A riqueza da fecunda graça de Deus e a frutuosidade de uma fé obediente e perseverante (3)

2. A natureza da fé salvadora

2.1. Definição

 

Fé salvadora ou justificadora é um dom da graça de Deus, por meio do qual somos habilitados a receber a Jesus Cristo como nosso único e suficiente Senhor e Salvador e, a crer em todas as promessas do Deus Triúno, conforme estão registradas nas Escrituras.

 

A nossa salvação, portanto, não repousa na qualidade ou intensidade de nossa fé, mas, na eficácia da obra expiatória e redentora de Cristo. O que nos salva não é a nossa fé, mas, o fato dela estar depositada em Cristo, o nosso Senhor.[1]

 

O Catecismo Menor (1647) na questão 86, assim define: “Fé em Jesus Cristo é uma graça salvadora, pela qual o recebemos e confiamos só nele para a salvação, como ele nos é oferecido no Evangelho”.

 

2.2. Elementos da fé

 

A fé salvadora não é simplesmente emocional, como por vezes somos tentados a pensar, antes ela é constituída de três elementos, a saber:

2.2.1. Elemento intelectual

Caracteriza-se pela convicção racional de que aquilo que a Palavra diz é verdade, porque faz sentido. A razão não é desprezada em nossa relação com Deus. O conhecimento das realidades espirituais passa por nossa mente (Jo 3.31-34; 20.30-31; At 10.43; 11.13,14; Rm 10.14-17; 1Co 15.1-8; Tg 2.19). Onde não há uso da razão, não há espaço para o exercício da verdadeira fé.[2]

 

Este foi um assunto bastante enfatizado pelos Reformadores. A igreja romana ensinava que os crentes comuns por não entenderem a doutrina, precisavam apenas crer na igreja entregando-se aos seus ensinamentos.

 

Calvino (1509-1564) combateu de forma contundente o conceito “fé implícita”[3] – fortemente enfatizado na teologia católica –, declarando que a nossa fé deve ser “explícita”. No entanto, Calvino ressalta que devido ao fato de que nem tudo foi revelado por Deus, bem como à nossa ignorância e pequenez espiritual, muito do que cremos permanecerá nesta vida de forma implícita.

Depois de extenso comentário, Calvino nos diz:

Certamente que não nego (de que ignorância somos cercados!) que muitas cousas nos sejam agora implícitas, e ainda o hajam de ser, até que, deposta a massa da carne, nos hajamos achegado mais perto à presença de Deus, cousas essas em que nada pareça mais conveniente que suspender julgamento, mas firmar o ânimo a manter a unidade com a Igreja. Com este pretexto, porém, adornar com o nome de fé à ignorância temperada com humildade, é o cúmulo do absurdo. Ora, a fé jaz no conhecimento de Deus e de Cristo (Jo 17.3), não na reverência à Igreja.[4] (Grifos meus).

 

2.2.2. Elemento emocional

Se a fé não é somente emocional, também não é apenas uma questão racional; ela envolve a nossa razão e as nossas emoções. Não basta que eu reconheça racionalmente a Cristo como o meu Senhor e Salvador, é necessário que eu creia nele como o meu Salvador e Senhor. Este ato de crer envolve todo o nosso ser, passando a viver intensamente a realidade dessa fé. (Vejam-se: Mt 13.20; At 8.5-8).

2.2.3. Elemento volitivo

Aqui já não há apenas uma convicção racional e emocional de que Jesus é o Salvador. Há o desejo do coração tocado e transformado pelo Espírito, de receber a Cristo como o Seu Senhor, entregando-se totalmente a Ele.[5]

 

Berkhof (1873-1957), assim coloca o assunto:

 

A fé não é apenas uma questão de intelecto, nem de intelecto e sentimentos combinados: também é uma questão de vontade, determinando a direção da alma, um ato da alma que parte rumo ao seu objeto dele se apropria. Sem esta atividade, o objeto da fé, que o pecador reconhece como verdadeiro e real, e como inteiramente aplicável às suas necessidades presentes, permanece fora dele.[6]

 

Concluindo, podemos dizer que nenhum dos três elementos ou mesmo a combinação de dois deles é suficiente. A fé salvadora envolve os três, compondo um ato de entrega sem reservas a Cristo (Rm 10.9,10; Mt 11.28,29; Jo 1.12; 14.1; 16.31). Somos salvos quando depositamos confiadamente a nossa fé em Jesus Cristo, tendo exclusivamente nele a certeza da nossa salvação.

 

Maringá, 17 de fevereiro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

*Este artigo faz parte de uma série. Veja aqui a série completa!

 


 

[1] Veja-se: Timothy Keller, Igreja centrada, São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 44.

[2] Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 699-700.

[3] Que chama de “espectro papista” (João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 10.17), p. 375) e, “fé forjada e implícita inventada pelos papistas. Pois por fé implícita eles querem dizer algo destituído de toda luz da razão” (João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracl3tos, 1998, (Tt 1.1), p. 299), que “separa a fé da Palavra de Deus” (J. Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 10.17), p. 375). Veja-se também: João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 1.2), p. 25. Para um estudo mais detalhado da questão da “fé implícita” e “fé explícita”, vejam-se: Hermisten M.P. Costa, Raízes da Teologia Contemporânea, 2. ed.  São Paulo: Cultura Cristã, 2018; Hermisten M.P. Costa, Calvino 500 anos, São Paulo: Cultura Cristã, 2009.

[4]João Calvino, As Institutas, III.I.3. (Veja-se também III.2.5ss).

[5] Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 673-676.

[6]L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 508.

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