Eu lhes tenho dado a tua Palavra (Jo 17.1-26) (103)

6.4. Universalidade da graça

Recordemos um pouco a bem conhecida história do profeta Jonas. Além do livro que leva o seu nome, o profeta só é mencionado em 2Rs 14.25,[1]aludindo à sua profecia referente ao restabelecimento das fronteiras de Israel no reinado de Jeroboão II. Era, portanto, contemporâneo dos profetas Oséias e Amós. Ele deve ter profetizado por volta do ano 760 a.C. A sua missão consistia em clamar contra a cidade de Nínive por causa de seu pecado (Jn 1.1-2; 3.1-2).[2]

O texto nos mostra com uma ponta de ironia, que Jonas se dispôs, contudo, para fugir do Senhor, da sua presença. Neste afã, ele se dirige à cidade portuária de Jope,[3] e, o texto especifica que ele pagou a sua passagem (Jn 1.3)[4] e foi para Társis, na Espanha. Deus o mandara para Nínive, cerca de 1300 km ao leste; ele se dispôs para o oeste.

A presença de Deus, devido a sua ordem o incomodava; o profeta não queria obedecer-lhe (Jn 1.2-3,10; 4.2).[5] Portanto, a presença de Deus era um incômodo para este homem que amava imensamente o seu país e não conseguia se imaginar pregando para aqueles violentos pagãos ninivitas, ainda mais se estes fossem se converter. Jonas não queria saber de evidências contrárias; ele sabia o que queria, e, o que deseja era fazer a sua vontade, não a de Deus. O melhor, raciocinava, era fugir para bem longe. Este homem racionalizou tão bem a questão que mesmo em meio à grande tempestade que assustava até mesmo aos valentes marinheiros, dormia tranquilo enquanto o navio quase soçobrava, sendo isto profundamente estranho à tripulação (Jn 1.5-6).[6]

“Nínive era uma cidade muito importante diante de Deus” (Jn 3.3). Para Jonas, contudo, eram todos pagãos que deveriam continuar em seus pecados e por isso mesmo, serem todos destruídos. Nínive era a capital do império Assírio, ela fora fundada por Ninrode, bisneto de Noé (Gn 10.11,12),[7] sendo constituída de grandes guerreiros e que normalmente tomavam os despojos dos seus inimigos vencidos para seu adorno.[8] Era um povo impiedoso e selvagem.[9] Os ninivitas eram também orgulhos e independentes. A julgar pelo texto de Jn 4.11,que diz haver “mais de cento e vinte mil pessoas, que não sabem discernir entre a mão direita e a mão esquerda”, estima-se que a população de Nínive fosse cerca de 600 mil.[10] “Do ponto de vista humano, interpreta Schultz (1927-2003), a Assíria era o último lugar onde um israelita gostaria de dirigir-se, em aventura missionária”.[11]

Na realidade, Jonas era um homem crente, mas que caiu na tentação de subordinar o seu chamado às suas ideias e valores.[12] Os valores de Deus não são necessariamente os mesmos nossos por mais convencidos que estejamos da biblicidade dos nossos.

Jonas não estimava aquele povo certamente considerando sua impiedade e paganismo. No entanto, Deus olhava os ninivitas de modo diferente; Ele os considera importantes, não pela sua riqueza, mas porque os via como carentes da Sua Palavra.

De forma análoga, no Novo Testamento quando Paulo estava em Corinto, uma cidade profundamente imoral, Deus lhe diz em visão: “Não temas; pelo contrário, fala e não te cales; porquanto eu estou contigo e ninguém ousará fazer-te mal, pois tenho muito povo nesta cidade. E ali permaneceu um ano e seis meses, ensinando entre eles a palavra de Deus”(At 18.9-11).

Jonas teria de aprender de forma prática o que Deus diria por intermédio de Isaías:

Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor, porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos.(Is 55.8).

Maringá, 20 de julho de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]“Restabeleceu ele os limites de Israel, desde a entrada de Hamate até ao mar da Planície, segundo a palavra do SENHOR, Deus de Israel, a qual falara por intermédio de seu servo Jonas, filho de Amitai, o profeta, o qual era de Gate-Hefer” (2Rs 14.25).

[2] Veio a palavra do SENHOR a Jonas, filho de Amitai, dizendo: Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até mim” (Jn 1.1-2). “Veio a palavra do SENHOR, segunda vez, a Jonas, dizendo: Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive e proclama contra ela a mensagem que eu te digo” (Jn 3.1-2).

[3] Distava 56 km de Jerusalém.

[4]Jonas se dispôs, mas para fugir da presença do SENHOR, para Társis; e, tendo descido a Jope, achou um navio que ia para Társis; pagou, pois, a sua passagem e embarcou nele, para ir com eles para Társis, para longe da presença do SENHOR(Jn 1.3).

[5]2Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até mim. 3Jonas se dispôs, mas para fugir da presença do SENHOR, para Társis; e, tendo descido a Jope, achou um navio que ia para Társis; pagou, pois, a sua passagem e embarcou nele, para ir com eles para Társis, para longe da presença do SENHOR. 10 Então, os homens ficaram possuídos de grande temor e lhe disseram: Que é isto que fizeste! Pois sabiam os homens que ele fugia da presença do SENHOR, porque lho havia declarado” (Jn 1.2-3,10). “E orou ao SENHOR e disse: Ah! SENHOR! Não foi isso o que eu disse, estando ainda na minha terra? Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e que te arrependes do mal” (Jn 4.2).

[6]Então, os marinheiros, cheios de medo, clamavam cada um ao seu deus e lançavam ao mar a carga que estava no navio, para o aliviarem do peso dela. Jonas, porém, havia descido ao porão e se deitado; e dormia profundamente. Chegou-se a ele o mestre do navio e lhe disse: Que se passa contigo? Agarrado no sono? Levanta-te, invoca o teu deus; talvez, assim, esse deus se lembre de nós, para que não pereçamos” (Jn 1.5-6).

[7] Sobre Nínive e a destruição da Assíria, Vejam-se: J. I. Packer, et. al. eds. O Mundo do Antigo Testamento, Miami, Florida: Vida, 1988, p. 139; John Bright, História de Israel, São Paulo: Paulinas, 1978, p. 418ss.

[8] Cf. Nínive: In: John Davis, Dicionário da Bíblia, 4. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1973,p. 421a

[9] J. I. Packer, et. al. eds. O Mundo do Antigo Testamento, Miami, Florida: Vida, 1988, p. 146.

[10] Veja-se boa discussão a respeito em C.F. Keil; F. Delitzsch, Commentary on the Old Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, (s.d.), v. X/1, p. 416; Samuel J. Schultz, História de Israel, São Paulo: Vida Nova, 1977, p. 364.

[11] Samuel J. Schultz, História de Israel, p. 363.

[12] Cf. Jerónimo Pott, El Mensaje de los Profetas Menores, GrandRapids, Michigan: SLC., 1977, p. 38.

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