A riqueza da fecunda graça de Deus e a frutuosidade de uma fé obediente e perseverante (22)

Os homens são filhos de Deus não simplesmente por nascimento natural, mas, sim, por um novo nascimento concedido por Deus, tornando-se, assim, seus filhos adotivos. A nossa filiação, seja vista de qualquer ângulo, é um ato da livre graça de Deus (Jo 3.3,5; Rm 8.15; Gl 4.3-6; Ef 1.5,6).[1] “Entre todos os dons da graça, a adoção é o maior”, resume Packer.[2] Todas as demais bênçãos que recebemos decorrem da “graciosa adoção divina como sua causa primeira”.[3] A Palavra nos diz que “Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4.4,5).

 

A adoção é o clímax da predestinação. Aqueles a quem Deus predestinou na eternidade, ele os redime e os adota, tornando-os seus filhos, por intermédio de Jesus Cristo, o primogênito, nosso irmão mais velho. Nele, temos acesso às bênçãos decorrentes do Pacto da Graça: “Por meio da fé, Cristo nos é comunicado, através de quem chegamos a Deus, e através de quem usufruímos os benefícios da adoção”, escreve Calvino.[4] E, por sua vez, “é somente sob a direção do Espírito que tomamos posse de Cristo e de todos os seus benefícios”.[5]

 

A Confissão de Westminster (1647) declara de forma correta: “A todos os que são justificados, Deus se digna fazer participantes da graça da adoção” (XII.1). Do mesmo modo, o Catecismo Menor, em resposta à pergunta 34, – “O que é adoção?” – diz: “Adoção é um ato da livre graça de Deus, pelo qual somos recebidos no número dos filhos de Deus, e temos direito a todos os seus privilégios” (1Jo 3.1; Jo 1.12; Rm 8.14-17)”.

 

Como vimos, graça é o favor de Deus manifestado livremente para com os homens que estavam em uma situação miserável, resultante do seu pecado. O pecado tornou-nos, já que todos pecamos, inimigos de Deus, contrários aos seus mandamentos e propósitos.

 

O que é direito, por natureza de Seu único e eterno Filho, Ele compartilha conosco, nos integrando por meio da adoção, na família da fé.[6] Portanto, a nossa filiação revela parte do amor inefável e eterno de Deus. Temos aqui “a mais elevada expressão do próprio amor de Deus”.[7] Ao considerarmos a graça da adoção, vemos nesta doutrina estampada o amor invencível de Deus, que nos tira da condenação do pecado para a sua herança eterna. “Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus” (1Jo 3.1). “O amor transcende todos os outros dons em duração, pois todos os dons um dia cessarão, mas o amor é eterno”.[8]

 

     A redenção é que torna possível a adoção. Deus nos liberta da escravidão, tornando-nos seus filhos. A Palavra nos diz que “Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar (e)cagora/zw)[9] os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos (ui(oqesi/a) (Gl 4.4,5).

 

Jesus Cristo cumpriu a lei por nós – já que era impossível a nós fazê-lo – para que justificados por Deus, pudéssemos nos tornar filhos dele.[10] Deus nos liberta para fazer-nos seus filhos. A libertação do pecado e da consequente escravidão não implicaria na adoção, contudo, a adoção pressupõe a regeneração e a justificação. Deus não tem filhos escravizados, dominados pelo pecado. Deus nos liberta para Si mesmo.

 

A Palavra também nos diz que este ato histórico amparou-se no decreto eterno, livre, soberano e bondoso de Deus: “Nos predestinou para Ele, para adoção de filhos (ui(oqesi/a), por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de Sua vontade” (Ef 1.5).

 

Deus na eternidade já nos olhava como filhos aos quais, no tempo determinado por Ele mesmo, por intermédio de Seu Filho, Jesus Cristo, nos adotaria, integrando-nos à sua família, à família da fé, dos eleitos pela graça. A eleição eterna envolve o propósito final e os meios para isso. Deus é o Senhor dos meios e dos fins.

 

Quando falamos de nossa filiação, devemos ter em mente que ela é um dom de Deus: “é o próprio Deus agindo graciosamente para conosco”.[11]

 

Jesus Cristo declara: “Bem-aventurados os pacificadores (ei)rhnopoio/j),[12] porque serão chamados filhos (ui(oi\) de Deus” (Mt 5.9). Aqui temos uma declaração do mais alto privilégio que poderemos ter: sermos chamados filhos de Deus. Aqueles que promovem a paz se parecem com o seu Filho, Jesus Cristo, o Deus da paz (Jo 14.27; Cl 3.15).

