Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (61)

11. Atitudes para com esta doutrina

 

A santidade, a inocência, e assim toda e qualquer virtude que porventura exista no homem, são frutos da eleição. – João Calvino.[1]

 

Podemos ser salvos sem muitos dos dons do Espírito, mas não podemos ser salvos sem o fruto do Espírito. –  A.A. Hoekema (1913-1988).[2]

 

Não sabemos quem ou quantos serão salvos – isso faz parte de secreta providência de Deus -, no entanto, podemos indicar biblicamente, o comportamento que deve caracterizar o eleito de Deus. Spurgeon (1834-1892), colocou esta questão da seguinte forma:

 

O grande livro dos decretos de Deus está firmemente fechado para a curiosidade humana (…). O livro não pode ser aberto, mas Deus publicou muitas de suas páginas. Não divulgou a página na qual os nomes dos redimidos estão escritos; porém a página do decreto sagrado onde é descrito o caráter dos eleitos está inserida em Sua Palavra.[3]

 

A eleição não é conhecida simplesmente pela nossa posição doutrinária ou por nossos discursos teológicos, mas, pelo nosso testemunho. Calvinistas e Arminianos, sem dúvida, poderão ser salvos, se arrependidos de seus pecados, confiarem unicamente em Cristo para sua salvação. Está certo doutrinariamente, ainda que seja de extrema relevância, não significa ser salvo. Necessitamos urgentemente de nos arrependermos e crer perseverantemente em Jesus Cristo.

 

Muito mais do que uma simples premissa teológica, a eleição de Deus é uma força dinâmica na vida dos crentes envolvendo toda a nossa existência. A humilde convicção da eleição eterna de Deus deve redundar em louvor a Deus e modelar o nosso caráter à imagem do Eleito de Deus, Jesus Cristo (Rm 8.29-30)

 

Portanto, ainda que o nosso conhecimento não seja absoluto, nem inspirado, temos as evidências. Paulo e Silas, por exemplo, puderam “ver” – um conhecimento fundamentado na experiência –, perceber nos crentes de Tessalônica, evidências de sua eleição, daí dizer: Reconhecendo (oi)=da), irmãos, amados de Deus, a nossa eleição” (1Ts 1.4).[4]

 

Ainda que a fé como fruto da eleição “tenha residência secreta nos recessos do coração, ela se comunica com os homens através das boas obras”, afirma Calvino.[5]

 

11.1. Fé na verdade

 

Deus nos escolheu para salvação mediante a fé na verdade. A fé, escreve Calvino, “é um conhecimento firme e certo da vontade de Deus concernente a nós, fundamentado sobre a verdade da promessa gratuita feita em Jesus Cristo, revelada ao nosso entendimento e selada em nosso coração pelo Espírito Santo”.[6] No entanto, escreve em outro lugar: “Nada é mais solicitamente intentado por Satanás do que impregnar nossas mentes, ou com dúvidas, ou com menosprezo pelo evangelho”.[7]

 

“O evangelho da vossa salvação” é para ser crido e vivido (Ef 1.13). Por isso, a pregação cristã nada mais é do que a proclamação do Evangelho; o Poder de Deus para a salvação (Rm 1.16).

 

Creio que aqui está um dos problemas vitais da igreja em todos os tempos. Com isto não estou dizendo que a Igreja ao longo da história tenha negado de forma confessional a Palavra de Deus. Antes, o que estou declarando é que a Igreja tem negado a Palavra de Deus de forma existencial e vivencial.

 

Esta recusa prática tem se caracterizado na não consideração dos preceitos de Deus em seu caminho, guardando a Palavra em salas específicas – com um primoroso isolamento acústico –  reservadas para tratar de determinados assuntos específicos e não a deixando percorrer toda a igreja a fim de fazer uma faxina geral, expurgando aquilo que esteja distante dos preceitos divinos, nos conduzindo a uma reorganização total de nossa vida.

 

Crer na Palavra significa recebê-la como fundamento e norma do nosso comportamento. Todas as vezes que desconsideramos as Escrituras em nossas decisões, estamos, na realidade, negando a eficácia das promessas de Deus, demonstrando não a ter recebido como Palavra autoritativa de Deus.

 

Paulo se alegra com o fato de que os efésios e os tessalonicenses haviam de modo correto, respectivamente, crido e recebido a Palavra ensinada, o Evangelho, como Palavra de Deus:

 

Vós, depois que ouvistes (a)kou/w = “entender”, “atender”) a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados (sfragi/zw) com o Santo Espírito da promessa. (Ef 1.13).

