Eu lhes tenho dado a tua Palavra (Jo 17.1-26) (109)

7.2. A Doutrina da Trindade: Mistério Tremendo

Um único Deus é a Trindade” – Décimo Primeiro Concílio de Toledo (675).[1]

A fim de desenvolver um pouco mais o nosso assunto, demonstrando biblicamente o grande privilégio da oração que Deus nos concede, falemos um pouco da Trindade, sabendo que o nosso muito falar, por mais esclarecido e bíblico que fosse, seria apenas um vislumbre opaco dessa preciosíssima e majestosa doutrina bíblica.[2]

É necessário enfatizar que quando nos aproximamos deste tema para estudá-lo, temos de fazê-lo com reverente temor e humildade, reconhecendo a grandiosidade do assunto e a nossa limitação para entendê-lo de forma adequada e explicá-lo de modo correto.[3]

Portanto, este ensinamento não é decorrente – como alguns equivocadamente pensam –, de especulação humana; antes, a nossa dependência na formulação e compreensão desta doutrina é unicamente da iluminação do Espírito por intermédio da Palavra. As Escrituras Sagradas contêm elementos suficientes para a formulação deste ensino.

A doutrina da Trindade é uma das marcas características do Cristianismo, sendo fundamentalmente dependente da revelação bíblica.[4] Ela enfrentou ao longo da história diversos ataques, muitos dos quais resultantes de uma compreensão limitada e errada dos ensinamentos bíblicos.

Bavinck (1854-1921) acentua:

O artigo sobre a santa Trindade é o coração e o núcleo de nossa confissão, a marca registrada de nossa religião, e o prazer e o conforto de todos aqueles que verdadeiramente creem em Cristo.

Essa confissão foi a âncora na guerra de tendências através dos séculos. A confissão da santa Trindade é a pérola preciosa que foi confiada à custódia da Igreja Cristã.[5]

Como o propósito de expressar a verdade bíblica de que o Ser de Deus subsiste em Três Pessoas, a teologia cristã usa o termo Trindade, palavra esta que não se encontra na Bíblia, mas, sim, o seu ensinamento. A expressão Trindade é proveniente do latim trinitas, derivando-se do termo trinus (= triplo), ao que veio corresponder outro sinônimo: tríade, do grego tri/aj que significa um conjunto de três.

Até onde sabemos, Teófilo de Antioquia (c. 115-181) – em uma apologia a respeito do Cristianismo –, foi possivelmente o primeiro a usar a palavra Trindade (tri/aj).[6]

Tertuliano (c. 155-220) foi o primeiro a usar o termo latino Trinitas[7]e, também, o primeiro a tentar sistematizar esta doutrina, ainda que o tenha feito de forma deficiente, subordinando o Filho e o Espírito ao Pai.[8]

Preferimos a palavra Triunidade por acreditar que ela expressa melhor o ensinamento bíblico de que há um só Deus que subsiste em Três Pessoas. No entanto, usaremos os termos Trindade e Triunidade de forma intercambiável.

A palavra Triunidade traz em seu bojo quatro ideias fundamentais embasadas nas Escrituras, a saber:

1) O Pai é Deus;

2) O Filho é Deus;

3) O Espírito é Deus;

4) Estes três são um só Deus.[9]

A Confissão Escocesa (1560) assim resume: “Confessamos e reconhecemos um só Deus (…). Um em substância e, contudo, distinto em três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo”.[10]

Maringá, 26 de julho de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


[1]Apud  Alister E. McGrath, Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005,p. 384.

[2]“Ela (Trindade) é, em certo sentido, a mais excelsa e a mais gloriosa de todas as doutrinas, a coisa mais espantosa e estonteante que aprouve a Deus revelar-nos sobre Si mesmo” (D. M. Lloyd-Jones, Deus o Pai, Deus o Filho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (Grandes Doutrinas Bíblicas, v. 1), 1997, p. 114.

[3] Agostinho reflete esse espírito quando, no primeiro livro sobre a Trindade, diz: “Assumi este trabalho, por ordem e com a ajuda do Senhor nosso Deus, não tanto para dissertar com autoridade sobre assuntos que conheço, mas para conhecer eu mesmo, mediante uma piedosa dissertação” (Santo Agostinho, A Trindade, São Paulo: Paulus, 1994, (Patrística, 7), I.5, p. 33).

[4] Cf. Augustus H. Strong, Teologia Sistemática, São Paulo: Editora Hagnos, 2003, v. 1, p. 452.

[5] Herman Bavinck, Our Reasonable Faith,4. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1984, p. 145.

[6]“Os três dias que precedem a criação dos luzeiros são símbolo da Trindade….” (Theophilus to Autolicus, II.15. In: Alexander Roberts; James Donaldson, eds. Ante-Nicene Fathers, 2. ed.Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1995, v. 2, p. 101. Em português: Teófilo de Antioquia, Segundo Livro a Autólico, 15. In: Padres Apologistas, São Paulo: Paulus (Patrística, 2), 1995, p. 246 Ver também: William G.T. Shedd, Dogmatic Theology, Grand Rapids, Michigan: Zondervan, © 1888 (Reprinted), v. 1, p. 267; A.A. Hodge, Esboços de Theologia,Lisboa: Barata & Sanches, 1895, p. 148; B. Studer, Trindade: In: Ângelo Di Berardino, org. Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs, Petrópolis, RJ.; São Paulo: Vozes; Paulinas, 2002, p. 1387.

