A eloquência de um silêncio

Quando Daniel e seus amigos foram promovidos na Corte da Babilônia, houve o ciúme natural de outros líderes que, ainda que não ousassem desafiar a Daniel, preparam uma armadilha para Hananias, Misael e Azarias, sem dúvida para atingir a Daniel e enfraquecer o seu poder. Eles dizem ao que rei aqueles jovens judeus não adoravam, conforme o decreto real ao deus imperial (Dn 3.8-12). Há aqui 3 acusações: a) Não fizeram caso do rei; b) Não servem aos deuses do rei; c) Não adoram a imagem de ouro erguida pelo rei (Dn 3.12).

O rei então os chama e lhes faz a pergunta, mostrando-se profundamente arrogante, porém, conferindo-lhes assim, a oportunidade de retratação; o que de fato seria impossível: “É verdade, ó Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, que vós não servis a meus deuses, nem adorais a imagem de ouro que levantei? Agora, pois, estai dispostos e, quando ouvirdes o som da trombeta, do pífaro, da cítara, da harpa, do saltério, da gaita de foles, prostrai-vos e adorai a imagem que fiz; porém, se não a adorardes, sereis, no mesmo instante, lançados na fornalha de fogo ardente. E quem é o deus que vos poderá livrar das minhas mãos?” (Dn 3.14-15). “Responderam Sadraque, Mesaque e Abede-Nego ao rei: Ó Nabucodonosor, quanto a isto não necessitamos de te responder” (Dn 3.16).

O rei foi incapaz de dobrar os três jovens e estes, mesmo amarrados e atirados na fornalha (Dn 3.21), eram de fato os únicos livres, pois nem mesmo a ameaça de morte o fizeram dobrar-se a um ídolo pagão. Isto ilustra como a fidelidade nas pequenas questões pode tornar-se ainda mais vigorosa no momento de grandes desafios e provações. No silêncio desses jovens aprendemos algumas lições sobre a fé depositada na soberania de Deus.

1.Deus já demonstrara o seu poder

Ninguém conseguira interpretar o sonho do rei; somente Daniel o pôde pela misericórdia de Deus. O próprio rei reconhecera a Majestade de Deus (Dn 2.47). Agora, o rei vem com aquela pergunta desafiante: “E quem é o deus que vos poderá livrar das minhas mãos?” (Dn 3.15). A esta pergunta não cabia resposta: Se o rei não se convencera pelo que já tinha visto era melhor se calar. O rei não teria mais palavras, teria uma prova definitiva.

Meus irmãos, o mesmo pode acontecer conosco: Deus tem demonstrado o seu poder, a sua misericórdia, temos sido alvos especiais do seu cuidado e providência, no entanto nos esquecemos disso tudo e, quando a situação se torna diferente, mais favorável a nós, pensamos que somos autossuficientes e ousamos desafiar a Deus de forma direta ou indireta. É necessário que não confundamos os recursos que Deus nos fornece com a nossa suposta suficiência. É preciso saber discernir bem a ocasião: a hora de falar e de calar.

Para aqueles jovens a soberania de Deus não era assunto para mero arrazoado, era questão de vida ou morte. Com Deus não se brinca; eles não estavam dispostos a simplesmente empreender um debate sobre a soberania de Deus após Ele mesmo ter dado provas suficientes do seu poder.

2. Deus age como lhe apraz

Sadraque, Mesaque e Abede-Nego não sabiam se sobreviveriam à condenação do rei, no entanto, tinham certeza de que Deus se assim o quisesse (poder ordenado), nada nem ninguém poderia impedir-lhe (poder absoluto). Estes jovens conheciam o seu Deus de forma que sabiam que Ele tinha poder absoluto para livrá-los; contudo, o que eles não poderiam fazer, e de fato não fizeram, era declarar levianamente que Deus os livraria.

