O Pensamento Grego e a Igreja Cristã: Encontros e Confrontos – Alguns apontamentos (12))

3.3.2. A Relação entre a Retórica e a Homilética

A Homilética se propõe a utilizar alguns dos recursos da Retórica para a transmissão da Palavra de Deus; desta forma, podemos dizer que a Retórica é o gênero e a Homilética é a espécie.

Se a Retórica visa convencer o homem quanto a qualquer tema; a Homilética, diferentemente, procura oferecer recursos para que possamos convencer – humanamente falando –, o homem quanto à necessidade de arrependimento e fé em Jesus Cristo. O seu objetivo, portanto, é mais nobre pois, está comprometido com a ordem de Cristo (Mt 28.20; Mc 16.15; At 1.8), a prática apostólica (Cf. At 13.43; 17.4; 19.8; 26.28; 28.23; 2Co 5.11) e a necessidade presente do homem, de encontrar a salvação em Cristo Jesus, em Quem somente há salvação (At 4.12).

3.3.3. A Retórica Grega e a Pregação Cristã

A. Escândalo e Loucura

O pregador é o que interpreta e ensina as verdades divinas. – Agostinho (354-430).[1]

Como já mencionamos, o Cristianismo não é ficção; é história real. Paulo mostra que a pregação da Palavra foi o método prazerosamente estabelecido por Deus para alcançar os seus: “…. aprouve (eu)doke/w)[2] a Deus salvar aos que creem, pela loucura (mwri/a)[3] da pregação” (1Co 1.22).     Pelo fato de os homens não conseguirem entender salvadoramente a mensagem do Evangelho dentro do seu quadro de referência naturalista ou simplesmente deísta, consideram-na loucura: Tudo que não se adéqua ao seu padrão de pensamento é escândalo (pedra de tropeço) ou loucura. Isto não significa que o homem natural, não regenerado, não possa entender a mensagem do Evangelho e até mesmo explicá-la a outros; o problema é que esta mensagem não faz sentido espiritual para ele. Ou seja: eu consigo entender o que você quer dizer só que não creio no que você diz.[4]

     A mensagem da cruz é considerada loucura pelos que estão a perecer, justamente porque ela não possui qualquer atrativo de sabedoria humana que a recomende às suas mentes.[5]

     Barclay (1907-1978), comenta que “os gregos estavam intoxicados com palavras bonitas; e o pregador cristão com sua tosca mensagem lhe parecia um personagem cru e inculto, do qual podiam mofar-se e ridicularizar em lugar de escutá-lo e respeitá-lo”.[6]

     A fé cristã é para ser vivida e proclamada. A pregação caracteriza essencialmente a fé cristã e a sua proclamação. Paulo, então indaga:

Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos são os pés dos que anunciam coisas boas! (Rm 10.14-15).

     No final de sua vida, Paulo, com a consciência certa de ter concluído fielmente o seu ministério, exorta ao jovem Timóteo:

Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina. Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas (mu=qoj = lenda, mito). Tu, porém, sê sóbrio em todas as coisas, suporta as aflições, faze o trabalho de um evangelista, cumpre cabalmente o teu ministério. (2Tm 4.2-5).

     A despeito da irracionalidade moderna, inclusive entre nós ditos evangélicos que temos ignorado não impunemente as grandes batalhas acadêmicas e consequentemente éticas com as quais nos deparamos[7] – o desafio de Deus para nós não é para nos tornarmos irracionais ou ignorantes, antes é para que submetamos a nossa inteligência à Palavra. Aqui não se pede nenhum sacrifício lógico-racional, antes o que se requer, é a humildade para reconhecer a nossa limitação diante da majestosa sabedoria de Deus (Rm 11.33-36), exercitando deste modo, por graça, a humanamente louca sabedoria de Deus em nossa vida, reconhecendo a nossa suficiência não em nossa inteligência ou valores, mas em Deus. A pregação do Evangelho revela a insensatez de nossa sabedoria e a verdadeira sabedoria de Deus, que, em princípio, parece loucura. Isto é altamente ofensivo aos sábios deste mundo tão convictos de seus conhecimentos e métodos.

     Calvino (1509-1564) comenta:

O fato de que o Evangelho é aroma de morte para os ímpios não vem tanto de sua própria natureza, mas da própria perversidade humana. Ao determinar um caminho de salvação, ele elimina a confiança em quaisquer outros caminhos.[8]

     À frente:

Toda verdade proclamada referente a Cristo é completamente paradoxal pelo prisma do juízo humano. Entretanto, o nosso dever é prosseguir em nossa rota. Cristo não deve ser suprimido só porque para muitos ele não passa de pedra de ofensa e rocha de escândalo. Ao mesmo tempo que ele prova ser destruição para os ímpios, em contrapartida ele será sempre ressurreição para os fiéis.[9]

     Quero dizer mais uma palavra. A pregação fundamenta-se no princípio de que a Palavra de Deus é infalível e que Deus continua a falar por meio dela. Ou seja: A voz de Deus não se esgotou quando o cânon foi reconhecido,[10] mas, Deus continua a falar por meio de Sua Palavra escrita e por meio dos pregadores que expõem esta Palavra com fidelidade. O Deus que falou no passado continua a falar hoje.[11]

Maringá, 08 de novembro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


[1] Agostinho, A Doutrina Cristã,IV.4.6. p. 217.

