“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (22)


A importância da história no processo revelacional

          Schaeffer (1912-1984), argumentando em prol da genuinidade da revelação de Deus em forma de proposição e história, escreve:

Deus inseriu a revelação da Bíblia na História; Ele não a forneceu (como poderia ter feito) em forma de livro-texto teológico. Localizando a revelação na História, que sentido teria para Deus ter-nos fornecido uma revelação cuja história fosse falsa? Também o homem foi inserido neste universo que, como as Escrituras mesmo dizem, fala de Deus. Que sentido, então, teria para Deus ter nos oferecido a sua revelação em um livro cheio de falsidades acerca do universo? A resposta para ambas as questões deve ser “nada disso faria qualquer sentido!”

Está claro, portanto, que, do ponto de vista das Escrituras em si, podemos observar uma unidade por todo o campo do conhecimento. Deus falou, numa forma linguística e proposicional, verdades sobre si mesmo e verdades sobre o homem, a sua história e o universo.[1]

          Assim sendo, podemos e devemos confiar inteiramente em sua Palavra. O Deus fiel se revela com verdade e autenticidade. A sua Palavra por ser a verdade (Jo 17.17), corresponde ao que Ele quer que saibamos genuinamente a respeito de sua natureza real, e obedeçamos. Decorrentemente, tentar ir além do revelado é cair em um labirinto resultante de uma mente especulativa e pecaminosa.

          É desse modo que o salmista se refere à Palavra: “Fidelíssimos (daom. !m;a’) (‘amanme`od) (intensamente dignos de crédito)são os teus testemunhos (hd'[e) (`edah); à tua casa convém a santidade, SENHOR, para todo o sempre” (Sl 93.5).

          Não sei tudo o que a minha mente especulativa deseja, contudo, sei que Deus deseja que o conheçamos e, que provê os meios para que sejamos santos.

          Todos os preceitos de Deus são fiéis; não precisamos atualizar ou adequar Deus e a sua Palavra. Ela permanece: “As obras de suas mãos são verdade (tm,a/) (‘emeth) e justiça; fiéis (!m;a’) (‘aman) todos os seus preceitos. 8Estáveis são eles para todo o sempre, instituídos em fidelidade(tm,a/) (‘emeth) (firmeza, certeza, confiança) e retidão” (Sl 111.7-8).

          A Palavra de Deus é a expressão da fidelidade do seu Autor. Por isso, podemos descansar na sua Palavra, confiantes nas suas promessas: O que Deus prometeu haverá de cumprir. Ele é fiel a si mesmo; na sua Palavra não há instabilidade!

          Ainda que os valores predominantes na sociedade apontem em outra direção querendo nos fazer crer na inutilidade dos preceitos divinos, podemos depositar totalmente a nossa fé sem suas instruções. O Deus que a prescreveu é fiel; total e absolutamente digno de crédito.

          Por isso o salmista, pôde dizer de forma piedosa e sincera: “Creio(!m;a’) (‘aman) nos teus mandamentos” (Sl 119.66). Outra vez: “Confio (xj;B’) (batach) na tua Palavra” (Sl 119.42).[2]

          Só deve ser crido o que é digno de crédito. Quando o Apóstolo Paulo estava preso, sendo levado à cidade de Roma em uma embarcação com 276 pessoas (At 27.37), não tendo sido ouvido antes, agora, em meio a grande tempestade que assustava a todos, com plena convicção, expressa publicamente a sua confiança, dentro do contexto descrito por Lucas:

21 Havendo todos estado muito tempo sem comer, Paulo, pondo-se em pé no meio deles, disse: Senhores, na verdade, era preciso terem-me atendido e não partir de Creta, para evitar este dano e perda.  22 Mas, já agora, vos aconselho bom ânimo, porque nenhuma vida se perderá de entre vós, mas somente o navio.  23 Porque, esta mesma noite, um anjo de Deus, de quem eu sou e a quem sirvo, esteve comigo,  24 dizendo: Paulo, não temas! É preciso que compareças perante César, e eis que Deus, por sua graça, te deu todos quantos navegam contigo.  25 Portanto, senhores, tende bom ânimo! Pois eu confio  (pisteu/w) em Deus que sucederá do modo por que me foi dito. (At 27.21-25).