 

Pela graça nos parecemos com Jesus Cristo, o Filho de Deus. Esta semelhança não é meramente incidental ou física, antes, faz parte de nossa constituição genética: nascemos de novo por obra do Espírito do Pai e do Filho (Jo 3.3,5; Tt 3.5);[13] temos o Espírito de Deus em nós (Rm 8.9)[14] que nos guia e dá testemunho de nossa filiação, nos conduzindo em plena confiança na certeza de que pertencemos à família de Deus (Rm 8.14,16).[15] Por conseguinte, é natural que nos pareçamos com Jesus Cristo, o nosso irmão mais velho, o primogênito que possibilitou e efetivou a nossa adoção e se constitui no modelo para o qual devemos caminhar conforme o propósito de Deus (Rm 8.29).[16]

 

Jesus Cristo é o modelo de pacificador, sendo ele mesmo aquele que nos pacificou com Deus, nos conduzindo ao Pai (2Co 5.18-19).

 

Os filhos de Deus, uma vez já usufruindo da paz, podem, de fato, promovê-la. A pregação do Evangelho é o primeiro e mais eficaz meio para fazê-lo. A paz genuína deverá sempre começar pela reconciliação com Deus. Esta mensagem reivindicatória de Deus é confiada exclusivamente aos filhos de Deus. Paulo escreve aos coríntios:

 

18 Ora, tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, 19 a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação. 20 De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus. (2Co 5.18-20).

 

Os que promovem a paz do homem com Deus por meio do Evangelho e entre os homens pela promoção da justiça em conformidade com a Palavra, serão reconhecidos como filhos de Deus: “serão chamados filhos (ui(oi\) de Deus”(Mt 5.9).

 

Nesse sentido escreve João: “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é” (1Jo 3.2).

 

Bonhoeffer (1906-1945), sintetiza:

 

Os pacificadores hão de carregar a cruz com seu Senhor, pois foi na cruz que se fez a paz. Estando assim envolvidos na obra pacificadora de Cristo, chamados para a obra do Filho de Deus, por isso serão chamados também eles filhos de Deus.[17]

 

O Catecismo de Heidelberg (1563), à pergunta 33 – “Por que é Ele chamado Filho UNIGÊNITO DE DEUS, se nós também somos filhos de Deus?”  – Responde: “Porque só Cristo é o Filho eterno de Deus, ao passo que nós, por Sua causa, e pela graça, somos recebidos como filhos de Deus”.

 

A grande alegria de Deus será reunir a sua família, constituída por todos os remidos pelos quais o Filho morreu e, que agora, refletem a imagem de Seu eterno Filho, o primogênito de muitíssimos irmãos, adotados pela graça. Na glorificação futura dos filhos Deus, teremos a complementação, a plenitude do que agora já usufruímos pela fé.[18] Maranata!

 

Curitiba, 6 de março de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

*Este post faz parte de uma série. Acesse aqui a série completa

 


[1]3 A isto, respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. 4 Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno e nascer segunda vez? 5 Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus” (Jo 3.3-5). “Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai” (Rm 8.15). 4 vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, 5 para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos. 6 E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!” (Gl 4.3-6). 5 nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, 6 para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado” (Ef 1.5-6).

[2] J.I. Packer, O Conhecimento de Deus, São Paulo: Mundo Cristão, 1980, p. 197.

[3]João Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 8.28), p. 294.

[4]João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.8), p. 30.

[5]João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 13.13), p. 271.

[6] Veja-se: João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3.16), p. 133.

[7] D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 108.

[8] Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, 4. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1984, p. 394.

[9]E)cagorazw: Redimir, resgatar (* Gl 3.13; 4.5; Ef 5.16; Cl 4.5). A palavra está relacionada à compra e venda de escravos nas praças, mercado (a)gora). A forma intensiva usada por Paulo (e)cagorazw), era também aplicada à redenção de escravos.

[10] Veja-se: A.A. Hoekema, Salvos pela Graça, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 192.

[11]John R.W. Stott, A Cruz de Cristo, Miami: Editora Vida, 1991, p. 95.

[12] Esta palavra só ocorre aqui.

[13] “Não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3.5).

[14]“Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Espírito de Deus habita em vós. E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Rm 8.9).

[15]14Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. (…) 16 O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.14,16).

[16]“Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8.29).

[17] Dietrich Bonhoeffer, Discipulado, 2. ed. São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1984, p. 62.

[18] Veja-se: H. Leitch, Adoção: In: Merril C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 1, p. 100.

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