[2] Tanto o verbo (eu)doke/w) quanto o substantivo (eu)doki/a) enfatizam aquilo ou aquele que é prazeroso, considerando a essência da coisa ou o que se tem em vista. Assim, vemos que Deus Se compraz em Jesus Cristo, o Filho amado (Mt 3.17; 12.18; 17.5; 2Pe 1.17), em quem reside, conforme a vontade de Deus, toda a plenitude da divindade (Cl 1.19/2.9). Deus tem prazer em revelar a Sua vontade aos “pequeninos” (Mt 11.25-26; Lc 10.21), concedendo o Seu Reino (Lc 12.32). Ele nos predestinou para adoção conforme o seu “beneplácito” (eu)doki/a)(Ef 1.5,9), assim como vocaciona os Seus servos conforme Sua vontade (Gl 1.15-16). Deus tem prazer em salvar o Seu povo por intermédio da pregação da Palavra (1Co 1.21). Deus opera em nós conforme a Sua liberdade soberana e prazerosa (Fp 2.13). No entanto, estas palavras não são utilizadas somente para Deus, elas também descrevem atitudes e aspirações humanas, como o desejo de Paulo pela salvação dos judeus (Rm 10.1); a sua oração em favor dos tessalonicenses (2Ts 1.11); a voluntariedade prazerosa da Igreja em socorrer os irmãos necessitados (Rm 15.26-27); o desejo de deixar o corpo para estar com Cristo (2Co 5.8); a abnegação de Paulo em prol dos tessalonicenses, compartilhando a sua própria vida (1Ts 2.8 “estávamos prontos” (eu)doke/w)/1Ts 3.1-5: Verso 1: “pareceu-nos bem (eu)doke/w) ficar sozinhos em Atenas”); sofrer pelo testemunho de Cristo, a quem amava (2Co 12.10). O Evangelho deve ser pregado: “de boa vontade” (eu)doki/a)(Fp 1.15).

[3]A ideia da palavra é de algo “imbecil”, “tolo”, “insensato”. Na literatura clássica está relacionada à falta de conhecimento e discernimento. Dentro do aspecto da insensatez, esta figura é aplicada ao sal que, se se tornar “insípido” (mwrai/nw) (Mt 5.13; Lc 14.34-35) para nada mais serve. No emprego feito por Paulo: a loucura da mensagem da cruz de Cristo está justamente pela sua falta de sentido intelectual para aqueles que querem avaliar o seu conteúdo dentro de seus pressupostos viciados. Em síntese, o Evangelho soa como algo “simplório”. Paulo diz que Deus tornou “louca” (mwrai/nw) a sabedoria deste mundo (1Co 1.20). Por sua vez, os ímpios se considerando sábios, “tornaram-se loucos” (mwrai/nw) (Rm 1.22/Jr 10.14 (“estúpido” (mwrai/nw)), em sua idolatria, recebendo o justo castigo de Deus (Rm 1.23-27)). Deste modo, a sabedoria de Deus será sempre loucura (mwri/a) para os sábios deste mundo que querem simplesmente adequar o Evangelho aos seus pressupostos (1Co 1.18,23; 2.14). Dentro desta perspectiva, Deus escolheu então as “cousas loucas (mwro/j) do mundo” (1Co 1.27). Por outro lado, os que creem na loucura (mwri/a) da pregação serão salvos (1Co 1.21). A loucura (mwro/j) de Deus é mais sábia do que a sabedoria deste mundo (1Co 1.25). A sabedoria deste mundo é loucura (mwri/a) diante de Deus (1Co 3.19). Deus sabe que os pensamentos destes “sábios” são “vãos” (= “nulos”, “fúteis” (ma/taioj) *At 14.15; 1Co 3.20; 15.17; Tt 3.9; Tg 1.26; 1Pe 1.18)(1Co 3.20) Portanto, se quisermos nos tornar sábios para Deus, tornemo-nos loucos (mwro/j) para as cousas deste mundo (1Co 3.18). De certa forma, somos os loucos de Cristo (1Co 4.10). Por sua vez, ilustrando que a “loucura” ou “insensatez” não são boas em si mesmas, Paulo faz recomendações práticas para que rejeitemos as questões “sábias” deste mundo que consistem em discussões e questões “insensatas” que produzem contendas, não tendo utilidade (2Tm 2.23; Tt 3.9 (“fúteis” (ma/taioj)). Portanto, o Evangelho não tem a “loucura” e “insensatez” como virtudes (Mt 23.16-17; 25.1-13). A verdadeira sabedoria consiste em ouvir a Palavra de Deus e praticá-la. Loucura é desprezá-la (Mt 7.24-27).

[4] Ver: James M. Boice, O Evangelho da Graça, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 108-109.

[5] Cf. João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 1.18), p. 56.

[6] William Barclay, 1 y 2 Corintios,p. 32.

[7]“A igreja está hoje perecendo por falta de pensamento, não por excesso do mesmo” (J.G. Machen, Cristianismo y Cultura, Barcelona: Asociación Cultural de Estudios de la Literatura Reformada, 1974, p. 19). “O empobrecimento intelectual em relação à fé pode levar ao empobrecimento espiritual” (William L. Craig, A Verdade da Fé Cristã, São Paulo: Vida Nova, 2004. p. 14). “Quero também mostrar que os cristãos não precisam ter medo de pensar; que, na verdade, os cristãos têm vantagens sobre não-cristãos quando se trata de usar o intelecto” (Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 13). Vejam-se também as oportunas observações de Craig. (William L. Craig, A Verdade da Fé Cristã, São Paulo: Vida Nova, 2004. p. 11-16).

[8]João Calvino, Exposição de Romanos,(Rm 1.16), p. 58.

[9]João Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 6.1), p. 201-202.

[10] Quanto à questão do reconhecimento do cânon, veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Inspiração e Inerrância das Escrituras, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.

[11] Veja-se uma boa exposição deste ponto in: John Stott, Eu Creio na Pregação, São Paulo: Editora Vida, 2003, p. 106ss.

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