Daqui tiramos um princípio de suma importância: Deus não satisfaz necessariamente as nossas expectativas. Ele cumpre sempre as suas promessas, não aquilo que imaginamos que Ele vá fazer. Notemos que estes homens estariam cheios de motivos para dizer que Deus os libertaria, afinal eles estavam naquela situação devido à sua fidelidade a Deus. Esses jovens não comprometeram a sua fé a um desejo natural de sobrevivência. Deus não lhes prometera preservá-lo naquela prova; portanto, eles não poderiam falar por Deus. O que eles sabiam é que o Deus sábio e soberano tinha poder para livrá-los. Se Ele assim o desejasse, nem a fornalha nem o rei poderiam impedi-lo; contudo, o seu poder não estaria condicionado a esta circunstância: libertá-los ou não. Deus sabe o que é melhor para nós ainda que não entendemos perfeitamente isso.

Precisamos aprender a confiar em Deus e nas suas promessas, no entanto, devemos também aprender a não confundir os nossos anseios com o propósito de Deus, ainda que aqueles sejam considerados por nós santos e justos.

Calvino conclui: “Sempre que for oportuno, Deus usará Seu poder e nos salvará; contudo, se Ele nos levar à morte, decidamos em nossos corações que não nos há nada melhor do que morrermos, e que é prejudicial o prolongamento de nossas vidas” (João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Edições Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.23-25), p. 216).

Esses jovens demonstraram também que a acusação feita era parcialmente verdadeira; eles não serviriam nem adorariam a deuses estranhos, que nada são: “Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas mãos, ó rei. Se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem adoraremos a imagem de ouro que levantaste” (Dn 3.17-18/Dn 3.12).

Eles sabiam que Deus age como determina agir, tendo plenos poderes para levar adiante a Sua determinação (Sl 115.3).

Deus por intermédio de Isaías, falando a respeito da futura destruição da babilônia, diz: “O meu conselho permanecerá de pé, farei toda da minha vontade” (Is 46.10).

Quais são os nossos sonhos, planos e projetos para os próximos dias, meses e anos? Como os idealizamos? É necessário que tenhamos em mente que se eles estiverem dentro do propósito de Deus nada poderá impedir-nos. Entretanto, devemos ter sempre em mente o “se”.

Deus, conforme o seu propósito, salvou os seus servos e, o próprio rei pagão Nabucodonosor, teve de admitir: “Não há outro Deus que possa livrar como este” (Dn 3.29). Nabucodonosor aprende que ele pode fazer decretos e governar o seu império, no entanto, o seu poder não é absoluto.

Considerações finais

Do mesmo modo, a nossa fidelidade a Deus não pode estar restrita àquilo que imaginamos que Deus deva fazer. A vida cristã caminha pela fé não simplesmente pelo que vê. Os jovens não necessitavam de um grande sinal maravilhoso para crerem em Deus. Diferentemente dos deuses pagãos, Deus pode dá a interpretação dos sonhos, resgatar o seu povo e libertá-los da fornalha. Se Ele não o fizer é porque tem outro propósito; cabe a nós confiar e aguardar em Deus o desenrolar de seu caminho providencial.

Há sempre o perigo de buscarmos justificativas para a nossa falta de fé ou para nossos pecados, atribuindo ao outro e no caso, a Deus, a responsabilidade de nossos erros. Adão tenta jogar a culpa sobre Eva pelo seu pecado; é claro que Eva cedeu primeiro, no entanto, a sua responsabilidade era para com Deus; o pecado de Eva não o obrigava a cometer a mesma transgressão. Esses homens não condicionaram a sua fé a preservação miraculosa de Deus, eles sabiam em Quem criam e, quanto a isso, não precisavam fazer nenhum discurso.

São Paulo, 29 de outubro de 2018.
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

One thought on “A eloquência de um silêncio

  • 13 de julho de 2020 em 14:59
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    Aqui é a Fernanda parabéns pelo conteúdo do seu site gostei muito deste artigo, tem muita qualidade vou acompanhar o seus artigos.

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