O Pensamento Grego e a Igreja Cristã: Encontros e Confrontos – Alguns apontamentos (26)

Contudo, uma tentação para todos nós é sacrificar princípios que consideramos absolutos, os relativizando a fim de sermos aceitos pelos nossos pares, ou, nos considerar atualizados. Os viúvos intelectuais de hoje, foram, em geral, casados com a moda de ontem. É extremamente fácil e perigoso nos deixarmos seduzir pelos nossos próprios pensamentos a respeito do pensamento vigente e aparentemente definitivo. O nosso amanhã poderá refletir tragicamente o nosso consórcio intelectual e moral de hoje.[1]

O nosso desafio é ser cristãos em todos os desafios que se apresentam em nossa cultura. Portanto, não estamos propondo uma alienação da cultura, nem, simplesmente, uma identificação cultural irresponsável, imaginando que a força da igreja esteja em sua semelhança e não na sua diferença genética e, portanto, naturalmente sobrenatural. Fomos gerados de novo para uma nova vida caracterizada por uma nova esperança, fundamentada na historicidade da ressurreição de Cristo, que perpassa e confere sentido à nossa existência hoje (1Pe 1.3,13,21; 3.15/1Tm 4.10).[2]

      Acreditamos que podemos conhecer a verdade – ainda que não exaustivamente ‒ porque nenhuma cosmovisão está acima de uma avaliação bíblica. Os bereanos se constituem em exemplo de uma avaliação criteriosa do que ouviram, primariamente, com atenção e interesse, independente de quem lhes ensinava, conforme narra Lucas: “Ora, estes de Beréia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam a palavra com toda a avidez, examinando (a)nakri/zw) (“fazer uma pesquisa cuidadosa”, um “exame criterioso”, “inquirir”) as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim”(At 17.11).

O nosso desejo de servir a Deus não nos deve tornar presas fáceis de qualquer ensinamento ou doutrina. Precisamos cientificar-nos se aquilo que é-nos transmitido procede ou não de Deus. Para este exame, temos as Escrituras Sagradas como fonte de todo conhecimento revelado a respeito de Deus e do que Ele deseja de nós. O não investigar (Sl 10.4) é um mal em si mesmo. Um bom princípio é examinar o que se nos apresenta como realidade dentro de suas multifárias percepções,[3] não nos deixando seduzir e guiar por nossas inclinações ou pelas tendências massificantes. Em geral, quando nos faltam critérios objetivos, apelamos para o gosto como critério definitivo e solitário. Desse modo, somos conduzidos simplesmente por princípios que nos agradam sem verificar a sua veracidade. O fim disso pode ser trágico. Assim sendo, por mais autoeloquentes que possam se configurar aspectos da chamada realidade, precisamos examiná-los antes de os tomarmos como pressupostos para a aceitação de outras declarações também reivindicatórias. Quando nos omitimos deste exame, deste juízo crítico, sem percebermos, estamos contribuindo para que os ensinamentos hoje aceitos inconsistentemente, amanhã se tornem pressupostos que determinarão as nossas escolhas e avaliações.[4]

As hipóteses de hoje poderão se tornar nas teorias de amanhã e as futuras leis do pensamento e da moral. Neste caso, já estarão acima de qualquer suspeita e discussão: tornaram-se verdade. A ciência é, com frequência, um refinamento das observações cotidianas.[5]

São Paulo, 27 de novembro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


[1] Vejam-se: Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 59; W. G. Tullian Tchividjian, Fora de Moda, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 31.

[2]“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos” (1Pe 1.3). “Por isso, cingindo o vosso entendimento, sede sóbrios e esperai inteiramente na graça que vos está sendo trazida na revelação de Jesus Cristo” (1Pe 1.13). “Que, por meio dele (Jesus Cristo), tendes fé em Deus, o qual o ressuscitou dentre os mortos e lhe deu glória, de sorte que a vossa fé e esperança estejam em Deus” (1Pe 1.21). “Antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós” (1Pe 3.15). “Ora, é para esse fim que labutamos e nos esforçamos sobremodo, porquanto temos posto a nossa esperança no Deus vivo, Salvador de todos os homens, especialmente dos fiéis” (1Tm 4.10).

[3] “A prova de que as coisas são apenas valores é óbvia; pegue-se uma coisa qualquer, transmita-lhe diferente sistema de valoração, e se terá outras tantas coisas diferentes em lugar de apenas uma. Compare-se o que é a terra para um lavrador e para um astrônomo: para o lavrador é suficiente pisar a rubra pele do planeta e arranhá-la com o arado; sua terra é um caminho, uns sulcos e umas messes. O astrônomo necessita determinar exatamente o lugar que o globo ocupa em cada instante dentro da enorme suposição do espaço sideral: o ponto de vista da exatidão o obriga a convertê-la em uma abstração matemática, em um caso da gravitação universal. O exemplo poderia continuar indefinidamente.

     “Não existe, portanto, essa suposta realidade imutável e única com a qual se pode comparar os conteúdos das obras artísticas; há tantas realidades quanto pontos de vista. O ponto de vista cria o panorama. Há uma realidade de todos os dias formada por um sistema de laxas relações, aproximativas, vagas o suficiente para os usos da vida cotidiana. Há uma realidade científica forjada em um sistema de relações exatas, impostas pela necessidade de exatidão. Ver e tocar as coisas não são, no fim das contas, senão maneiras de pensá-las” (Ortega y Gasset, Adão no Paraíso: In: Juan Escárnez Sánchez, Ortega y Gasset, Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010, p. 127).

[4]Veja-se: C.S. Lewis, A Abolição do Homem, São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 5.

[5]Creio ser interessante ler o artigo: Taylor B. Jones, Por que uma visão bíblica da Ciência?: In: John MacArthur, ed. ger., Pense Biblicamente!: recuperando a visão cristã do mundo, São Paulo: Hagnos, 2005, especialmente, p. 337-363.

3 thoughts on “O Pensamento Grego e a Igreja Cristã: Encontros e Confrontos – Alguns apontamentos (26)

  • 29 de novembro de 2019 em 15:16
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    Estamos vivendo na era dos cristãos mais fracos da historia da Igreja.

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  • 30 de novembro de 2019 em 10:49
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    Excelente texto. Muito apropriada a comparação entre os pontos de vista do agricultor e do astrônomo. Por isso, acredito eu Jesus disse ser a Videira Verdadeira é o Pai, o Agricultor.

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    • 10 de abril de 2020 em 16:59
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      Ótima percepção meu caro Rev. Máximo. Abraço.

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