          Deus por ser quem é, pela fidelidade de seus atos, é totalmente digno de crédito.

          Devemos avaliar sempre o que cremos. Este é um princípio grandemente salutar à boa saúde de nossa fé. Podemos ter a certeza absoluta, atestada pelo próprio Deus e experimentada ao longo dos séculos por todo o seu povo: “O testemunho do SENHOR é fiel (!m;a’) (‘aman) (digno de crédito)(Sl 19.7).  

          A fé envolve conhecimento; ambos caminham juntos.[3] Porém, o conhecimento nunca será suficiente sem a fé. A dúvida, ainda que muitas e muitas vezes necessária, é dolorosa. Ela nos parece anormal, porque apreciamos a certeza, a convicção na condução de nossa vida.[4]

          O que acreditamos molda os nossos sentimentos e conduta. Deste modo, a consciência da fidelidade de Deus expressa em seus mandamentos, exige de nós um compromisso de fidelidade e obediência a Deus.

          O Salmista canta:

Bem-aventurados os irrepreensíveis (~ymiT’) (tamiym) no seu caminho, que andam (%l;h’) (halak) na lei do SENHOR  2Bem-aventurados os que guardam as suas prescrições (hd'[e) (`edah) (= testemunhos) e o buscam (vrD) (darash)[5]  de todo o coração (ble) (leb); 3 não praticam iniquidade e andam (%l;h’) (halak) nos seus caminhos. (Sl 119.1-3).

          DeYoung resume: “Como povo de Deus, acreditamos que a Palavra de Deus é confiável em todos os sentidos para falar o que é verdadeiro, ordenar o que é justo e nos fornecer o que é bom”.[6]

          Quando nos aproximamos da Bíblia partimos do pressuposto de que ela é o registro fiel e inerrante da Revelação de Deus (Jo 10.35; 1Tm 1.15; 3.1; 4.9; 2Tm 3.16; 2Pe 1.20-21). Por isso, podemos dizer como Paulo: “Fiel é a Palavra” (1Tm 3.1; 4.9).

          É por intermédio das Escrituras que aprendemos que o melhor intérprete da Palavra é “o Espírito falando na Escritura”[7] (Mt 22.29,31; At 4.24-26; 28.25; 1Co 2.10-16); como nos instruiu o Senhor Jesus Cristo:

Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará as cousas que hão de vir. (Jo 16.13).

Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará      em meu nome, esse vos ensinará todas as cousas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito. (Jo 14.26/Jo 5.30; 14.6; 17.17).

Maringá, 21 de fevereiro de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Francis A. Schaeffer, O Deus que intervém, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 146.

[2] A confiança do salmista na Palavra de Deus estava associada ao fato de que confiava em Deus (Sl 13.5; 25.2; 26.1; 31.6,14; 52.8; 56.4,11; 143.8).

[3]Veja-se: Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 99.

[4] Veja-se o precioso livro de Bavinck, A Certeza da fé, Brasília, DF.: Monergismo, 2018, 124p.

[5]Procurar com integridade e compromisso. A ideia básica do termo é buscar com diligência: “Moisés diligentemente buscou (vrd) (darash) o bode da oferta pelo pecado” (Lv 10.16). A palavra buscar além deste sentido (Lv 10.16; Sl 22.26; 24.6 [duas vezes]; Sl 53.3), pode ser traduzida por: Requerer (Dt 23.22; Sl 9.12); cuidar (Dt 11.12); investigar (Sl 10.4); se importar (Sl 10.13); esquadrinhar (Sl 10.15); procurar (Sl 77.2); considerar (Sl 111.2); empenhar-se (Sl 119.45); interessar-se (Sl 142.4). Veja-se mais detalhes em: Leonard J. Coppes, Dãrash: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 328-329.

[6] Kevin DeYoung, Levando Deus a sério, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2014, p. 18.

[7] Confissão de Westminster, I.10.

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