O Pensamento Grego e a Igreja Cristã: Encontros e Confrontos – Alguns apontamentos (11)

3.3. Retórica e Homilética

3.3.1. Definição de Retórica

A palavra Retórica, é uma transliteração do grego R(htorikh/ ( = “eloquência”). A palavra é proveniente de R(h/twr (= “orador público”, “advogado”, “homem de Estado”). Ocorre apenas em At 24.1, no NT. Estas palavras são derivadas de R(h=ma (= “palavra”, “expressão verbal”, “linguagem”, “poema”). Em Aristóteles (384-322 a.C.), R(h=ma significa um verbo, contrastando com um o/)noma, substantivo.[1]

     A retórica mantém estreita relação com os sofistas. Górgias (c. 483-c.375 a.C.), o sofista, disse que o objetivo da retórica é “pela palavra, convencer os juízes no tribunal, os senadores no conselho, os eclesiastas na assembleia e em todo outro ajuntamento onde se congreguem cidadãos”.[2] Desta forma, a capacidade do retórico era demonstrada na habilidade de “disputar com qualquer pessoa sobre qualquer assunto” e isto se revelava na rapidez com que persuadia as multidões.[3] A essência da retórica de Górgias era persuadir;[4] e nisto a retórica sofista foi muito bem sucedida.[5]

Sócrates (469-399 a.C.) e Platão (427-347 a.C.) manifestaram interesse pelas questões retóricas e seus problemas. Platão, por exemplo, opõe-se à retórica de Górgias, porque ele crê na existência de critérios absolutos e universais, que possibilitem reconhecer o verdadeiro e o justo.[6] É justamente isto que distingue a retórica de Górgias da retórica de Platão. Na perspectiva de Platão, a retórica deveria ser utilizada por pessoas interessadas na verdade.[7]

Aristóteles (384-322 a.C.), definiu Retórica como sendo “a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão”.[8] Segundo ele, a tarefa da retórica, “não consiste em persuadir, mas em discernir os meios de persuadir a propósito de cada questão, como sucede com todas as demais artes”.[9] Aristóteles, dentro de uma perspectiva ética, observa ainda, que a retórica não deveria ser usada para a persuasão do imoral;[10] todavia, o mau uso da retórica não anulava o seu valor.[11] A retórica deveria ser útil ao cidadão. Esta é a sua função política; ou seja: social.[12]

A Retórica é a arte de falar bem, visando à instrução e principalmente a persuasão. O fim da Retórica é convencer e, o instrumento de que dispõe é a palavra. Creio que Demócrito (c. 460- c.370 a.C.), estava certo ao afirmar que “para a persuasão a palavra frequentemente é mais forte que o ouro”.[13] Por isso, a arte da persuasão não acompanhada de um senso moral, torna-se extremamente perigosa, visto que podemos com a palavra, usando as técnicas da Retórica, tentar convencer que o branco é preto e vice-versa, conforme o nosso interesse pessoal, agindo do mesmo modo que os sofistas na Antiguidade.

A obra de Demóstenes (c. 460-c. 370 a.C.), Oração à Coroae em Shakespeare (1564-1616), Júlio César,a oração de Marco Antônio diante do cadáver de César, se constituem em dois bons exemplos literários concernentes ao poder da retórica. A retórica cristã visa levar o ouvinte a fazer a vontade de Deus.

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Gravura de Demóstenes

Tucídides (c. 465-395 a.C.), observou em sua monumental obra, História da Guerra do Peloponeso, que:

A significação normal das palavras em relação aos atos muda segundo os caprichos dos homens. A audácia irracional passa a ser considerada lealdade corajosa em relação ao partido; a hesitação prudente se torna covardia dissimulada; a moderação passa a ser uma máscara para a fraqueza covarde, e agir inteligentemente equivale à inércia total. Os impulsos precipitados são vistos como uma virtude viril, mas a prudência no deliberar é um pretexto para a omissão.[14]

Statue of Greek philosopher Thucydides in front of Parliament building in Vienna, Austria.
Gravura de Tucídides

Sócrates (469-399 a.C.) entendia que o mérito do orador residia em dizer a verdade.[15] Somente nestes termos ele aceitaria ser chamado de orador.[16]

Maringá, 08 de novembro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Aristóteles, Arte Poética, São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os Pensadores, v. 4), XX 1457a, 10-14, p. 461.

