Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (79)

5.9. O Espírito como Senhor da vida e Mestre da Oração (Continuação)

Oração como bênção procedente do Espírito

Portanto, podemos dizer que a oração é uma das maiores bênçãos que Deus concedeu ao seu povo. Deus propicia-nos condições para falar com Ele; ensina-nos a fazê-lo de modo correto – quanto à forma e à essência – e, assiste-nos com o seu Santo Espírito que habita em nós, os crentes em Cristo.

Todavia, a nossa prática equivocada e desleixada da oração pode, de modo lamentável, tornar-se uma prática rotineira, mecânica, sem maior significado qualitativo para a nossa existência: em suma, por vezes negamos a importância da oração em nossa suposta prática devocional. Isso, até que tomemos consciência da nossa situação e precisemos clamar das “profundezas” a Deus (Sl 130.1).[1] Esta situação não foi estranha a diversos personagens bíblicos.

Josafá, perseguido de forma implacável pelas lanças sírias, registra o Cronista: “Josafá, porém, gritou e o Senhor o socorreu; Deus os desviou dele” (2Cr 18.31).

Jonas, antes disposto a fugir da presença de Deus (Jn 1.3), agora, no ventre do grande peixe,  ora: “Na minha angústia, clamei ao SENHOR, e ele me respondeu; do ventre do abismo, gritei, e tu me ouviste a voz. (…) Quando, dentro de mim, desfalecia a minha alma, eu me lembrei do SENHOR; e subiu a ti a minha oração” (Jn 2.2,7).

Habacuque, num primeiro momento, sem entender o porquê de Deus permitir a maldade dos judeus sem aparentemente puni-los e, posteriormente, Deus punindo o seu povo por meio dos ímpios Caldeus, encontra as suas profundezas na torre, e diz:“Por-me-ei na minha torre de vigia, colocar-me-ei sobre a fortaleza e vigiarei para ver o que Deus me dirá e que resposta eu terei à minha queixa (tx;k;AT)(tôkêchâh)[2](Hc 2.1).

Graças a Deus porque todos nós, em Cristo, temos o Espírito de oração (Zc 12.10),[3] porque sem ele jamais poderíamos orar de modo aceitável ao Pai. “A própria oração é uma forma de adoração”, instrui  Sproul (1939-2017).[4]

Por outro lado, o auxílio do Espírito não deve servir de pretexto para a nossa indolência e irresponsabilidade espiritual. Interpreta Calvino:

Aqui não se diz que, lançando o ofício da oração sobre o Espírito de Deus, podemos adormecer negligentes ou displicentes, como alguns se acostumaram a blasfemar, dizendo: devemos ficar à espera, sem nenhuma preocupação, até que o Espírito chame a atenção da nossa mente, até então ocupada e distraída com outras coisas. Muito ao contrário, aqui somos induzidos a desejar e a implorar tal auxílio, com aversão e desgosto por nossa preguiça e displicência.[5]
Quando nos sentirmos frios, e indispostos para orar, supliquemos logo ao Senhor que nos inflame com o fogo de seu Espírito, pelo qual sejamos dispostos e suficientes para orar como convém.[6]

Maringá, 21 de junho de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “Das profundezas clamo a ti, SENHOR” (Sl 130.1).

[2]Esta palavra que corre 28 vezes no Antigo Testamento, é empregada especialmente no livro de Provérbios, com o sentido de: Repreensão (Pv 1.23,25, 30; 3.11; 6.23; 10.17; 12.1; 13.18; 15.5, 10,31,32; 27.5; 29.1; Ez 25.17); Defesa (Jó 13.6); Disciplina (2Rs 19.3; Pv 5.12); Argumento (Jó 23.4); Réplica (Sl 18.14); Castigo (Sl 39.11; 73.14; 149.7; Is 37.3; Ez 5.15; Os 5.9).

            A oração do profeta é um protesto, um arrazoado sincero e audacioso de um homem que quer mas não consegue compreender o modo de Deus agir, daí a sua queixa, a sua réplica, o seu argumento contra o desígnio de Deus.

            Calvino comenta: “Não é de se estranhar se os fiéis, mesmo em oração, nutram em seus corações divergências e emoções conflitantes. O Espírito Santo, porém, que os habita, amenizando a violência de sua dor, pacifica todas as suas queixas e os conduz paciente e cordialmente à obediência” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, v. 2, (Sl 44.2), p. 282).

[3]“E sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém derramarei o espírito da graça e de súplicas….” (Zc 12.10).

[4] R.C. Sproul, O Ministério do Espírito Santo, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 187.

[5]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, v. 3, (III.9), p. 95.

[6]J. Calvino, Catecismo de Genebra, Perg. 245. In: Catecismos de la Iglesia Reformada, Buenos Aires: La Aurora, 1962.

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