Teologia da Evangelização (133)

4.3.3. A Palavra do Senhor[1]

         Este é o sentido da parábola: a semente é a palavra de Deus (lo,goj tou/ qeou/). – Lc 8.11.

Está vestido com um manto tinto de sangue, e o seu nome se chama o Verbo de Deus (lo,goj tou/ qeou/). – Ap 19.13.

4.3.3.1. Sua suficiência

Lucas relata que após Paulo e seus companheiros (At 15.22,30-34) levarem a decisão de Jerusalém para as igrejas, Paulo e Barnabé, juntamente com muitos outros irmãos, permaneceram em Antioquia ensinando (dida/skw)e pregando (eu)aggeli/zomai) com muitos outros, a palavra do Senhor (lo,gon tou/ kuri,ou)(At 15.35).

Agora, talvez fosse o momento de esses homens começarem a falar da decisão do Concílio, da fraqueza de alguns judeus, quem sabe até de apóstolos e presbíteros, da pressão de outros ou, enfatizar a sua influência para que o parecer conciliar fosse unânime (At 15.22,28), ainda mais considerando que Paulo e Barnabé foram relevantes neste evento, tendo, inclusive, a honra de falar a todo Concílio que os ouviu atentamente (At 15.12).

No entanto, o Evangelho não é isso, antes é o ensino e proclamação da Palavra do Senhor. Evangelizar não é mostrar a “superioridade” de nossa cultura, falar da magnitude de nossa igreja, nossa posição, nossa inteligência ou mesmo humildade, antes, anunciar a Palavra do Senhor.

Como temos insistido, somente a Palavra de Deus é poderosa para transformar e edificar; “…. a Palavra do Senhor é semente frutífera por sua própria natureza”, observa Calvino.[2] Deus se dignou em consagrar a si mesmo “as bocas e línguas dos homens, para que neles faça ressoar sua própria voz”, afirma Calvino em outro lugar.[3]

Portanto, como servos não estamos trabalhando a nosso próprio serviço, mas, de Cristo; não buscamos discípulos para nós mesmos, mas para Jesus Cristo.

Calvino pondera:

A fé não admite glorificação senão exclusivamente em Cristo. Segue-se que aqueles que exaltam excessivamente a homens, os privam de sua genuína grandeza. Pois a coisa mais importante de todas é que eles são ministros da fé, ou seja: conquistam seguidores, sim, mas não para eles mesmos, e, sim, para Cristo.[4]

          Todo o nosso anúncio deve estar fundamentado, cercado e dirigido pela Palavra. O Evangelho é a Palavra do Senhor, não a nossa. Contudo, quanto mais confiamos em nossa capacidade e autorrelevância, mais estaremos dispostos a nos assenhorear da mensagem e, portanto, da proclamação. Assim, gradativamente creremos com bastante satisfação em nossa sabedoria e atualidade; afinal, concluímos de forma tão lógica: temos sido tão bem-sucedidos nesse método que, certamente, estamos anunciando o Evangelho.

          Na realidade, talvez sem que o tenhamos percebido, o Evangelho deixou de ser a Palavra do Senhor para ser a minha palavra, a minha compreensão, a minha opinião, a minha experiência, a minha perspectiva, a minha tese, etc. Notaram? A Palavra do Senhor desapareceu dessa pregação.

          Para sermos justos, devemos dizer que a igreja também é responsável pelo surgimento e perpetuação desses personagens doentios com essas mensagens fictícias: temos, muitas vezes, aplaudido tais mensageiros, incentivado o ego de seus proponentes, os enchidos de fama e poder. Ao invés de examinarmos as Escrituras para ver se o que foi dito confere (At 17.11), simplesmente os aplaudimos porque gostamos e, se gostamos, dentro deste critério leviano, é verdade.

          Olhando pela perspectiva do “pregador”, pergunto: Como perceber o erro quando as coisas parecem estar funcionando? Como entender que me desviei da Palavra do Senhor se os meus ouvintes se ampliam cada vez mais e dizem com um afago no ombro e um sorriso piedoso: “foi uma bênção” ou, virtualmente emitem um “joinha”?  Assim, sou levado a pensar que tenho um novo método de anunciar a Palavra. Desse modo, meu próximo passo será escrever um livro ou subscrevê-lo, com o título: A Palavra do Senhor segundo a minha interpretação.

