Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (61)

5.7. A Santificação e a responsabilidade do crente (Continuação)

Meditação e prática das Escrituras

É impossível haver um genuíno amadurecimento espiritual distante da Palavra. Por isso, o meditar nas Escrituras é indispensável à nossa santificação.

Poythress orienta:

Não há atalho para crescer no entendimento da Escritura e no entendimento de Deus que fala na Escritura. Cada aspecto do entendimento ajuda outro aspecto. É importante crescer, porque um entendimento profundo da Escritura é vital à medida que nos esforçamos para servir a Cristo criativamente em situações que a Bíblia não aborda diretamente. A Bíblia como a Palavra de Deus aborda todas as coisas, quer diretamente, quer na forma de implicação. Ele fala para toda a vida. Mas para ver como isso se dá, pode ser necessário reflexão e meditação.[1]

Sobre o progresso espiritual e a meditação nas Escrituras, Calvino comenta:

Só são dignos estudantes da lei aqueles que se achegam a ela com uma mente disposta e se deleitam com suas instruções, não considerando nada mais desejável e delicioso do que extrair dela o genuíno progresso. Desse amor pela lei procede a constante meditação nela.[2]

O ouvir e meditar são os passos conducentes à prática. O meditar sincero aprofunda a leitura nos propiciando uma compreensão mais ampla e piedosa da doutrina.

Aquilo sobre o que meditamos, normalmente, molda a nossa perspectiva da realidade e o nosso comportamento.[3] Esta sabedoria espiritual exige um laborioso processo de compreensão, entendimento e prática da verdade. Portanto, a nossa sabedoria consiste em nos submeter às Escrituras. 

Temos que treinar os nossos pés na vereda da justiça. A obediência a Deus deve ser exercitada diariamente. Os salmistas testemunham:

Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores.  2 Antes, o seu prazer está na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite. (Sl 1.1-2).

Quanto às ações dos homens, pela palavra dos teus lábios eu me tenho guardado dos caminhos do violento. Os meus passos se afizeram às tuas veredas, os meus pés não resvalaram. (Sl 17.4-5).

Bem-aventurados os irrepreensíveis no seu caminho, que andam na lei do Senhor. (Sl 119.1. Vejam-se: Dt 30.14; Rm 2.13; Tg 1.22-25).

No Salmo 1 vemos que enquanto o ímpio persegue freneticamente o conselho e caminho dos ímpios, o fiel, que tem na Palavra o seu prazer, ocupa a sua mente com a Lei do Senhor; de dia e de noite. A ênfase é no objeto da meditação (A Lei) e a sua constância.

Meditação e imaginação

A meditação é centrada em Deus e sua Palavra; não é uma mera meditação introspectiva ou transcendental, mas, centrada em Deus e dirigida por Deus.[4]   Portanto, todo momento e cada circunstância é oportuno para tomar a Palavra como alvo de nossas cogitações.

Curiosamente, no Salmo 2.1, o verbo “imaginar”(hg’h’) (hãgãh) é o mesmo de “meditar” noSalmo1.2. O verbo que é usado de forma negativa e positiva na Escritura, tem o sentido de murmurar, gemer, meditar, planejar, imaginar. É possível que a Palavra fosse “murmurada”, lida a meia voz durante a sua contínua meditação.[5] Este meditar tinha como objetivo de, por meio da aprendizagem dos mandamentos de Deus,[6] adequar a sua vida aos ensinamentos ali contidos, não apenas um exercício intelectual e sensorial (Js 1.8).

A questão então, está no que ocupa a nossa mente: em meditar na Palavra ou em imaginar cousas vãs?. Quando a nossa imaginação navega sem rumo pode se alimentar de coisas fúteis, tornando-se instrumento de destruição como, por exemplo, para maquinar planos de vingança e calúnia. A nossa imaginação mal utilizada poderá criar estruturas mentais que se constituem em pressupostos concretos para o novo elaborar intelectual, nos conduzindo a um comportamento totalmente distante da realidade, cujo fundamento está em nossa imaginação pecaminosa que se alimentou de si mesma construindo um mundo fictício e, pior, destrutivo. Esta “petição de princípio” imaginativa certamente acarretará muita dor e ansiedade e, pior, sem nenhum fundamento concreto.

Salomão nos instrui quanto ao perigo de invejarmos o ímpio e de desejarmos conviver com ele. Este homem é contagiante em suas maquinações para a violência as quais são verbalizadas para persuadir: “Não tenhas inveja dos homens malignos, nem queiras estar com eles,  2 porque o seu coração maquina (hg’h’) (hãgãh) violência, e os seus lábios falam para o mal” (Pv 24.1-2).

Davi descrevendo seus inimigos que  se aproveitam de sua fragilidade circunstancial, escreve: “Armam ciladas contra mim os que tramam tirar-me a vida; os que me procuram fazer o mal dizem coisas perniciosas e imaginam (hg’h’) (hãgãh) engano todo o dia” (Sl 38.12).

Maringá, 31 de maio de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Vern S. Poythress, O senhorio de Cristo: servindo o nosso Senhor o tempo todo, em toda a vida e de todo o nosso coração, Brasília, DF.: Monergismo, 2019, p. 174.

[2]João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, Vol. 1, (Sl 1.2), p. 53.

[3]“Todos nós meditamos e somos moldados pelo objeto de nossa meditação”  (Randy Alcorn, Decisões diárias cumulativas, coragem em uma causa e uma vida de perseverança: In: John Piper; Justin Taylor, eds. Firmes: um chamado à perseverança dos santos. São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2010, p. 99).

[4] Veja-se: Bruce K. Waltke; James M. Houston; Erica Moore, The Psalms as Christian Worship: A Historical Commentary,  Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 2010, (Sl 1.2), p. 139.

[5] Vejam-se: Mark D. Futato, Interpretação dos Salmos, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 55-56; Hebert Wolf, Hagâ: In:  R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 337; Willem A. VanGemeren,  Psalms. In: Frank E. Gaebelein, ed. ger., The Expositor’s Bible Commentary,  Grand Rapids, Michigan: Zondervan,  1991, v.  5, (Sl 1), p. 55; M.V. Van Pelt; W.C. Kaiser, Jr., Hgh: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v.  1, p. 981-982; Helmer Ringgren; A. Negoitã, Haghah: In: G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren; Heinz-Josef Fabry, eds., Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdamans, 1978, v. 3, p. 321-324.

[6]“A aprendizagem é o processo mediante o qual a experiência passada do amor de Deus é traduzida, pelos aprendizes, em obediência à Torá de Deus” (D. Müller, Discípulo: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 662).

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