Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (52)

Considerações pontuais

Devemos estar atentos ao fato de que há também “conversões temporárias” que, mesmo apresentando frutos, logo se dissipam. Este tipo de fé é decorrente, por graça,[1] da consciência da realidade das verdades religiosas. Em um primeiro momento, ela manifesta frutos semelhantes aos da fé salvadora; todavia, por ela não estar amparada no genuíno conhecimento da Palavra e não proceder de um coração regenerado, é ineficaz e não permanece; falta-lhe raiz (Mt 13.20-21).[2]

De quando em quando, surgem pessoas na Igreja cheias de entusiasmo, julgando que tudo está errado, querendo transformar as estruturas, achando que podem fazer melhor o trabalho etc. De repente, de modo abrupto ou gradativo, elas perdem o primeiro vigor e se afastam: sua fé aparentemente tão fervorosa se apagou. Era uma fé cheia de adjetivos. Contudo, não dispunha de substância. Esta é uma forma característica da fé temporal se manifestar. (Veja-se: Jo 2.23-25; At 8.13,18-24; 2Tm 2.17-18; 4.10; 1Jo 2.18-19).[3]

É necessário vigilância. Os Cânones de Dort, mesmo nos confortando com a graça de Deus que nos faz perseverar, nos alerta quanto à necessidade de vigilância em nossa vida:

O poder de Deus, pelo qual Ele confirma e preserva os verdadeiros crentes na graça, é tão grande que isto não pode ser vencido pela carne. Mas os convertidos nem sempre são guiados e movidos por Deus, e assim eles poderiam, em certos casos, por sua própria culpa, desviar‑se da direção da graça e ser seduzidos pelos desejos da carne e segui‑los. Devem, portanto, vigiar constantemente e orar para que não caiam em tentação. Quando não vigiarem e orarem, eles podem ser levados pela carne, pelo mundo e por Satanás para sérios e horríveis pecados. Isto ocorre também muitas vezes pela justa permissão de Deus. A lamentável queda de Davi, Pedro e outros santos, descrita na Sagrada Escritura, demonstra isso.[4]

Precisamos estar atentos à exortação bíblica, nos valendo dos recursos que Deus coloca à nossa disposição para o nosso crescimento espiritual (2Pe 1.3):[5]

12 Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes,[6] não só na minha presença, porém, muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; 13 porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade. 14 Fazei tudo sem murmurações nem contendas, 15 para que vos torneis irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta, na qual resplandeceis como luzeiros no mundo, 16 preservando a palavra da vida, para que, no Dia de Cristo, eu me glorie de que não corri em vão, nem me esforcei inutilmente (Fp 2.12-16).

Maringá, 20 de maio de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

        


[1] Ver: João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 6.4), p. 153-154. Em outro lugar: “Existe uma fé temporária, como Marcos a chama (4.7), a qual não é tanto um fruto do Espírito de regeneração, mas uma certa emoção mutável e prontamente se desvanece” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 106.12), p. 676). Calvino a chama também de “conversão temporária” e “fé transitória” (João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.26), p. 221 e (Dn 3.28), p. 226).

[2]20 O que foi semeado em solo rochoso, esse é o que ouve a palavra e a recebe logo, com alegria; 21 mas não tem raiz em si mesmo, sendo, antes, de pouca duração; em lhe chegando a angústia ou a perseguição por causa da palavra, logo se escandaliza” (Mt 13.20-21).

[3]23 Estando ele em Jerusalém, durante a Festa da Páscoa, muitos, vendo os sinais que ele fazia, creram no seu nome; 24 mas o próprio Jesus não se confiava a eles, porque os conhecia a todos. 25 E não precisava de que alguém lhe desse testemunho a respeito do homem, porque ele mesmo sabia o que era a natureza humana” (Jo 2.23-25). 13 O próprio Simão abraçou a fé; e, tendo sido batizado, acompanhava a Filipe de perto, observando extasiado os sinais e grandes milagres praticados. (…) 18 Vendo, porém, Simão que, pelo fato de imporem os apóstolos as mãos, era concedido o Espírito Santo, ofereceu-lhes dinheiro, 19 propondo: Concedei-me também a mim este poder, para que aquele sobre quem eu impuser as mãos receba o Espírito Santo. 20 Pedro, porém, lhe respondeu: O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois julgaste adquirir, por meio dele, o dom de Deus. 21 Não tens parte nem sorte neste ministério, porque o teu coração não é reto diante de Deus. 22 Arrepende-te, pois, da tua maldade e roga ao Senhor; talvez te seja perdoado o intento do coração; 23 pois vejo que estás em fel de amargura e laço de iniquidade. 24 Respondendo, porém, Simão lhes pediu: Rogai vós por mim ao Senhor, para que nada do que dissestes sobrevenha a mim” (At 8.13,18-24). 17 Além disso, a linguagem deles corrói como câncer; entre os quais se incluem Himeneu e Fileto. 18 Estes se desviaram da verdade, asseverando que a ressurreição já se realizou, e estão pervertendo a fé a alguns” (2Tm 2.17-18). “Porque Demas, tendo amado o presente século, me abandonou e se foi para Tessalônica; Crescente foi para a Galácia, Tito, para a Dalmácia” (2Tm 4.10). 18Filhinhos, já é a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também, agora, muitos anticristos têm surgido; pelo que conhecemos que é a última hora. 19 Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos” (1Jo 2.18-19).

[4] Os Cânones de Dort, São Paulo: Cultura Cristã, (s.d.), V.4.

[5] “Visto como, pelo seu divino poder (du/namij), nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3).

[6] F.F. Bruce, Filipenses, Florida: Editora Vida, 1992, (Fp 2.12-13), p. 90.

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