“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (130)

7.5.2.4. É uma unidade de propósito (Continuação)

Em 1996, um grupo de Evangélicos radicados nos Estados Unidos elaborou a Declaração Teológica de Cambridge. Na Quarta tese, lemos:

Onde quer que, na igreja, se tenha perdido a autoridade da Bíblia, onde Cristo tenha sido colocado de lado, o evangelho tenha sido distorcido ou a fé pervertida, sempre foi por uma mesma razão. Nossos interesses substituíram os de Deus e nós estamos fazendo o trabalho dele a nosso modo. A perda da centralidade de Deus na vida da igreja de hoje é comum e lamentável. É essa perda que nos permite transformar o culto em entretenimento, a pregação do evangelho em marketing, o crer em técnica, o ser bom em sentir-­nos bem e a fidelidade em ser bem­-sucedido. Como resultado, Deus, Cristo e a Bíblia vêm significando muito pouco para nós e têm um peso irrelevante sobre nós.

Deus não existe para satisfazer as ambições humanas, os desejos, os apetites de consumo, ou nossos interesses espirituais particulares. Precisamos nos focalizar em Deus em nossa adoração, e não em satisfazer nossas próprias necessidades. Deus é soberano no culto, não nós. Nossa preocupação precisa estar no reino de Deus, não em nossos próprios impérios, popularidade ou êxito.[1]

             O que anunciamos jamais será o Evangelho bíblico se consistir apenas numa mensagem de alívio para as supostas necessidades do homem. Esta concepção nos parece imperiosamente relevante. Quando proclamamos o Evangelho, estamos glorificando a Deus por meio de nossa obediência ao seu mandamento de anunciar a mensagem de redenção a todos os homens. “O nome de Deus nunca é melhor celebrado do que quando a verdadeira religião é extensamente propagada e quando a Igreja cresce, a qual por essa conta é chamada ‘plantações do Senhor, para que Ele seja glorificado’ [Is 61.3]”, interpreta Calvino.[2]

            Contudo, devemos também ter em mente que o nosso propósito em assim fazê-lo deve ser o de glorificar a Deus no anúncio de sua mensagem redentiva. Deus é glorificado não somente por intermédio dos que creem, quando a sua misericórdia resplandece, mas, mesmo por intermédio daqueles que rejeitam a mensagem, sendo glorificada a sua paciência e justiça (Rm 9.22-24)[3] que são tão santas como o seu amor e misericórdia.

            Schreiner, portanto, está correto ao declarar: “Eu definiria a glória de Deus como a beleza, majestade e grandiosidade de quem Ele é; portanto, a grandiosidade de seu ser é demonstrada em tudo o que Ele faz, quer na salvação quer no julgamento”.[4]

            A Igreja de Deus, no seu ato essencial de proclamar as virtudes de Deus (1Pe 2.9-10), tem como objetivo final a Glória de Deus (Rm 11.36; 1Co 10.31). A Evangelização visa glorificar a Deus, por meio do anúncio da natureza de Deus e de sua obra eficaz efetivada em Cristo Jesus. Ousamos dizer, que a Evangelização tem fundamentalmente como alvo final, glorificar a Deus; e Deus é glorificado por meio da salvação de seu povo (Is 43.7; Jo 17.6-26; Ef 1.7/2Ts 1.10-12) e a consequente confissão de sua soberania (Fp 2.5-11). A glória de Deus é muito maior do que a nossa salvação; mas, também sabemos que “a glória de Jesus é a salvação de seus seguidores”.[5]

            O Espírito dirige a Igreja na glorificação de Cristo, ensinando-lhe a obediência proveniente da fé.[6] Para isto, temos no Filho o próprio paradigma a ser seguido. Foi justamente na obediência perfeita ao Pai, que o Filho O glorificou. “Eu te glorifiquei (doca/zw) na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer” (Jo 17.4). Quando evangelizamos estamos revelando o nosso amor a Deus e ao nosso próximo, glorificando a Deus, sendo-Lhe obedientes na vivência de nossa natureza de testemunho e serviço. “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama” (Jo 14.21). A obediência é fruto da genuína fé.[7]Na obediência a Cristo, a Igreja O glorifica. O Espírito que cumpre seu ministério obedientemente (Jo 16.13-14),[8] conduz a Igreja a ser a glorificação de Cristo em sua obediência (Jo 17.9,10).[9]

Maringá, 20 de agosto de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Documento consultado em 19/08/2020 no site: http://www.alliancenet.org/cambridge-declaration : www.alliancenet.org . Em português: James M. Boice: Benjamin E. Sasse, Reforma Hoje, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 19.

[2] João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Edições Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 102.21), p. 581.

[3]“Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória (do/ca) em vasos de misericórdia, que para glória (do/ca) preparou de antemão, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios?” (Rm 9.22-24).

[4]Thomas R. Schreiner, Uma Teologia bíblica da glória de Deus: In: S. Storms; J. Taylor, orgs. John Piper: ensaios em sua homenagem, São Paulo: Hagnos, 2013, p. 262.

[5]William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004, (Jo 17.6), p. 758.

[6]“A principal obra do Espírito Santo é glorificar ao Senhor Jesus Cristo. Portanto, não haverá valor em nossas orações, se não crermos nele, em sua divindade singular, em sua encarnação, nascimento virginal, milagres, morte expiatória, ressurreição e ascensão. O Espírito O glorifica e, portanto, devemos crer nele e ser ‘unânimes’ em nossa doutrina” (D. Martyn Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 72).

[7]Dietrich Bonhoeffer, Discipulado,2. ed. São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1984, p. 25.

[8]“Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará (doca/zw), porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16.13-14).

[9]“É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus; ora, todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e, neles, eu sou glorificado” (Jo 17.9-10).

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