A riqueza da fecunda graça de Deus e a frutuosidade de uma fé obediente e perseverante (32)

As Escrituras Sagradas nos ensinam que a eleição de Deus não é um ato isolado. O Deus Trino está comprometido intensamente com a concretização desta eleição em santidade até a consumação de sua obra. Em outras palavras, Deus está ativamente interessando em nossa santificação.

 

A justificação eterna e objetiva, conforme os propósitos de Deus em Cristo, e a justificação subjetiva,[1] recebida pela fé, se consumam em nossa união com Cristo,[2] em quem somente há a justiça perfeita exigida por Deus. A obra de Cristo envolve ambos os aspectos da mesma graça. Esta união se revela e se desenvolve em nossa obediência aos mandamentos de Deus. O desafio para nós hoje é viver em harmonia com a nossa nova natureza e condição, andando, conforme vimos, nas obras preparadas por Deus para nós (justificação demonstrativa) (Ef 2.8-10).[3]  “A justiça imputada para justificação e a justiça inerente para a santificação devem estar inseparavelmente unidas”, conclui Thomas Watson (c. 1620-1686),[4]

 

A Santíssima Trindade opera eficazmente em nós para que sejamos santos. Por isso, fundamentados na Palavra de Deus, podemos dizer que o Deus Trino é o autor de nossa santificação. Daí a oração de Paulo: “O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo” (1Ts 5.23).[5]

 

Quando falamos da santidade de todo o povo de Deus, estamos nos referindo ao fato de que todos nós, os crentes em Cristo, fomos separados por Deus para Ele mesmo. Esta é a ideia fundamental de santificar, separar. Deus nos separou como sua propriedade peculiar. Somos o seu povo, pertencemos exclusivamente a Ele.

 

A Igreja é santa e pecadora, este é um dos paradoxos da Igreja. Com isto não queremos dizer que a Igreja santa seja apenas uma abstração de nossa mente e que a Igreja pecadora seja de fato a única realidade histórica. Não. A santidade e a pecaminosidade fazem parte da vida da Igreja, não simplesmente como ideal (que está apenas no plano imaginário), mas como algo real e concreto.

 

Quando fomos convertidos por Deus, fomos santificados, separados do mundo para Deus. Ato contínuo, iniciou-se o processo de santificação: de crescimento espiritual, que consiste no abandono do velho modo de vida e uma progressão rumo à obediência perfeita à vontade de Deus. A santificação, portanto, começa pelo restabelecimento de nossa comunhão com Deus em Cristo Jesus.[6]

 

A santidade da Igreja não pode ser negada pela falha de seus membros em viverem de acordo com a sua nova natureza genética, em Cristo. Esta omissão vergonhosa aponta para a nossa falsidade “ideológica”: somos o povo santo de Deus, no entanto, é verdade, muitas vezes nos comportamos como pessoas totalmente estranhas à Aliança, esquecendo-nos deliberadamente das bênçãos de Deus, do seu senhorio e de quem somos.

 

A Igreja é santa porque foi santificada, separada para si mesmo por Cristo Jesus. A santidade é um dom de Deus, resultante de nossa comunhão com ele (santidade posicional).[7] Por outro lado, o fracasso da Igreja em não viver santamente aponta para a necessidade de assim fazê-lo (Rm 1.7),[8] sendo coerente com a sua natureza.[9]

 

Deus nos escolheu para que fôssemos santos. Aos colossenses Paulo relaciona a nossa responsabilidade de santidade com o privilégio de nossa eleição: “Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade” (Cl 3.12). Aos tessalonicenses, conforme já citamos, Paulo estabelece a conexão de forma clara e direta: “Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação,            pela santificação do Espírito e fé na verdade” (2Ts 2.13).

 

Deus é absolutamente santo, majestoso em sua santidade (Êx 15.11; Sl 99.9; Is 6.3)[10] e deseja do seu povo uma vida de santidade.      Nós fomos separados dos valores deste mundo a fim de progredirmos em nossa fé. Somos santos em santificação![11]

 

A santificação como um processo tem início no ato de Deus. Em outras palavras, estamos dizendo que fomos separados do mundo (sendo santificados), para crescermos, progredirmos em nossa fé (santificação). O Espírito opera em nós a salvação que se evidencia em santificação. A santidade posicional requer necessariamente a santidade existencial!

 

Paulo cultua a Deus considerando que Deus nos escolheu na eternidade para sermos santos (Ef 1.4).[12] Deus nos elegeu para sermos aquilo que não éramos. Assim, a escolha divina não foi alicerçada em mérito algum. O seu propósito é tornar-nos santos.

