“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (154)

7.5.5. A Unidade e a nossa responsabilidade

A unidade da Igreja é uma realidade em Cristo; entretanto, cabe à Igreja preservá-la mediante um comportamento fundamentado nos princípios bíblicos. Jesus Cristo na Oração Sacerdotal ora para que a unidade cristã já existente seja aperfeiçoada (Jo 17.22-23).[1] Leiamos mais uma vez o que Paulo escreveu aos efésios: Esforçando-vos diligentemente (Spouda/zw) por preservar (thre/w) a unidade do Espírito no vínculo (Su/ndesmoj) da paz”(Ef 4.3).

            A ideia expressa neste substantivo, Su/ndesmoj,[2] é a de unir, manter as coisas ligadas, ligar, algemar, prender, amarrar, acorrentar.(*At 8.23; Ef 4.3; Cl 2.19; 3.14). “A paz promove a perpetuação da unidade”.[3] A paz enlaça, envolve a unidade com as cordas do amor. (Ver: Cl 3.14).[4] Não devemos permitir que a “unidade do Espírito” seja abalada em nosso relacionamento. A unidade é obra do Espírito, mas cabe a nós vivermos a sua plenitude no vínculo da paz (Rm 12.18) e no amor de Cristo (Jo 13.34-35; 15.12,17). O próprio tempo verbal de “esforçando-vos”, (Spouda/zw) (particípio presente), apresenta o conceito de um esforço contínuo, sem esmorecimento.[5]

            Comentando sobre o egoísmo humano que gera divisões na Igreja e, ao mesmo tempo, a falta de tolerância, Calvino escreve, exortando-nos à amar os nossos irmãos:

Há tanta rabugice em quase todos esses indivíduos que, estando em seu poder, de bom grado fariam para si suas próprias igrejas, porquanto se torna difícil acomodarem-se aos modos das demais pessoas. Os ricos invejam uns aos outros, e raramente se encontra um entre cem que acredite que os pobres são também dignos de ser chamados e incluídos entre seus irmãos. A menos que haja similaridade em nossos hábitos, ou alguns atrativos pessoais, ou vantagens que nos unam, será muitíssimo difícil manter uma perene comunhão entre nós. Essa advertência, pois, se torna mais que necessária a todos nós, a fim de sermos encorajados a amar, antes que odiar, e não nos separarmos daqueles a quem Deus nos uniu. Torna-se urgente que abracemos com fraternal benevolência àqueles que nos são ligados por uma fé comum. É indubitável que a nós compete cultivar a unidade da forma a mais séria, porque Satanás está bem alerta, seja para arrebatar-nos da Igreja, ou para desacostumar-nos dela de maneira furtiva.[6]

            Em 19 de agosto de 1561, na Dedicatória de seu comentário do Profeta Daniel, Calvino fala de seu esforço por manter a paz – o que nem sempre tem sido possível –, e, ao mesmo tempo, estimula seus irmãos a não ultrapassarem determinados limites. Escreve:

Mais ainda, é vossa incumbência, amados irmãos, tomar prudente cuidado para que a verdadeira religião possa novamente readquirir uma posição sã; isto é, até onde cada um tiver o poder e a vocação. Não é necessário dizer o quanto tenho lutado para remover toda e qualquer ocasião geradora de tumultos até agora. Clamo aos anjos e a vós para testemunhardes diante do supremo juiz que não é de minha responsabilidade que o progresso do reino de Cristo não tenha sido calmo e inofensivo. De fato, julgo ser em decorrência de meu cuidado que pessoas particulares ainda não passaram dos limites.[7]

            A unidade da Igreja revela ao mundo o fato de que Deus nos ama como ama ao Seu Filho unigênito e, que este amor, se revelou de forma insofismável, na vinda do Seu Filho amado para morrer pelos pecadores (Jo 3.16/Jo 17.21-23). Desta forma, a Igreja é o testemunho histórico do amor de Deus.

            Schaeffer (1912-1984), comentando sobre a nossa responsabilidade, diz:

Não podemos esperar que o mundo creia que o Pai mandou o Filho, que as reivindicações de Jesus sejam verdadeiras, e que o cristianismo seja verdadeiro, a não ser que o mundo veja alguma realidade na unidade de cristãos verdadeiros.[8]

Maringá, 16 de setembro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “O que Ele pede em oração aqui é que esta união, que já existe, seja guardada, seja continuada e seja preservada por Seu Pai” (D.M. Lloyd-Jones, Crescendo no Espírito,  São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2006 (Certeza Espiritual: v. 4), p. 157).

[2]O verbo sunde/w ocorre uma única vez no NT (Hb 13.3). Ele é constituído de duas palavras su/n, “junto com” e de/w, “amarrar”, “atar”, “prender”, “algemar”, “casar” (Mt 12.29; 16.19; Lc 13.16; Jo 19.40; At 9.2; 21.11,13,33; Rm 7.2; 1Co 7.27 etc.). Do mesmo modo, o substantivo (Su/ndesmoj) é composto de su/n, “junto com” e desmo/j, “prisão”, “cadeia”, “algemas” (Lc 13.16; At 23.29,31; Fp 1.7,13,14,17; 2Tm 2.9, etc.). No texto de Efésios, Paulo já empregara a expressão para si, como “prisioneiro de Cristo Jesus” (Ef 3.1) e “prisioneiro do Senhor” (Ef 4.1). Em ambos os textos, a palavra é de/smioj, expressão muito utilizada por Lucas e pelo próprio Paulo para falar de suas prisões. Ver: At 16.25; 23.18; 25.14; 27; 28.17; 2Tm 1.8; Fm 1,9.

[3]William Hendriksen, Exposição de Efésios, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992,(Ef 4.2-3), p. 230.

[4]“Acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo (su/ndesmoj) da perfeição (teleio/thj) (Cl 3.14).

[5] Lloyd-Jones interpretando o emprego de Spouda/zw no texto, diz: “Devemos apressar-nos a fazer alguma coisa, a mostrar grande interesse, a expressar solicitude – ‘esforçando-vos para guardar’. Acima de tudo mais, diz o apóstolo, como cristãos nesta vocação para a qual vocês foram chamados, apressem-se a fazer isto, sejam diligentes quanto a isto, nunca o esqueçam, seja esta a coisa principal da sua vida; acima de todas as outras coisas, mostrem grande interesse e solicitude com respeito a unidade que existe entre vocês.” (D.M. Lloyd-Jones,  A Unidade Cristã, p. 36-37).

[6] João Calvino, Exposição de Hebreus,São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 10.25), p. 272-273.  Schaff analisa: “A Igreja de Deus era a sua casa, e aquela Igreja não conhece nenhum limite de nacionalidade e idioma. O mundo era a sua paróquia. Tendo rompido com o papado, ele ainda permaneceu um católico na melhor acepção da palavra, e orou e trabalhou para a unidade de todos os crentes” (Philip Schaff, History of the Christian Church, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, v. 8, p. 799).

[7]João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, p. 26.

[8] F.A. Schaeffer, O Sinal do Cristão,Goiânia, GO.: ABUB; APLIC., 1975, p. 24. Veja-se também, A. Richardson, Introdução à Teologia do Novo Testamento, São Paulo: ASTE., 1966, p. 286-287.

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