Teologia da Evangelização (89)

2.4.9.4. Uma demonstração prática da doutrina (Continuação)

Genebra se tornou um grande centro missionário, irradiando pelo mundo a sua teologia e o seu ardor evangélico.[1] O espírito pastoral e missional de Calvino acompanhou os missionários de Genebra.

          Temos aqui um avivamento teológico e missional. Vemos em poucos anos a concretização de um grande projeto desenvolvido entre tantos percalços e desafios. Sem dúvida, muitas vidas foram ceifadas. Mas, o sangue derramado desses mártires de alguma forma passava a correr nas veias de outros e outros irmãos. Afinal, escreve Calvino: “aqueles que desejam evitar perseguições devem renunciar a Cristo”.[2]

          Parece-me que, o fervor de uma mente e coração dominados pela Palavra superam em muito as carências e, são mais eficazes do que planejamentos simplesmente cartoriais. No entanto, um planejamento com o mesmo espírito de doação, é maravilhoso. Deus usa os seus servos e prover-lhes os recursos. A direção do Espírito, sem dúvida, é o fundamental!

          Considerando a ação de Satanás em exterminar a doutrina da salvação e o nome de Cristo, escreve Calvino a um cristão da  ilha Jersey (c. 1553), localizada no Canal da Mancha, entre a Inglaterra e a França:

Louvamos a Deus por ter inclinado seu coração a tentar, se for possível erigir, por seus próprios meios, uma pequena igreja no lugar onde você reside. E, na verdade, na medida em que os agentes do Diabo lutam com todo tipo de violência para abolir a verdadeira religião, extinguir a doutrina da salvação e apagar o nome de Jesus Cristo, é justíssimo que labutemos de nosso lado para promover o progresso do Evangelho, para que, desta maneira, Deus possa ser servido em pureza, e que as pobres ovelhas que vagueiam possam ser colocadas debaixo da proteção de nosso soberano Pastor a quem todos deveriam se sujeitar. E você sabe que é um sacrifício agradável a Deus favorecer a propagação do Evangelho pelo qual somos iluminados no caminho da salvação, e dedicar nossa vida para honrar aquele que nos resgatou a um preço tão alto a fim de governar em nosso meio.[3]

          Calvino acredita fortemente que o método de Deus conduzir seu povo, alcançado pelo poder do Evangelho, é fazer sentir arder em seu coração o desejo de levar esta mensagem de salvação a outros:

Isto nos indica também o método ordinário de congregar uma igreja, isto é, pela voz externa dos homens; pois ainda que Deus conduza a si cada pessoa por uma influência secreta, contudo Ele emprega a agência dos homens a fim de despertar neles uma ansiedade pela salvação dos demais. Por este método, Ele fortalece também sua mútua adesão, e põe em prova sua diligência em receber instrução, quando cada um permite ser ensinado por outros.[4]

          A proclamação do Evangelho objetiva glorificar a Deus. Explica Calvino: “O nome de Deus nunca é melhor celebrado do que quando a verdadeira religião é extensamente propagada e quando a Igreja cresce, a qual por essa conta é chamada ‘plantações do Senhor, para que Ele seja glorificado’ [Is 61.3]”.[5]

          Por isso,

É nosso dever proclamar a bondade de Deus a cada nação. Enquanto exortamos e encorajamos outros, ao mesmo tempo não devemos ficar sentados no ócio, mas é próprio que sejamos exemplos diante de outros; pois nada pode ser mais absurdo do que ver homens preguiçosos e ociosos, os quais deveriam estar incitando outros homens ao louvor de Deus.[6]

          A convicção de Calvino transpira na Academia em seu vigor missionário. Considerando que o reino de Deus envolve todos os povos – Jesus Cristo não foi enviado apenas aos judeus[7] –, a mensagem do Evangelho deve ser anunciada a todos.

