Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (80)

5.9. O Espírito como Senhor da vida e Mestre da Oração (Continuação)

A Trindade e a oração    

Aqui, portanto, entramos em um terreno maravilhoso, surpreendente e altamente abençoador.  Paulo relaciona a Trindade bendita com nossas orações (Ef 1.13-23).  Ainda que nem sempre em nossas orações pensemos nisso e, por vezes, somos equivocadamente tentados a exclusivisar uma das pessoas da Trindade, vemos, no entanto, na oração de Paulo a presença não meramente figurativa, antes, real e abençoadora da Santíssima Trindade. A Trindade faz parte essencial de nossa fé.[1] A doutrina da trindade está estreitamente relacionada à nossa salvação. Encontramos a paz para o nosso coração inquieto na graça que procede do Deus Triúno.[2]

Paulo reconhece esse fato. Deus deseja que partilhemos da intimidade da relação da Trindade, nos dirigindo ao Pai, pela mediação do Filho sob a direção iluminadora do Espírito.[3] Lembremo-nos de que Trindade é habitualmente o nome cristão para Deus, fazendo, portanto, parte do cerne de nossa fé.

Curiosamente, foi a busca da Igreja pela compreensão do mistério do Cristo encarnado que a fez desenvolver e precisar o conceito de Trindade.[4] E a igreja estava certa. O que Deus revelou é para nós e para os nossos filhos para que o adoremos em obediência (Dt 29.29).

Por sua vez, sabemos que a Trindade nos deu a Trindade. Sem a ação trinitária, jamais conheceríamos o Pai, o Filho e o Espírito Santo. É por Eles que conhecemos o Deus Triúno e nos relacionamos com Ele em santa adoração.

O Espírito é quem nos ensina a orar como convém; ou seja: orar segundo a vontade de Deus. A oração é educativa, pois nos desafia a confiar nas promessas de Deus registradas na sua Palavra e, assim, na medida em que confiamos, podemos amadurecer a nossa fé por meio do aprendizado experiencial de que Deus cumpre fielmente as suas promessas. “Com a oração encontramos e desenterramos os tesouros que se mostram e descobrem à nossa fé pelo Evangelho”, observou Calvino.[5] Portanto, este tesouro não pode ser negligenciado como se “enterrado e oculto no solo!”.[6] Admite: “Agora, quanto é necessário, e de quantas maneiras o exercício da oração é útil para nós, não se pode explicar satisfatoriamente com palavras”.[7]

Maringá, 24 de junho de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “A Trindade é a língua na qual a verdade cristã é falada. Ela dá forma à verdade. A Trindade não é periférica, quanto menos é opcional. Ela está no maravilhoso e grandioso cerne de nossa fé” (Tim Chester, Conhecendo o Deus Trino: porque Pai, Filho e Espírito Santo são boas novas, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2016, p. 18).

[2]Veja-se: B.B. Warfield, The Biblical Doctrine of the Trinity: In: B.B. Warfield, The Works of Benjamin B. Warfield, Grand Rapids, MI.: Baker Book House, 2000 (Reprinted), v. 1, p. 168.

[3]“O propósito original de Deus foi que o ser humano partilhasse a intimidade familiar jubilosa da Trindade” (J.I. Packer, O Plano de Deus para Você, 2. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2005, p. 125).

[4]Pelikan (1923-2006) chega a dizer que “o dogma da Trindade foi desenvolvido como a resposta da igreja à questão sobre a identidade de Jesus Cristo” (Jaroslav Pelikan, A tradição cristã: uma história do desenvolvimento da doutrina: O surgimento da tradição católica 100-600, v.1, São Paulo: Shedd Publicações, 2014, p. 235). Novamente: “O auge do desenvolvimento doutrinal da igreja primitiva foi o dogma da Trindade” (Jaroslav Pelikan, A tradição cristã: uma história do desenvolvimento da doutrina: O surgimento da tradição católica 100-600, v.1, p. 185). “É verdade que as controvérsias cristológicas que remontam ao ano 360 não são no fundo mais do que uma consequência lógica das discussões sobre a fé trinitária” (B. Stüder, Trindade: In: Ângelo Di Berardino, org. Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs, Petrópolis, RJ.; São Paulo: Vozes; Paulinas, 2002, p. 1389). “É possível argumentar que a doutrina da Trindade se encontra intimamente associada ao desenvolvimento da doutrina sobre a divindade de Cristo. Quanto mais a igreja insistia no fato de Cristo ser Deus, mas era pressionada a esclarecer a forma como Cristo se relacionava com Deus” (Alister E. McGrath, Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005,p. 378). No final do segundo século, Irineu (c. 130-200 AD) testemunha que a Igreja de Deus, espalhada por toda face da terra, declarava a sua fé trinitária – conforme recebera dos discípulos – a saber: “a fé em um só Deus, Pai onipotente, que fez o céu e a terra, o mar e tudo quanto nele existe; em um só Jesus Cristo, Filho de Deus, encarnado para nossa salvação; e no Espírito Santo que, pelos profetas, anunciou a economia de Deus” (Irineu, Irineu de Lião,São Paulo: Paulus, 1985, I.10.1. p. 61-62). Ainda segundo ele, esta pregação era comum na Igreja “Unanimemente as prega, ensina e entrega, como se possuísse uma só boca” (Irineu, Irineu de Lião,I.10.2. p. 62).

[5]João Calvino, As Institutas,III.20.2.

[6]João Calvino, As Institutas,III.20.1.

[7]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3, (III.9), p. 92.

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