Teologia da Evangelização (82)

2.4.9.4. Uma demonstração prática da doutrina (Continuação)

Calvino que estudara nos  Collège de la Marche,[1] Collège de Montaigu,[2] Universidade de Orléans e Universidade de Bourges, tendo como mestres alguns dos grandes professores de sua época,[3]conhecia bem a dureza (Montaigu), estrutura e rotina universitária.  Antes de ser um teólogo ele fora um humanista.[4] A sua filosofia de ensino reflete a sua apurada formação e maturidade intelectual[5] dentro de um referencial que partia das Escrituras tendo a soberania de Deus como princípio orientador e a glória de Deus como fim de todas as coisas, inclusive de nosso saber.[6]  

          Já na sua primeira permanência em Genebra (1536-1538) insistiu junto aos Conselhos para melhorar  as  próprias  condições do ensino, bem como os recursos das  escolas. Ele apresentou ao conselho municipal um projeto educacional (1536) gratuito que se destinava a todas as crianças – meninos e meninas[7] –, tendo um grande apoio público. Desta proposta surgiu o Collège de Rive.

          Temos aqui o surgimento da primeira escola primária, gratuita e obrigatória de toda a Europa:[8] “Popular, gratuita e obrigatória”.[9] No entanto o Collège de Rive encerrou suas atividades durante o período de Calvino em Estrasburgo (1538-1541), sendo reativado com a sua volta definitiva para Genebra (1541).[10]

          Genebra era uma cidade endividada e passou a receber muitos imigrantes especialmente a partir de 1542. Muitos chegavam sem recursos. Havia uma metodologia para tratar desta questão:

Um supervisor distrital fazia a triagem de todos os pedidos e apresentava aos diáconos os que ele achava que deviam ser aprovados. Os diáconos visitavam as casas para verificar as necessidades. Cerca de 5% da população de Genebra receberam ajuda financeira, quase sempre por pouco tempo. Os diáconos, pensando com uma mentalidade empresarial, às vezes usavam os recursos da igreja para comprar ferramentas, matéria-prima ou pagar o aluguel inicial de uma loja. Os refugiados que eram artesãos podiam trabalhar.[11]

          Nesse espírito, os antigos ourives de Genebra, entre eles, muitos refugiados franceses, que trabalhavam com joias como motivos religiosos e, também, de ostentação, em sua nova fé perceberam gradualmente a incompatibilidade de suas produções. Muitos redirecionaram o seu trabalho para a fabricação de relógios.[12]

          A Suíça era também conhecida por seus valentes e bem treinados jovens que se tornavam mercenários (Reisläufer) de reis e príncipes. Um elemento fomentador para isso era, além das recompensas financeiras, o gosto pela aventura e a falta de emprego, pois a economia suíça era eminentemente agrícola. Com a Reforma esse quadro gradualmente foi sendo transformado.        

Maringá, 07 de outubro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


[1] McGrath discute a possibilidade de esta interpretação tradicional ser equivocada. Em sua opinião Calvino não estudou no Collège de la Marche (Ver: Alister E. McGrath, A Vida de João Calvino, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 37-43).

[2] As regras do Collège de Montaigu eram bastante rígidas e a alimentação precária. É famosa a descrição de Erasmo a respeito desta Escola. Entre outros trabalhos, vejam-se: D. Erasmus, The Colloquies of Erasmus,  Chicago: The University of Chicago Press, 1965, p. 351-353; Roland H. Bainton, Erasmo da Cristandade,  Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1988),  p. 39ss.; Alister McGrath, A Vida de João Calvino, p. 44-45. Para um estudo detalhado de Montaigu, a obra clássica é: Marcel Godet, La Congrégation de Montaigu, Paris: Libraire Ancienne Honoré Champion, 1912, 220p.

[3] Ver: Hermisten M.P. Costa,  Raízes da Teologia Contemporânea, São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 89-92

[4]Charles Borgeaud, Histoire l’Université de Genève, Genève: Georg & Cº, Libraires de L’Université, 1900, p. 21.

[5] Ford L. Battles, Interpreting John Calvin, Grand Rapids, Michigan: Baker Books, 1996, p. 47.

[6] “Não  busquemos as cousas que são nossas, mas aquelas que não somente sejam da vontade do Senhor, como também contribuam para promover-lhe a glória” (João Calvino, As Institutas, III.7.2). “Não há glória real senão em Deus” (João Calvino, As Pastorais, (1Tm 1.17), p. 46). Veja-se o verbete “Glória”, In: Hermisten M.P. Costa,  Calvino de A Z,  São Paulo: Vida, 2006, p. 138-140.

[7] Como curiosidade menciono que no Brasil, a primeira escola para moças foi aberta no Rio de Janeiro, capital no Império, em 1816. (Vejam-se:   Laurence Hallewell, O Livro no Brasil: sua história.  São  Paulo: T.A. Queiroz; EDUSP., 1985, p. 87; Luiz  Agassiz; Elizabeth C. Agassiz, Viagem ao Brasil: 1865-1866,  Belo Horizonte, MG.: Itatiaia; Editora da Universidade de São Paulo, 1975, p. 292-293).

[8] John T. McNeill, The History and Character of Calvinism, p. 135. Inter alia: Charles Borgeaud, Histoire l’Université de Genève, p. 16-18;Lorenzo Luzuriaga, História da Educação Pública, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959, p. 1, 5-6; Elmer L. Towns, John Calvin. In: Elmer L. Towns, ed.  A History of Religious Educators, Michigan: Baker Book House, 1985, p. 168-169; Philip Schaff, History of the Christian Church,v. 8, p. 804.

[9]Eugène Choisy,  L’ État Chrétien Calviniste: Genève au XVIme  siècle, Genève: Librairie Georg & Cia. 1909, p. 9.

[10]Ford L. Battles, Interpreting John Calvin, p. 61-62; John T. McNeill, The History and Character of Calvinism, p. 192; Robert W. Pazmiño, Temas Fundamentais da Educação Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 149.

[11]Marvin Olasky, O Roteiro secular no teatro de Deus: Calvino sobre o significado cristão da vida pública: In: John Piper; David Mathis, orgs. Com Calvino no teatro de Deus: A glória de Cristo e a vida diária. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 88.

[12]Cf. https://espiraldotempo.com/calvino-genebra-e-os-metiers-dart/  (Consulta feita em 07.10.2022).

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