Uma oração intercessória pela Igreja (15)

b) Sem Jesus Cristo o Pai continuaria inacessível a nós

            Portanto, a fé cristã não é um sentimento vago a respeito de algo ou alguém, antes é resultado de um genuíno conhecimento de quem é Jesus Cristo. Ele é o Senhor. Crer em Deus até os demônios creem e tremem (*fri/ssw) (= tremer de medo) (Tg 2.19). Todavia, Paulo nos fala de uma fé depositado no “Senhor Jesus” (Ef 1.16).

            Bavinck (1854-1921) assim se expressou:

A fé não justifica por meio de sua própria essência, nem age por ela mesma ser justa, mas por seu conteúdo, porque é fé em Cristo, que é nossa justiça. Se a fé justificasse por si mesma, o objeto desta fé (isto é, Cristo) perderia totalmente seu valor. Mas a fé que justifica é precisamente a fé que tem Cristo como seu objeto e conteúdo.[1]

            Quem é o Jesus em quem cremos? Ele é apenas um homem com uma ética perfeita? Um grande mestre? Um filantropo? Aquele que sabia como mais ninguém interpretar as necessidades e carências humanas? Um “mártir da paz”?

            Sem dúvida, algumas dessas classificações podem ser verdadeiras, contudo, Ele é muito mais. Ele é o Senhor. O Deus encarnado. Verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Sem este conhecimento de Cristo, não podemos nos dizer cristãos.

            Sem a centralidade de Cristo não há Evangelho, não há Boa Nova. O Evangelho é precisa e especificamente a apresentação da Pessoa de Cristo, da sua obra e ensinamentos.

            Por isso que a Cristologia (o estudo da Pessoa e obra de Cristo) se constitui no cerne de toda Teologia Cristã.[2] 

            Bavinck enfatiza com precisão:

A doutrina de Cristo não é o ponto de partida, mas certamente é o ponto central de todo o sistema dogmático. Todos os outros dogmas ou preparam para ela ou são inferidos dela. Nela, que é o coração da dogmática, pulsa toda a vida eticorreligiosa do Cristianismo.[3]

            A Cristologia é o eixo da Teologia Bíblica: uma visão defeituosa da Pessoa e Obra de Cristo determina a existência de uma “teologia” divorciada da plenitude da Revelação bíblica. A consciência deste fato deve nortear o nosso labor Cristológico e, também, servir como referência e ponto de partida teológico.

            Só podemos falar do Cristo Salvador, se Ele de fato for – como é – o Deus encarnado. A nossa redenção não foi levada a efeito pelo Logos divino, nem pelo “Jesus humano”, mas por Jesus Cristo: Deus-Homem.[4]

Não somos o senhor do Cristo, antes, seus servos. Não pretendamos apresentá-lo com cores da moda, com “tons pastéis”, tão saborosos em determinadas épocas.[5] A teologia é serva da Escritura. Somente assim ela poderá ser relevante à Igreja e a toda humanidade na apresentação do Cristo conforme é-nos dado conhecer nas Escrituras.

            A singularidade do Cristianismo repousa fundamentalmente na singularidade da Pessoa de Cristo, o Deus encarnado.[6]

            Parece-nos oportuno lembrar a advertência de Calvino (1509-1564):

Devemos precaver-nos para que, cedendo ao desejo de adequar Cristo às nossas próprias invenções, não o mudemos tanto (como fazem os papistas), que ele se torne dessemelhante de si próprio. Não nos é permitido inventar tudo ao sabor de nossos gostos pessoais, senão que pertence exclusivamente a Deus instruir-nos segundo o modelo que te foi mostrado [Ex 25.40].[7]

      

Maringá, 7 de abril de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 214.

[2]Veja-se: Wolfhart Pannenberg, Fundamentos de Cristologia, Barcelona: Ediciones Sígueme, 1973, p. 27-28.  “Cristologia é a doutrina da Igreja acerca da pessoa de Jesus como o Cristo. Ela sempre ocupa lugar central num sistema dogmático que reivindica ser cristão. Toda tentativa de remover a cristologia de seu lugar central ameaça o cerne da fé cristã. O princípio cristocêntrico da teologia não rivaliza com um ponto de vista teocêntrico. Quem quer que olhe para Jesus, o Cristo, a partir da perspectiva do Novo Testamento, estará inevitavelmente situado dentro de um quadro de referência teocêntrico. Quanto mais profundamente a teologia sonda o significado de Jesus como o Cristo de Deus, tanto mais diretamente é levada ao próprio Deus de Cristo….

            “A dogmática cristã é cristocêntrica na medida em que nenhuma doutrina pode ser chamada de cristã se não contém uma conexão significativa com a revelação definitiva de Deus na pessoa de Jesus, o Cristo”(Carl E. Braaten, A Pessoa de Jesus Cristo: In: Carl E. Braaten; Robert W. Jenson, editores, Dogmática Cristã, São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1990, v. 1, p. 459). Do mesmo modo, Erickson: “Quando passamos a estudar a pessoa e a obra de Cristo, estamos bem no centro da teologia cristã” (Millard J. Erickson, Introdução à Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 275).

[3]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: O pecado e a salvação em Cristo, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 3, p. 279. Vejam-se: Wolfhart Pannenberg, Fundamentos de Cristologia, Barcelona: Ediciones Sígueme, 1973, p. 27-28; Donald M. Baillie, Deus Estava em Cristo,São Paulo: ASTE., 1964, p. 51; Carl E. Braaten, A Pessoa de Jesus Cristo: In: Carl E. Braaten; Robert W. Jenson, eds. Dogmática Cristã,São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1990, v. 1, p. 459; Millard J. Erickson, Introdução à Teologia Sistemática,São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 275.

[4] Veja-se: J. Calvino, As Institutas, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985, II.14.3.

[5]“A essa altura, o evangelicalismo é fortemente contracultural, defendendo o direito fundamental do cristianismo de ser dominado por Cristo, em vez de dominá-lo à luz dos costumes sociais transitórios contemporâneos” (Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 30).

[6]“O cristianismo é singular entre todas as religiões do mundo. A razão de sua singularidade é a figura histórica que se constitui no seu centro – Jesus Cristo” (Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 23).

[7]João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 8.5), p. 209.

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