[7] Tertuliano foi pródigo na criação de neologismos na língua latina (Ver estatísticas em: Alister E. McGrath, Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005,p. 375).

[8] Ver: Tertullian, Agains Praxeas, II. In: Alexander Roberts; James Donaldson, eds. Ante-Nicene Fathers, 2. ed.Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1995, v. 3, p. 598. Extratos do texto encontram-se também em: Cirilo Folch Gomes, (compilador). Antologia dos Santos Padres, 2. ed. (revista e ampliada), São Paulo: Paulinas, 1980, p. 165-167. Berkhof diz que “Tertuliano foi o primeiro a declarar claramente a tri-personalidade de Deus e a manter a unidade substancial das três Pessoas. Mas não chegou a exprimir de forma clara a doutrina da Trindade” (Louis Berkhof, História das Doutrinas Cristãs, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 77).

[9] Para uma classificação um pouco diferente, ver: Augustus H. Strong, Teologia Sistemática, São Paulo: Editora Hagnos, 2003, v. 1, p. 452.

[10] A Confissão Escocesa (1560),Cap. I. In: Livro de Confissões,São Paulo: Missão Presbiteriana do Brasil Central, 1969, § 3.01.

Outras exposições confessionais professam: “….Cremos e ensinamos que o mesmo Deus imenso, uno e indiviso é inseparavelmente e sem confusão, distinto em pessoa – Pai, Filho e Espírito Santo – e, assim como o Pai gerou o Filho desde a eternidade, o Filho foi gerado por inefável geração, e o Espírito Santo verdadeiramente procede de um e outro, desde a eternidade e deve ser com ambos adorado.

“Assim, não há três deuses, mas três pessoas, consubstanciais, coeternas e coiguais, distintas quanto às hipóstases e quanto à ordem, tendo uma precedência sobre a outra, mas sem qualquer desigualdade. Segundo a natureza ou essência, acham-se tão unidas que são um Deus, e a essência divina é comum ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo” (A Segunda Confissão Helvética (1562-1566), Cap. III. In: Livro de Confissões,São Paulo: Missão Presbiteriana do Brasil Central, 1969, §§ 5.016-5.017).

“Na unidade da Divindade há três pessoas de uma mesma substância, poder e eternidade – Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo. O Pai não é de ninguém – não é nem gerado, nem procedente; o Filho é eternamente gerado do Pai; o Espírito Santo é eternamente procedente do Pai e do Filho”(Confissão de Westminster, Cap. II.3. Ver também:  Catecismo Maior de Westminster, Perguntas 9-11 e Catecismo Menor de Westminster, Pergunta 6).

“As igrejas ensinam entre nós com magno consenso que o decreto do Concílio de Nicéia sobre a unidade da essência divina e sobre as três pessoas é verdadeiro e deve ser crido sem qualquer dúvida. A saber: que há uma só essência divina, a qual é chamada Deus e é Deus, eterno, incorpóreo, impartível, de incomensurável poder, sabedoria, bondade, criador e conservador de todas as coisas, visíveis e invisíveis. E, contudo há três pessoas, da mesma essência e poder, e coeternas: o Pai,  o Filho e o Espírito Santo. E a palavra ‘pessoa’ usam-na no sentido em que a usaram, nesta questão, os escritores eclesiásticos, para significar não uma parte ou qualidade em outra coisa, mas aquilo que subsiste por si mesmo” (A Confissão de Augsburgo, São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1980, Art. I, p. 17).

“Conforme esta verdade e esta palavra de Deus, cremos em um só Deus, que é um único ser, em que há três Pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Estas são, realmente e desde a eternidade, distintas conforme os atributos próprios de cada Pessoa.

“O Pai é a causa, a origem e o princípio de todas as coisas visíveis e invisíveis. O Filho é o Verbo, a sabedoria e a imagem do Pai . O Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho, é a eterna força e o poder.

“Esta distinção não significa que Deus está dividido em três. Pois a Sagrada Escritura nos ensina que cada um destes três, o Pai e o Filho e o Espírito Santo, tem sua própria existência, distinta por seus atributos, de tal maneira, porém, que estas três pessoas são um só Deus. É claro, então, que o Pai não é o Filho e que o Filho não é o Pai; que, também, o Espírito Santo não é o Pai ou o Filho.

“Entretanto, estas Pessoas, assim distintas, não são divididas nem confundidas entre si. Porque somente o Filho se tornou homem, não o Pai ou o Espírito Santo. O Pai jamais existiu sem seu Filho e sem seu Espírito Santo, pois todos os três têm igual eternidade, no mesmo ser. Não há primeiro nem último, pois todos os três são um só em verdade, em poder, em bondade e em misericórdia” (Confissão Belga, Art. 8).

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