“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (129)

A maioria das pessoas que conviveu com Jesus Cristo durante o seu ministério terreno não conseguia perceber que aquele homem tão doce e acessível, amado e odiado, reverenciado e temido, era o próprio Deus encarnado. O Deus, o Senhor da glória.[1]

Paulo escreve aos coríntios mostrando a nulidade do conhecimento humano diante da sublimidade de Cristo, o Senhor: “Sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor (ku/rioj) da glória” (1Co 2.8/Tg 2.1/Jo 17.1-5).

Os nossos cânones intelectuais, sociais e culturais não conseguem por si só enxergar a majestade do Filho visto que não temos como mensurar o incomensurável. Como essa é também uma questão essencialmente espiritual, Satanás está comprometido com o velamento de nosso entendimento para que a Glória do Filho revelada no Evangelho não resplandeça a nós:  “O deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus” (2Co 4.4).

            Lloyd-Jones ilustra esse ponto positivamente partindo do exemplo de Jesus Cristo que, nessa oração revela a sua genuína preocupação: glorificar o Deus Pai (Jo 17.1):

Acima de nossa preocupação com as almas dos homens e com a sua salvação deve estar a nossa preocupação com a glória de Deus. O que devemos acentuar para os homens e para as mulheres que estão fora de Cristo e para os pecadores do mundo atual não é, primariamente, o fato de que eles são pecadores, e que são infelizes porque são pecadores, mas o fato de que o pecado deles é uma agressão a Deus e uma difamação da glória de Deus. O nosso interesse pela glória de Deus deve vir antes do nosso interesse pelo estado e condição do pecador. Isso foi verdade quanto ao nosso Senhor, e é Ele que nos envia.[2]

            Jesus Cristo desafia a Igreja a assumir a sua identidade, não uma simples máscara periódica, antes, como autêntico povo de Deus alcançado e constituído por sua misericórdia:

Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem (doca/zw) a vosso Pai que está nos céus (Mt 5.14-16).

            A Igreja, como criação de Deus, é conclamada a viver harmoniosamente glorificando a Deus, sendo um sinal luminoso que aponta de forma efetiva para o seu Criador, a fim de que todos, por meio do nosso testemunho, possam glorificá-lo.

            O modo como pregamos o evangelho reflete o nosso conceito de Deus. Nada é mais importante do que o caráter de Deus. Todavia, quando perdemos a dimensão de quem é Deus, as demais coisas são descaracterizadas. Somente a compreensão correta de quem é Deus pode conferir sentido à nossa existência e a todo o nosso labor missionário. Diante da majestade de Deus, todas as demais coisas tornam-se aos nossos olhos, o que realmente são, pequenas.[3] De fato “Não há glória real senão em Deus”, declara Calvino.[4]

            A perda da dimensão correta da Majestade de Deus, tem como causa primeira, o descrédito para com a sua Palavra. Quando não somos instruídos pelas Escrituras[5] deixamos de reconhecer salvadoramente a Jesus Cristo, o Filho de Deus (Mt 22.29/Os 4.1,6).[6]

       Maringá, 20 de agosto de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Veja-se: R.C. Sproul, A Glória de Cristo, São Paulo: Cultura Cristã, 1997.

[2]D. M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 2), p. 20.

[3]Comentando Dn 3.28 – quando Nabucodonosor admite que Sadraque, Mesaque e Abedenego preferiram obedecer a Deus ao decreto real –, Calvino escreve: “Toda e qualquer pessoa que olha para Deus, facilmente menospreza a todos os mortais e a tudo o que se afigura esplêndido e majestoso no mundo inteiro” (João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.28), p. 228).

[4]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 1.17), p. 46.

[5]“Ninguém jamais aprenderá o que Cristo é, ou o propósito de suas ações e sofrimentos, salvo pela orientação e ensino das Escrituras. Até onde, pois, cada um de nós deseja progredir no conhecimento de Cristo, teremos que meditar bastante e continuamente sobre a Escritura” (João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 2.17), p. 100).

[6]“Respondeu-lhes Jesus: Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus” (Mt 22.29). “Ouvi a palavra do Senhor, vós, filhos de Israel, porque o Senhor tem uma contenda com os habitantes da terra, porque nela não há verdade, nem amor, nem conhecimento de Deus. (…) O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento. Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos” (Os 4.1,6).

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