[2] Platão, Górgias, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, S.A., 1989, 452e, p. 58-59.

[3] Platão, Górgias, 457a, p. 67. Lembremo-nos que a Retórica Sofística, inventada por Górgias (c.483-c.375 a.C.), era famosa. Górgias dizia: “A palavra é uma grande dominadora que, com pequeníssimo e sumamente invisível corpo, realiza obras diviníssimas, pois pode fazer cessar o medo e tirar as dores, infundir a alegria e inspirar a piedade (…). O discurso, persuadindo a alma, obriga-a, convencida, a ter fé nas palavras e a consentir nos fatos (…). A persuasão, unida à palavra, impressiona a alma como quer (…). O poder do discurso com respeito à disposição da alma é idêntico ao dos remédios em relação à natureza do corpo. Com efeito, assim como os diferentes remédios expelem do corpo de cada um diferentes humores, e alguns fazem cessar o mal, outros a vida, assim também entre os discursos alguns afligem e outros deleitam, outros espantam, outros excitam até o ardor os seus ouvintes, outros envenenam e fascinam a alma com persuasões malvadas” (Górgias, Elogio de Helena, 8, 14).

            “Quanto à sabedoria e ao sábio, eu dou o nome de sábio ao indivíduo capaz de mudar o aspecto das coisas, fazendo ser e parecer bom para esta ou aquela pessoa o que era ou lhe parecia mau” (Palavras de Protágoras, conforme, Platão, Teeteto, 166d, p. 36).

“Mas deixaremos de lado Tísias e Górgias? Esses descobriram que o provável deve ser mais respeitado que o verdadeiro; chegariam até a provar, pela força da palavra, que as cousas miúdas são grandes e que as grandes são pequenas, que o novo é antigo e que o velho é novo” (Platão, Fedro, 267, p. 251). A retórica era uma das marcas características da sofística (Cf. W.K. C. Guthrie, Os Sofistas, p. 167).

[4] Platão, Górgias, 453a, p. 59-60; 455a, p. 64.

[5] Veja-se: Armando Plebe, Breve História da Retórica Antiga, São Paulo: EPU; EDUSP., 1978, p. 21ss.

[6] Platão, Górgias, 455a, p. 64.

[7] Veja-se: Platão, Fedro, 278, p. 266-267; Idem, Fédon, 90bss. p. 102-103.

[8] Aristóteles, Arte Retórica, I.2.1. p. 33.

[9] Aristóteles, Arte Retórica, I.1.14. p. 31.

[10] Aristóteles, Arte Retórica, I.1.12. p. 31.

[11]Aristóteles, Arte Retórica, I.1.13. p. 31. Agostinho escreveria mais tarde: “É um fato, que pela arte da retórica é possível persuadir o que é verdadeiro como o que é falso” (Agostinho, A Doutrina Cristã, IV.2.3. p. 214).

[12] Ver: Retórica: J. Ferrater Mora, Dicionário de Filosofia, São Paulo: Edições Loyola, 2001, v. 4, p. 2524b.

[13]Demócrito, Fragmento 51: In: Victor Civita, ed. Os Pré-Socráticos, p. 330. Demócrito estava muito atento à importância da persuasão; ele observou corretamente que aquele “que é conduzido ao dever pela persuasão, não é provável que, às ocultas ou às claras, cometa uma falta” (Frag., 181, p. 342).

[14]Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, Brasília, DF.: Editora Universidade de Brasília, 1982, II.82. p. 167.

[15] Platão, Apologia de Sócrates, I. 18a, p. 11.

[16] Platão, Apologia de Sócrates, I.17b, p. 11

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