).

            A ausência do temor de Deus contribui para a perversidade, proporcionando a falsa impressão ao homem de sua autonomia, propiciando, portanto, a manifestação de sua perversidade visto que se considera além de qualquer juízo. Os seus olhos se constituem no critério final de percepção da realidade e, por isso mesmo, de padrão de seu comportamento.

Na parábola contada por Jesus, temos uma ilustração de tal pensamento e comportamento por parte do juiz iníquo que pouco se importava com a essência das questões a serem julgadas, antes, visava sempre ao seu interesse e comodidade. O centro do direito era a sua pessoa e as suas circunstâncias:

2Havia em certa cidade um juiz que não temia  (fobe/w) a Deus, nem respeitava homem algum.  3Havia também, naquela mesma cidade, uma viúva que vinha ter com ele, dizendo: Julga a minha causa contra o meu adversário.  4 Ele, por algum tempo, não a quis atender; mas, depois, disse consigo: Bem que eu não temo (fobe/w) a Deus, nem respeito a homem algum. (Lc 18.2-4).

     No entanto, quem assim age, colherá os frutos de seus atos: “…. o perverso não irá bem, nem prolongará os seus dias; será como a sombra, visto que não teme (arey) (yare’) diante de Deus” (Ec 8.13).

Maringá, 06 de dezembro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Cf. Mt 28.4.

[2] “A única coisa que, segundo a autoridade de Paulo, realmente merece ser denominada de conhecimento é aquela que nos instrui na confiança e no temor de Deus, ou seja, na piedade” (João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos,1998, (1Tm 6.20), p. 187). “Quem quer que deseje crescer na fé deve também ser diligente em progredir no temor do Senhor” (João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 25.14), p. 557).

[3] W. Mundie, Medo: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 3, p. 147.

[4] “Não existe incompatibilidade entre amor e obediência; pois na vida verdadeiramente santificada existe a obediência em amor e o amor obediente” (Ernest Kevan, A Lei Moral, São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 9).

[5] “Se um genuíno conhecimento de Deus habita os nossos corações, seguir-se-á inevitavelmente que seremos conduzidos a reverenciá-lo e a temê-lo. Não é possível ter genuíno conhecimento de Deus exceto pelo prisma de sua majestade. É desse fator que nasce o desejo de servi-lo, e daqui sucede que toda a vida é direcionada para ele como seu supremo alvo” (João Calvino,Exposição de Hebreus,São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 11.6), p. 306).

[6]dx;P; (pahad) pode ser considerado um sinônimo poético de (arey) (yare’) (Cf. Andrew Bowling, Pahad: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1209).

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