 

A doutrina da santificação pressupõe que não somos perfeitos. Ela está relacionada com o homem pecador, cônscio de seus pecados, mas que, ao mesmo tempo, insatisfeito com a sua prática, deseja se aperfeiçoar espiritualmente.

 

O ponto relevante aí é que essa insatisfação com o pecado, acompanhada pelo desejo de santificar-se, pertence ao homem que foi gerado de novo pelo Espírito que agora nele habita, e desperta no coração dele desejos santos de crescimento e amadurecimento espiritual.

 

A vida cristã não significa apenas ser salvo. A salvação é apenas o seu início, consistindo numa busca efetiva por conhecer a Deus por meio da sua Palavra, e vivenciá-la diariamente. O fato é que, ou buscamos a santidade, ou na realidade nunca fomos eleitos por Deus. Esta é a verdade bíblica pura e simples: não há eleição e, consequentemente, vida cristã, sem santificação (Ef 1.4).

 

São Paulo, 20 de março de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

*Este post faz parte de uma série. Acesse aqui a série completa

 


 

[1] Vejam-se: L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 520-521; Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 203ss.; 222ss.; Abraham Kuyper, A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 383-384.

[2]“A justiça que nos justifica, portanto, não deve ser separada da pessoa de Cristo. Ela não consiste de um dom material ou espiritual que Cristo nos concede fora de Si mesmo, ou que nós podemos aceitar e receber sem que aceitemos e recebamos a pessoa de Cristo. Não há possibilidade de se desfrutar dos benefícios de Cristo sem que haja comunhão com a pessoa de Cristo e a comunhão com Cristo invariavelmente traz consigo os benefícios de Cristo. Para ser aceito diante de Deus, para ser livre de toda culpa e punição e para desfrutar da glória de Deus e da vida eterna, nós temos que ter Cristo, não algo dele, mas o próprio Cristo” (Herman Bavinck, Teologia Sistemática, Santa Bárbara d’Oeste, SP.: SOCEP., 2001, p. 499).

[3]8Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; 9 não de obras, para que ninguém se glorie. 10 Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.8-10).

[4]Thomas Watson, A Fé Cristã, estudos baseados no breve catecismo de Westminster, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 266.

[5] Sobre a Trindade como agende de nossa santificação, veja-se: Hermisten M.P. Costa, A felicidade segundo Deus: teologia para a vida na perspectiva das Bem-Aventuranças, Goiânia, GO.: Editora Cruz, 2016.

[6]“A santificação é questão de estarmos corretamente relacionados com Deus e de nos tornarmos inteiramente devotados a ele. Santificação é tornar-me positivamente santo” (D.M. Lloyd-Jones, Santificados Mediante a Verdade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (Certeza Espiritual, v. 3), 2006, p. 91). À frente: “Santificação é ser devotado a Deus, não somente ser separado do mundo, e sim separado para Deus e para compartilhar Sua vida – santidade positiva” (D.M. Lloyd-Jones, Santificados Mediante a Verdade, p. 91).

[7] Que Hoekema chama de “santificação definitiva” (Anthony A. Hoekema, Salvos pela Graça, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 215).

[8]A todos os amados de Deus, que estais em Roma, chamados para serdes santos, graça a vós outros e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo” (Rm 1.7).

[9] Veja-se: Bill J. Leonard, La Natureza de la Iglesia, Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1989, p. 126ss.

[10]A palavra santo é de difícil interpretação. A sua origem está relacionada a cortar e separar. A ideia que talvez prevaleça é de algo acima. Deus como absolutamente santo está acima de todas as coisas. Por isso, Ele é santo em si mesmo pelo próprio fato de ser Deus. Dizer que Deus é santo é dizer que Deus é Deus. Por isso, quando a palavra se refere a Deus, relaciona-se com a sua Majestade. Ele não se confunde com a Sua criação. Ele a transcende qualitativamente em todos os modos. Ele está acima de tudo o que existe.

“A santidade de Deus, dessa forma, se torna uma expressão da perfeição do seu ser, a qual transcende toda as criaturas” (Jackie A. Naude, Qds: In: Willem A., Vangemeren, org. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 876). Somente Ele é absolutamente santo; não há nem haverá outro.

[11] “O Novo Testamento não diz que os crentes devem ter vidas santas a fim de se tornarem santos; ao invés disso, ensina que os crentes, por serem santos, devem viver vidas santas! Esse, pois, é o primeiro e fundamental aspecto do dom divino da santificação” (J.I. Packer, Vocábulos de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 162-163).

[12]Assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor” (Ef 1.4).

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