          Por isso, quando o rei da França, Carlos IX escreve (23.01.1561) uma carta ameaçadora ao Conselho de Genebra a respeito de pregadores Genebrinos que atuavam em cidades francesas, os acusando de sedições, dissenções e perturbação, atrapalhando a paz de seu reino, pedindo que os mesmos fossem chamados de volta, Calvino responde quase que imediatamente (28.01.1561):

 Protestamos sinceramente diante de Deus que nunca tentamos enviar pessoas para o seu reino como  sua majestade afirma. (…) De forma que ninguém, com nosso conhecimento e permissão, tem saído daqui para pregar, exceto um único indivíduo que nos pediu, para a cidade de Londres [Nicholas des Gallars (c.1520-1581) [8]].[9]

           Admite que pessoas o tem procurado. Quando via que tais homens eram dotados de instrução e piedade, ele os exortava  a “exercitar seus dons onde quer que eles devam ir para o avanço do Evangelho”.[10]

Maringá, 07 de outubro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Veja-se: Philip E. Hughes, John Calvin: Director of Missions: In: John H. Bratt., org.  The Heritage of John Calvin, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1973, p. 44-45.

[2]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 3.12), p. 257. “Tão pronto um crente mostre sinais de zelo por Deus, a ira de todos os ímpios se acende e, mesmo que não tenham suas espadas desembainhadas, arrojam seu veneno, ou criticando, ou caluniando, ou provocando distúrbio de um ou de outro modo. Portanto, ainda que não sofram os mesmos ataques e não se envolvam nas mesmas batalhas, eles têm uma só guerra em comum e jamais viverão totalmente em paz nem isentos de perseguições” (João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (2Tm 3.12), p. 258).

[3] Carta de Calvino ao Lord de Jersey (1553?). In: Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters, eds. Henry Beveridge and Jules Bonnet, Grand Rapids, Mi: Baker Book House, v. 5 (Letters, Part 2), 1983, p. 453.

[4] John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 7/1, (Is 2.3), p. 94. “Se tivermos alguma humanidade em nós, vendo os homens caminhando para a perdição, (…) não deveríamos ser movidos pela piedade, a resgatar as almas perdidas do inferno, e ensiná-las o caminho da salvação?”  (J. Calvino, Sermão sobre Dt 33.18-19. In: Corpus Reformatorum (v. 57). Ioannis Calvini Opera Quae Supersunt Omnia, Guilielmüs Baum; Edüardüs Cünitz; Edüardüs Reüss, eds., Brunsvigae:  Apud C.A. Sohwetschke et Filium, 1885, v. 29, col. 175).

[5] João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Edições Parakletos, 2002, v. 3, (Sl  102.21), p. 581.

[6] John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 7/1, (Is 12.5), p. 403.

[7] Cf. John Calvin, Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, 1996 (Reprinted), v. 7/1, (Is 2.4), p. 99. Do mesmo modo: John Calvin Collection,  [CD-ROM],  (Albany, OR: Ages Software, 1998), (Mq 4.3), p. 101.

[8]Sobre Gallars, veja-se: https://books.google.fr/books?pg=PA5&dq=Nicolas+des+Gallars&ei=-LkRTY-uFJ-nweEi7WBDg&ct=result&id=JvU9AAAAcAAJ#v=onepage&q=Nicolas%20des%20Gallars&f=false (Consulta feita em 28.03.2021).

[9] Carta de Calvino ao Rei da França (28.01.1561). In: Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters, eds. Henry Beveridge and Jules Bonnet, Grand Rapids, Mi: Baker Book House, v. 7 (Letters, Part 4), 1983,  p. 168. Meses depois,  em 19 de agosto de 1561, na Dedicatória de seu comentário do Profeta Daniel, Calvino fala de seu esforço por manter a paz  – o que nem sempre tem sido possível –, e, ao mesmo tempo, estimula seus irmãos a não ultrapassarem determinados limites. Escreve: “Mais ainda, é vossa incumbência, amados irmãos, tomar prudente cuidado para que a verdadeira religião possa novamente readquirir uma posição sã; isto é, até onde cada um tiver o poder e a vocação. Não é necessário dizer o quanto tenho lutado para remover toda e qualquer ocasião geradora de tumultos até agora. Clamo aos anjos e a vós para testemunhardes diante do supremo juiz que não é de minha responsabilidade que o progresso do reino de Cristo não tenha sido calmo e inofensivo. De fato, julgo ser em decorrência de meu cuidado que pessoas particulares ainda não passaram dos limites” (João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, p. 26).

[10] Carta de Calvino ao Rei da França (28.01.1561). In: Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters, eds. Henry Beveridge and Jules Bonnet, Grand Rapids, Mi: Baker Book House, v. 7 (Letters, Part 4), 1983, p. 168.

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