Uma fé que investiga e uma ciência que crê (42)


Considerações finais

            No início dos nos anos 90, fiz alguns cursos. Um deles tinha uma turma com muitos alunos. Mais de 100. Como era um Curso de pós-graduação lato sensu, as formações eram bastante variadas: administração, ciências contábeis, sociologia, psicologia, jornalismo, pedagogia, filosofia, enfermagem, assistência social, engenharia, direito etc. Creio que em teologia, somente eu.

            Por vezes eram formados grupos de 15 pessoas, não me lembro ao certo, para discutir assuntos variados, tendo como eixo comum a educação. Foi um período de boas observações. Uma que nunca esqueci foi a verificação de que os diversos problemas levantados e possíveis soluções, estavam associados à formação acadêmica de cada um. Cada formação tende a privilegiar determinados aspectos e, como é natural, ignorar outros, ou por considerarem menos relevantes ou, nem sequer percebê-los.

Lembro-me que havia questões gerenciais levantadas por alguns; o lucro, observado por outros, questões logísticas, políticas, sociais e psicológicas… Vencer um debate não significava ter resolvido o problema, porque, na realidade, por mais estimulantes fossem os temas e ilustrativos da realidade da educação brasileira, estávamos em uma sala de aula, em condições controladas, onde nada do que fora falado com entusiasmo revolucionário, realismo ou senso profético, seria praticado. Porém, ainda que dentro de um quadro limitado, pude aprender que nenhuma ciência – ou, se preferirem, perspectiva -,  é suficiente em si para apresentar uma resposta completa à revelia de outras ciências. Há diversas perspectivas a serem consideradas que podem mudar o nosso rumo, solidificá-lo ou, simplesmente, nos mostrar outras vertentes que evidenciam riscos que não computávamos. Mas, em geral, o nosso olho vê o que o nosso cérebro deseja enxergar.

            Sendo assim, a ciência que se isola, julgando-se onisciente e onipotente, ignorando a complexidade da realidade, tende a se tornar em uma seita científica, um fanatismo científico que reduz a realidade a apenas um aspecto, desconsiderando o todo ou, pelos menos, outras aproximações. E mais, com uma visão nada científica de si mesma. Essa ciência espúria não resistiria nem mesmo ao teste de validade científica.

            O Humanismo renascentista que durou aproximadamente quatro séculos (XIII – XVI)[1] veio na esteira do pensamento grego cujos valores foram herdados pelo iluminismo (Sécs. XVII – XIX) e tem o seu clímax nos humanistas seculares modernos.[2] O trágico de todos estes movimentos é que o homem longe de Deus tentou de todas as formas encontrar a sua autonomia e, por isso mesmo, não alcançou a compreensão de que toda a vida é relacional, permanecendo, assim, cativo de suas pressuposições seculares e limitantes.

Deste modo, se a Idade Média foi pretensamente o tempo de Deus, o Renascimento, foi o tempo do homem, o Iluminismo, o tempo da razão, o século XX, o da ciência e da técnica. Hoje, não temos mais referências, o homem já não é o centro de todas as coisas, visto que já não há mais centro.[3]

Maringá, 12 de maio de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]O Renascimento e o Humanismo são dois momentos, interligados, de um único movimento, tendo em comum os seus caracteres  principais, tais como: a sustentação da dignidade da natureza humana e a livre pesquisa na área científica, sem os limites impostos pela autoridade de Aristóteles (384-322 a.C.), perpetuada por meio de sua cristianização, via S. Tomás de Aquino (1225-1274), que, na realidade, já fora criticado por Guilherme de Ockham (c. 1300-1349).

            O Humanismo está primordialmente preocupado com a Educação, a Arte e a Eloquência; outros aspectos ainda que importantes, tais como a Filosofia, a Moral e a Religião, têm uma importância secundária; portanto, o humanismo-renascentista não representa necessariamente um ataque à religião. Concordo com a tese de Kristeller (1905-1999): “Estou convencido de que o humanismo não era, no seu núcleo central, nem religioso nem antirreligioso, mas uma orientação literária e de estudo que poderia ser, e em muitos casos foi, perseguido sem qualquer tratamento explícito de temas religiosos por parte de indivíduos que, de resto, podiam sem membros fervorosos ou nominais de uma das Igrejas cristãs” (Paul Kristeller, Tradição Clássica e Pensamento do Renascimento, Lisboa: Edições 70, (1995), p. 79-80.  “No século XVI, como regra geral, a negação de Deus não faz parte das preocupações, dos desejos ou mesmo das necessidades dos homens” (Fernand Braudel, Gramática das Civilizações, p. 319). “Não eram anticristãos, mas enquanto laicos não subordinavam o desenvolvimento da cultura secular à possibilidade de a amalgamar com a doutrina religiosa ou teológica” (Paul Kristeller, Tradição Clássica e Pensamento do Renascimento, p. 15). À frente: “Durante o Renascimento não houve provavelmente verdadeiros ateus e só poucos panteístas” (Paul Kristeller, Tradição Clássica e Pensamento do Renascimento, p. 77). Veja-se: Alister E. McGrath, Reformation Thought: An Introduction, 2. ed. Massachusetts: Blackwell Publishers, 1993, p. 45.  Para uma visão diferente, consulte: Reinhold Niebuhr, The Nature and Destiny of Man, (one volume edition), New York: Charles Scribner’s Sons, 1953, v. 1, p. 61ss; v. 2, 157ss.; George Holmes, A Europa na Idade Média: 1320-1450, Hierarquia e Revolta, Lisboa: Presença, (1984), p. 268-269). Todavia, devemos ressaltar, que justamente pelo seu desinteresse religioso e a falta de um quadro de referência teológico coerente, as implicações da absorção do pensamento grego não eram percebidas no campo da religião. Outro ponto, é que na supervalorização do antigo, por omissão, banaliza-se o contemporâneo. (Ver: George Holmes, A Europa na Idade Média: 1320-1450, Hierarquia e Revolta, p. 267).

[2] Cf. Gene Edward Veith, Jr., Tempos Pós-Modernos: uma avaliação cristã do pensamento e da cultura da nossa época,São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p. 65. Veja-se exemplo disso em Erich Fromm (1900-1980), que sustenta que “o homem é capaz de saber o que é bom e de agir em conformidade, apoiado no vigor de suas potencialidades naturais e de sua razão”. Continua: “Seria insustentável se fosse verdadeiro o dogma da maldade natural nata do homem” (Erich Fromm, Análise do Homem, São Paulo: Círculo do Livro, (s.d.), p. 182).

[3] Cf. Gene Edward Veith, Jr., Tempos Pós-Modernos, p. 68.

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