          Por outro lado, quanto mais confiarmos no poder de Deus operante por meio da Palavra, menos estaremos dispostos a confiar em nossa suposta capacidade. A nossa oratória pode e certamente não é totalmente adequada; no entanto, a Palavra que pregamos, jamais será ineficaz no seu propósito.

          Neste sentido, escreveu Chapell:

Quando os pregadores percebem o poder que a Palavra possui, a confiança em seu chamado cresce, da mesma forma que o orgulho em seu desempenho murcha. Não precisamos temer nossa ineficácia quando falamos das verdades que Deus revestiu de poder para a realização dos seus propósitos. Ao mesmo tempo trabalhar como se nossos talentos fossem os responsáveis pela transformação espiritual, torna-nos semelhantes a um mensageiro que reivindicava mérito por ter posto fim à guerra por haver ele entregue a declaração escrita de paz. O mensageiro tem uma nobre tarefa a realizar, mas porá em risco sua missão e depreciará o verdadeiro vitorioso se atribuir a si façanhas pessoais. Mérito, honra e glória com relação aos efeitos da pregação pertencem apenas a Cristo, pois somente a Palavra produz renovação espiritual.[5]

          Pedro e João quando pregaram em Samaria – tendo sido antecedidos pela pregação de Filipe com grande número de conversões (At 8.5-8) –, registra Lucas: “Eles, porém, havendo testificado e falado a palavra do Senhor (lo,gon tou/ kuri,ou), voltaram para Jerusalém e evangelizavam muitas aldeias dos samaritanos” (At 8.25).

          A despeito de toda perseguição contra a igreja, inclusive com o assassinato de Tiago por parte de Herodes (At 12.2), diz a Escritura: “Entretanto, a palavra do Senhor (lo,goj tou/ qeou/)[6] crescia e se multiplicava” (At 12.24).[7] Deus continuava operando poderosamente por intermédio de sua Palavra. Como sempre, Deus honra e honrará a Sua Palavra, não as nossas opiniões.[8] 

Maringá, 06 de janeiro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 



[1] Veja-se: Hermisten M.P. Costa, Teologia do Culto, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1987, p. 37-40. H.W. Robinson faz uma observação que deve-nos servir de alerta. Ele diz, por certo observando a realidade norte-americana: “Um número significante de ministros – dos quais muitos professam alta estima para as Escrituras – preparam seus sermões sem consultar a Bíblia de modo algum. Embora o texto sagrado sirva como aperitivo para colocar o sermão em andamento, o prato principal consiste no próprio pensamento do pregador ou no pensamento doutra pessoa, requentado para a ocasião” (Haddon W. Robinson, A Pregação Bíblica, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 18). (De semelhante modo, são extremamente pertinentes as observações de Karl Lachler, Prega a Palavra, São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 30-44; J.M. Boice, O Pregador e a Palavra de Deus:In: James M. Boice, ed. O Alicerce da Autoridade Bíblica, São Paulo: Vida Nova, 1982, p. 143-167; Albert N. Martin, O Que há de Errado com a Pregação de Hoje?, 45p.; Walter J. Chantry, O Evangelho de Hoje: Autêntico ou Sintético?, São Paulo: Fiel, 1978, 81p.

[2] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.6), p. 103.

[3] João Calvino, As Institutas, IV.1.5.

[4]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.5), p. 101-102.

[5]Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 22.

[6] Literalmente: “Palavra de Deus”.

[7] Lemos também que após a eleição dos primeiros diáconos, “Crescia a palavra de Deus (lo,goj tou/ qeou/), e, em Jerusalém, se multiplicava o número dos discípulos; também muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé” (At 6.7).

[8] “O Espírito Santo é o poder atuante na Igreja, e o Espírito      Santo jamais honrará coisa alguma senão a Sua Palavra. Foi o Espírito Santo quem nos deu esta Palavra. Ele é o seu Autor. Não é dos homens! Tampouco a Bíblia é produto da ‘carne’ e do ‘sangue’ (…). O Espírito não honrará nada, senão Sua Palavra. Portanto, se não crermos e não aceitarmos sua Palavra, ou se de algum modo nos desviarmos dela, não teremos direito de esperar a bênção do Espírito Santo. O Espírito Santo honrará a verdade, e não honrará outra coisa. Seja o que for que fizermos, se não honrarmos esta verdade, Ele não nos honrará” (D.M. Lloyd-Jones, O Combate Cristão, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 103).

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