Outra razão ainda temos nós para, incessantemente, dar graças a Deus: é que, tendo vós recebido  (paralamba/nw)[8] a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes (de/xomai = “receber”)[9] não como palavra de homens, e, sim, como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes. (1Ts 2.13/1Ts 1.6/Jo 17.17).[10]

 

Os tessalonicenses ativamente “tomaram posse da Palavra” (paralamba/nw) que ouviram e, num ato subsequente, a receberam de forma prazerosa em seus corações (de/xomai). O receber pode ser um ato ou processo mais imediato; porém, o acolher envolve um processo de assimilação prazerosa, compreensão, aplicação e obediência.

 

Pelo Espírito eles creram, “acolheram” a mensagem e, a partir de então, Deus continuou operando eficaz e poderosamente em sua vida; notem bem; na vida dos que creram. O ouvir deve ser acompanhado pela fé; a Palavra não pode ser dissociada da fé. “A Palavra só exerce o seu poder em nós quando a fé entra em ação”, interpreta Calvino.[11] (Hb 4.2).[12]

 

Neste texto (1Ts 2.13), o tempo verbal de “acolher” (indicativo aoristo), significa uma ação realizada no passado. Os tessalonicenses revelavam no seu dia-a-dia, terem “acolhido“, “recebido” o “Evangelho” definitivamente como Palavra de Deus. A aceitação do Evangelho sempre traz frutos.

 

Paulo continua o seu argumento dizendo que este fato se materializava no comportamento da igreja: “Tanto é assim, irmãos, que vos tornastes imitadores das igrejas de Deus existentes na Judéia em Cristo Jesus” (1Ts 2.14).

 

Insistimos: Evidenciamos a nossa eleição por meio da recepção confessional e existencial da Palavra.

 

 

São Paulo, 28 de maio de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

 

 *Leia esta série completa aqui.

 


[1]João Calvino, Efésios, (Ef 1.4), p. 25.

[2] A.A. Hoekema, Salvos pela Graça, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 51.

[3]C.H. Spurgeon, Sermões do ano de Avivamento, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 83,84. (Pregado em 6 de março de 1859).

[4]Ver: W. Hendriksen, 1 e 2 Tessalonicenses, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, (1Ts 1.4), p. 71-72 e R.C.H. Lenski, Commentary on the New Testament, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1998, v. 9, (1Ts 1.4), p. 223.

[5] João Calvino, As Pastorais, (Fm 6), p. 368.

[6]João Calvino, As Institutas, III.2.7 (Calvino explica detalhadamente esta definição a partir do Livro III, capítulo 2, seção 14ss). (Vejam-se também: J. Calvino, As Institutas, I.7.5.; J. Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 11.11), p. 318; J. Calvino, Sermones Sobre La Obra Salvadora De Cristo, Jenison, Michigan: T.E.L.L. 1988, “Sermon nº 13”, p. 156).

[7]João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.13), p. 35.

[8] Tem o sentido pessoal de tomar para si, levar consigo, tomar posse. É o próprio Senhor quem escolhe três discípulos para Se revelar (Mt 17.1; 20.17; 26.37/Mc 5.40). Ele mesmo, o Senhor Jesus nos receberá no céu (Jo 14.3/Mt 24.40).

[9] Tem também o sentido de “receber”, “aceitar”, “aprovar”. Estevão sendo apedrejado ora: “…. Senhor Jesus, recebe (de/xomai) o meu espírito!” (At 7.59).

[10] Com efeito, vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, tendo recebido (de/xomai) a palavra, posto que em meio de muita tribulação, com alegria do Espírito Santo” (1Ts 1.6).

[11] João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 4.2), p. 101. Para uma visão interpretativa diferente, entendendo que a variação das palavras aqui é irrelevante, veja-se: Andreas J. Köstenberger; Richard D. Patterson, Convite à interpretação bíblica: A tríade hermenêutica, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 599-600.

[12]“Porque também a nós foram anunciadas as boas-novas, como se deu com eles; mas a palavra que ouviram não lhes aproveitou, visto não ter sido acompanhada pela fé naqueles que a ouviram” (Hb 4.2).

One thought on “Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (61)

  • 29 de maio de 2019 em 13:25
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    De fato é Deus que pelo Espirito Santo nos concede a fé por meio da qual somos Salvos em Cristo.

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